Esta é a primeira vez que nomes científicos são alterados por questões sociais e não acadêmicas
quarta-feira, 28 de agosto | 2024Esta é a primeira vez que nomes científicos são alterados por questões sociais e não acadêmicas
Agora, as plantas vindas da África passam a ser designadas cientificamente como “affra”. / Foto: Tree Species
Em julho deste ano, o Congresso Botânico Internacional votou para a retirada da nominação “caffra” de algumas espécies de plantas, fungos e algas. A expressão tem origem árabe e pode ser traduzido para o português como infiel, descrente e traidor. Sob pena de prisão, a expressão é considerada racista e crime na África do Sul.
Agora, as plantas vindas da África passam a ser designadas cientificamente como “affra”. A pesquisadora e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida e do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade, Laura Utz, explica como ocorre a nomeação de espécies.
“Os nomes podem homenagear pesquisadores da área, pessoas em geral, podem ser dados a partir da região geográfica onde a espécie foi encontrada, ou ainda se referir a uma característica morfológica da própria espécie, como, por exemplo, cor ou forma específica de determinada parte do corpo”, destaca.
As mudanças de nomenclatura não são incomuns, mas normalmente ocorrem por razões de inconsistências científicas, decorrentes de novas descobertas após a nomeação. Além disso, os avanços acadêmicos registrados com a definição anterior não são perdidos.
“Quando as mudanças ocorrem, os registros da descrição ficam disponíveis, desta forma os outros nomes que determinada espécie já teve podem ser rastreados”, explica a professora.
Esta decisão marca a primeira vez que nomes científicos são alterados por questões sociais e não acadêmicas. Laura comenta que essas mudanças em 218 plantas, 70 fungos e 13 algas, podem abrir precedentes para outras modificações.
“Sendo um número alto como este, um impacto significativo irá ocorrer, pois diversas espécies serão modificadas ao mesmo tempo. Visto que outras espécies descritas também podem apresentar nomes controversos ou polêmicos, isto pode ser somente o início de um processo longo”, explica a pesquisadora.
A professora destaca que a partir da mudança para estas espécies, o mundo científico deverá ficar mais atento aos nomes escolhidos, para evitar que se repita o mesmo processo no futuro. Laura Utz ressalta a importância educacional do conhecimento sobre taxonomia, área responsável por descobrir, descrever e nomear os seres vivos.
“Os pesquisadores precisam conhecer as regras de nomenclatura taxonômica e ficar atentos à escolha do nome no caso de descrição de novas espécies. Este nome, além de seguir a regras de nomenclatura, não pode ser ofensivo a nenhuma pessoa ou grupo”, contextualiza Laura.
O processo de descrição de uma espécie requer conhecimento da fauna e dos critérios utilizados para detectar linhagens evolutivas independentes, novas espécies, que ainda não foram descobertas. Roberto Reis, pesquisador e professor da Escola de Ciências da Saúde e da Vida e do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Evolução da Biodiversidade, já fez este processo para mais de 140 espécies de peixes e alguns répteis.
O professor explica que a escolha de nomes para as espécies deve ser feita de forma a nunca causar problemas éticos ou criar conflitos com pessoas, religiões e grupos políticos.
“Os nomes são eternos e o que fazemos hoje, no entanto, podem ter conotações diferentes no futuro. Muitos nomes antigos são em homenagem a ditadores e racistas, mas que na época e cultura em que foram propostos eram adequados”, contextualiza Reis.
Roberto ressalta que a estabilidade da nomenclatura é fundamental e deve ser preservada.
“Nomes científicos não podem mudar, pois representam o sistema geral de referência da ciência. Mudanças desse tipo devem ser feitas apenas em casos extremos, como nessas plantas”.
Para escolher os nomes, há recomendações do Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Neste material, especifica-se a indicação de nomenclatura binomial, nome do gênero seguido do epíteto específico, como também usar o latim nesta construção. Em sua trajetória, o pesquisador pode homenagear lugares e familiares, como o Cânion do Itaimbezinho, com o Epactionotus Itaimbezinho, uma espécie de cascudo. Ainda, o pesquisador pode homenagear suas filhas, Luisa Reis e Isabela Reis, com outras espécies de peixes descobertas por ele.
Estão abertas as inscrições para o Conexão Pós, evento promovido pela Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da PUCRS, que busca oportunizar o compartilhamento das pesquisas conduzidas pelos mestrandos e doutorandos da Universidade no contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização ONU. As inscrições para a submissão de resumos para apresentação vão até o dia 2 de setembro de 2024. No site você encontra todas as informações sobre a submissão das pesquisas.