Pessoas alojadas receberam atendimentos de saúde, doações de roupas e o cuidado de voluntários e profissionais engajados na assistência
Foto: Lucas Azevedo/Escola de Ciências da Saúde e da Vida
Mais de um mês após o alerta climático que marcou o início da pior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul, os municípios gaúchos seguem enfrentando uma série de dificuldades e famílias inteiras buscam forças para recomeçar. Atualmente, na Capital, ainda existem 3.263 pessoas em 71 abrigos temporários, segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre no dia 11/6. Durante 34 dias, o Parque Esportivo da PUCRS abriu as portas para abrigar mais de 250 pessoas afetadas pela enchente, resgatadas pela Defesa Civil. O abrigo fez parte de uma operação emergencial, que se estabeleceu em poucas horas e contou com o apoio de muitos voluntários.
“Começamos do zero e o primeiro passo foi organizar o acolhimento cuidadoso das pessoas. Como se fosse uma avalanche, em poucos minutos, voluntários se apresentavam, doações chegavam aos montes e tudo foi sendo organizado como se tivéssemos as melhores expertises em como organizar um abrigo a vítimas de uma catástrofe, embora ninguém tivesse experiência de como havia sido em outros abrigos”, relembra FranciscoKern, professor e ouvidor institucional da Universidade.
Enquanto o espaço esteve ativo, as pessoas abrigadas receberam todo o tipo de assistência prestada por um time de voluntários de mais de 300 pessoas, composto por técnicos, professores, estudantes e comunidade em geral. Na área da saúde, foram mais de 500 consultas, mais de 120 atendimentos psicológicos, mais de 40 atendimentos odontológicos e mais de 150 aplicações de vacinas contra a influenza.
“O atendimento aqui foi muito bom. Os voluntários, o pessoal da limpeza e os médicos estavam cuidando de todo o pessoal. A água lá na minha casa tapou tudo. Tudo o que eu tenho foram os voluntários que deram para a PUCRS, umas cobertas, umas roupas e os colchões para dormir, é só o que eu tenho. E os filhos”, relata Franciane Barbosa Ferreira (37), auxiliar de serviços gerais, para a reportagem da Folha de São Paulo.
Todos os dias, as famílias recebiam as refeições diárias, como café da manhã, lanche, almoço e jantar. A alimentação, preparada seguindo as recomendações sanitárias, era feita pela cozinha solidária, uma força tarefa que reuniu professores, colaboradores, alunos, egressos e voluntários de outras universidades, totalizando cerca de 80 pessoas por dia, divididas em escalas. As refeições eram produzidas e supervisionadas por docentes dos cursos de Nutrição e Gastronomia. Nas últimas, o Restaurante Universitário (RU) da PUCRS estava prestando este serviço.
“O impacto na vida das pessoas acolhidas foi imenso. Muitos chegaram ao abrigo em situação de grande vulnerabilidade, tendo perdido suas casas e pertences. As ações desenvolvidas, como atividades recreativas, culturais, espirituais e educativas, ajudaram a aliviar o estresse e a ansiedade dos abrigados, proporcionando momentos de convivência e esperança em meio à adversidade. Muitos relataram que o acolhimento recebido fez uma diferença crucial em suas vidas, dando-lhes forças para enfrentar e (re)começar”, conta o Pró-reitor de Identidade Institucional da Universidade, Ir. Marcelo Bonhemberger.
Sandro Daniel Silva de Mattos (42) é autônomo e foi uma das pessoas abrigadas no Parque Esportivo da PUCRS. Em entrevista para Folha de São Paulo, ele descreveu como eram os dias no abrigo, contou sobre os amigos que reencontrou e agradeceu o acolhimento que recebeu dos voluntários.
“Muita gente solidária me perguntou o que quero, se estou precisando de alguma coisa. Esse carinho e respeito, eu nunca vi em tantas pessoas, mesmo naquelas que nunca se viram na vida. Se tivesse escolhido a dedo, acho que não teria dado tão certo. A chuva nos entristece, mas a gente trabalha no nosso psicológico e está perseverando, porque a gente sabe que aqui estamos bem. Aprender a dar mais valor para o ser humano já está dando certo para mim. Deus botou um monte de anjos perto de mim, eu tinha perdido o celular e documentos, identidade e certidão, e fiz tudo de novo aqui. Vamos recomeçar”, comenta confiante.
Voluntários com crianças abrigadas na brinquedoteca do Parque Esportivo da PUCRS. / Foto Eduardo Seidl/Famecos
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A rotina no abrigo da PUCRS foi intensa e repleta de desafios. O espaço funcionava 24 horas por dia, com uma equipe dedicada a garantir a segurança e o bem-estar de todos os acolhidos. “Cada dia começava com a organização das atividades e a distribuição das tarefas entre os líderes e voluntários. Havia uma preocupação constante em proporcionar um ambiente acolhedor e seguro, onde cada pessoa pudesse encontrar não apenas abrigo, mas também conforto emocional, apoio, um lar provisório”, explica Ir. Marcelo.
Para entreter as crianças, a sala onde antes funcionava um laboratório do curso de Educação Física foi adaptada e se transformou em uma brinquedoteca. No espaço, elas podiam podem usufruir de livros, brinquedos, jogos e materiais para desenho e pintura, além de participar de momentos de contação de histórias e outras atividades orientadas por monitores voluntários, tudo sob a supervisão do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEdu) da PUCRS e organizado pelo Laboratório das Infâncias.
“Neste período, exercitamos uma escuta ativa qualificada e buscamos fazer com que todos se sentissem seguros e confortáveis, mesmo estando fora das suas casas. Criamos laços que ficarão e que foram essenciais no cuidado a estas famílias”, recorda a professora Andrea Bandeira, decana da Escola de Ciências da Saúde e da Vida.
A professora destaca que o trabalho em equipe foi essencial durante os dias de trabalho no abrigo. Profissionais e estudantes de diferentes áreas colaboraram para que as famílias recebessem todo o apoio e acolhimento necessários. Este movimento foi organizado em conjunto com a Secretaria Municipal de Saúde, de forma que as pessoas abrigadas pudessem dar sequência aos seus acompanhamentos, onde quer que estivessem, garantindo o direito à saúde e à integralidade.
“Foi inspirador ver os cursos de graduação e programas de pós-graduação oferecendo soluções criativas e ágeis frente a este momento desafiador. Cada área do conhecimento buscou apresentar respostas pautadas na ciência, o que demonstrou efetivamente o posicionamento da nossa universidade: inovação, geração de impacto e contribuição para a sociedade”, pontua Ir. Manuir Mentges, Vice-reitor da PUCRS.
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A presença e espírito de engajamento da comunidade, que atuou intensamente no voluntariado e por meio de doações, trouxe dias melhores para um momento tão triste. Ir. Marcelo ressalta que essas iniciativas representam a essência dos valores da PUCRS:
“O abrigo reforça nosso compromisso com a solidariedade, a presença significativa e a audácia. Em momentos de crise, mostramos que somos uma comunidade unida, pronta para agir e oferecer apoio incondicional. Essas ações não apenas beneficiam diretamente aqueles que foram acolhidos, mas também inspiram todos nós a continuar promovendo o bem comum e a fraternidade. O abrigo e o envolvimento de muitas pessoas foi um testemunho vivo dos valores maristas, reafirmando a excelência do trabalho e a nossa Identidade Institucional”.
Para a professora Andrea Bandeira, os dias atuando no abrigo renderam aprendizados sobre solidariedade, força e resiliência: “Em tempos tão adversos e desafiadores, estar aqui todo dia e conviver com cada pessoa nos faz ter esperança de dias melhores”.
“Talvez nunca em nossa história de 75 anos colocamos a missão institucional tão em prática no que se refere à fundamentação dos direitos humanos como nestes 34 dias. O acesso aos direitos fundamentais foi garantido nas excelências da alimentação como primeira necessidade, na vestimenta, na habitação provisória, e todas as outras formas de dignidade e cidadania”, declara o professor Francisco Kern.
Além do abrigo, a PUCRS montou um ponto de coleta e triagem no estacionamento do Centro de Eventos do Prédio 41, onde recebeu mais de 100 toneladas de alimentos, mais 100 toneladas de ração, mais de 140 toneladas de produtos de limpeza, mais de 40 mil litros de água, mais de 40 mil peças de roupas e mais de 40 mil itens de higiene.
“Em meio às adversidades, testemunhamos o poder de mobilização das pessoas da nossa Universidade, a resiliência e a solidariedade que caracterizam o jeito PUCRS de ser e servir. Estivemos e ainda estamos unidos a nossos/as colaboradores que foram afetados e a cada pessoa que esteve no abrigo. Cada um e cada uma ajudando como pode. Expresso nosso profundo agradecimento a todos e todas que contribuem com esforços de voluntariado, doações e acolhimento neste momento tão desafiador. Estamos transformando vidas com generosidade e compaixão. Vamos juntos, temos muito pela frente, temos algo grande a (re)fazer”, declara Ir. Evilázio Teixeira, Reitor da PUCRS.
Foto: Regina Albrecht
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Fotos: Eduardo Seidl, Giordano Toldo e Lucas Azevedo