Professores da PUCRS explicam o fenômeno e discutem as implicações a curto e longo prazo depois das chamas
terça-feira, 21 de janeiro | 2025De acordo com cientista da ONU, incêndios florestais vão ficar cada vez mais comuns. / Foto: Mayra Beltran / Los Angeles County
A cidade de Los Angeles na Califórnia (Estados Unidos) está passando por uma temporada de incêndios desde o início de 2025. O fogo tem causado destruição por onde passa e os números não param de subir: mais de 180 mil pessoas tiveram que deixar suas casas e o equivalente a 20 mil campos de futebol foram perdidos pelas chamas. O tamanho da destruição tem causado a seguinte dúvida: por que a cidade de Los Angeles queimou tão rápido?
Antes de tudo é preciso entender que grande parte da região sul da Califórnia, onde fica Los Angeles, é composta por biomas inflamáveis. O professor do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade (PPG-EEB) da PUCRS Pedro Maria explica que biomas inflamáveis ocorrem em diversas partes do mundo, e são caracterizados pela presença de espécies que evoluíram sob um histórico regime de distúrbios que envolveu queimadas.
“As queimadas já ocorriam mesmo antes do surgimento da nossa espécie, e hoje ocorrem tanto de forma natural quanto em decorrência de ações diretas das pessoas. No Brasil, também temos ecossistemas inflamáveis, como nos biomas Cerrado e Pampa. Na Califórnia, talvez o bioma inflamável mais conhecido seja o Chaparral, além de outras formações ecológicas também associadas historicamente ao fogo. Assim, grande parte da vegetação da região compõe uma formação ecológica naturalmente inflamável. O grande problema é a proximidade de áreas densamente habitadas às áreas com cobertura vegetal mais propensas a queimadas”, explica o docente, que também é professor do curso de Ciências Biológicas.
Nesse sentido, após as temporadas de chuvas, a vegetação da região do entorno de Los Angeles cresce abundantemente, criando um grande estoque de material combustível. Com a chegada da estação seca, a biomassa acumulada na vegetação seca rapidamente, tornando-se altamente inflamável. O ciclo de crescimento rápido seguido por secagem acaba criando condições ideais para que os incêndios se espalhem rapidamente. Pedro explica que a Califórnia tem registrado temperaturas mais altas do que o normal nos últimos meses, o que contribui para a perda de água da biomassa vegetal e potencializa sua inflamabilidade.
“Além disto, ocorre um fenômeno climático na região chamado de Ventos de Santa Ana. São ventos quentes e secos que sopram do deserto da Califórnia em direção à costa, passando por Los Angeles e suas áreas montanhosas. Eles extraem a umidade da vegetação, tornando-a ainda mais suscetível às chamas e ajudando a espalhar os incêndios rapidamente. Estes ventos típicos também alimentam e espalham os incêndios quando já estão em andamento. A combinação de umidade muito baixa e alta velocidade de ventos não é comum, porém, estima-se que possa ser cada vez mais frequente em função das mudanças climáticas”, sintetiza.
O que o mundo inteiro está vendo em Los Angeles não é inédito e incêndios de grandes proporções tem se tornando mais frequentes nos últimos anos. Em 2024, o Brasil registrou 278,3 mil focos de incêndio, número 46,5% vezes maior do que o registrado em 2023. A maioria dos focos de incêndio aconteceu na Amazônia, seguido dos biomas Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pampa. Em entrevista à BBC News Brasil, a líder do time de florestas e clima da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO-ONU), Amy Duchelle, enfatizou que os incêndios florestais ficarão mais intensos devido às mudanças climáticas.
Essa temática vem sendo cada vez mais discutida por organizações, países, e pessoas comuns, tendo em vista que é possível sentir os impactos dessas mudanças de forma cada vez mais frequente. O docente do PPG-EEG da PUCRS explica que além das formas já conhecidas (como informar a população sobre os riscos de incêndios e um planejamento urbano que leve em conta as áreas de risco), uma alternativa para mitigar estes eventos é a de utilizar o fogo como ferramenta de manejo dos ecossistemas inflamáveis, com queimadas controladas. Pedro esclarece que a prática, utilizada há décadas em Parques Nacionais dos Estados Unidos e outros locais do mundo, tem começado a ser utilizada nos últimos anos também em áreas protegidas do Brasil.
“A ideia é utilizar o fogo para controlar a quantidade de biomassa do ecossistema, reduzindo o acúmulo de matéria seca inflamável e, em última instância, reduzindo as chances de início ou expansão de um incêndio acidental ou criminoso. Para isto, utiliza-se de critérios e ferramentas científicas para selecionar áreas e realizar queimadas controladas de acordo com uma série de critérios que reduzem as chances de que o fogo fuja de controle, como delimitação da área com aceiros, mobilização de brigadistas e realização da queima controlada em momento adequado (pouco vento, temperatura mediana, umidade relativa do ar não muito baixa)”.
Além dos problemas para a biodiversidade, os incêndios também afetam as pessoas e a cidade. / Foto: LA County Department of Public Works
Mesmo com o fogo sendo aos poucos controlado, o impacto a curto e longo prazo das queimadas já pode ser percebido pela população norte-americana. Um incêndio dessa proporção afeta as pessoas, a biodiversidade local e Los Angeles em sua totalidade, visto que ela é a segunda cidade mais populosa dos Estados Unidos e uma das que mais recebem turistas no país.
Ao pensar na possível destruição de parte da biodiversidade do local, o professor do PPG-EEG da PUCRS Pedro Maria explica que apesar desses ecossistemas ter evoluído sob um regime que incluiu queimadas, eventos dessa proporção podem ter grande impacto sobre algumas espécies.
“Isto ocorre em parte devido à magnitude da queimada, potencializada por ações antrópicas e pelo contexto climático atual, mas também pela baixa quantidade de áreas naturais contínuas, que foram substituídas por grandes maciços urbanos, deixando os animais com poucas opções para escapar do fogo. Mensurar o impacto é bastante complexo e demanda estudos diferentes para cada grupo de organismos. Pode levar anos para que trabalhos de monitoramento ambiental detectem padrões confiáveis de resposta da biodiversidade a este tipo de evento”, diz.
Além dos problemas que o incêndio traz para a saúde (a fumaça e a fuligem podem causar complicações graves, especialmente para pessoas que já apresentam problemas respiratórios, crianças e idosos), as queimadas são um problema para a malha urbana. O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Economia do Desenvolvimento (PPGE) da PUCRS, Gustavo Inácio de Moraes, contextualiza que Los Angeles se localiza em um sítio complicado do ponto de vista natural e a urbanização da cidade exige cuidados difíceis de serem tratados economicamente.
A longo prazo, o professor Gustavo Inácio de Moraes prevê um aumento do preço dos seguros patrimoniais, custos de construção crescentes e dificuldades de acesso à água na cidade. A tendência é que as áreas periféricas de Los Angeles se tornem ainda mais caras, elitizando ainda mais bairros, em residências e comércio, naquilo que já são áreas de alto poder aquisitivo. No entanto, o docente também lembra que em breve Los Angeles será sede das Olimpíadas (2028), e que por esse motivo, deve receber investimentos significativos para sua reconstrução.
“Provavelmente investimentos que serão destinados mais para o centro da cidade, como forma de evitar imprevistos em 2028 na véspera de um evento global. A longo prazo, isso significa para a cidade uma oportunidade de reinvenção. Porém, isso também sinalizará um maior alargamento da mancha urbana, já bastante estendida a uma proporção que é quase três vezes a cidade de São Paulo, em torno das áreas litorâneas, longe das montanhas, que apontam para as possibilidades de outros problemas e agravamentos naturais, como tornados e terremotos.”
Gustavo pondera que as variações climáticas, independentemente do processo de mudanças climáticas, ainda não são totalmente conhecidas pela ciência. No entanto, é importante entender que a ocupação de espaços urbanos precisa estar alinhada com práticas cada vez mais sustentáveis.
“A precaução ao ocupar os espaços, independente da tecnologia disponível, também deve se preocupar em manter um “cinturão natural” com espaços de grandes volumes de água ou grandes reservas florestais, bem como em áreas de falhas geológicas (como o Japão, por exemplo). Essas precauções não invalidam a ocupação dos espaços, desde que de modo estudado e assentado em boas práticas de urbanismo e engenharia, reconhecendo os riscos envolvidos”, finaliza.
GRADUAÇÃO PRESENCIAL