Cirurgião plástico Marco Faria-Corrêa é um dos pioneiros na área e esteve na PUCRS para a aula inaugural da Escola de Medicina
segunda-feira, 24 de março | 2025Você piscou e a cirurgia robótica tomou proporções antes inimagináveis: “Robô ‘transformer’ faz primeira cirurgia no Brasil; Robôs cirúrgicos aprendem tarefas assistindo a vídeos; Como a parceria entre médicos e robôs está reabilitando pacientes”. Estas três manchetes foram veiculadas em alguns dos maiores veículos de comunicação do Brasil — e revelam o impacto da tecnologia na ciência médica e no cuidado com a saúde das pessoas.
A cirurgia robótica, que alia precisão e segurança, permite que os médicos realizem procedimentos minimamente invasivos, ampliando as possibilidades de tratamento. No Brasil, um dos pioneiros desse avanço é o cirurgião plástico Marco Faria-Corrêa, cuja trajetória de pesquisa e inovação ajudou a moldar essa nova era da medicina.
A história de Marco com a tecnologia médica começou de forma inusitada. Enquanto atuava como Instrutor de Residentes em Cirurgia Plástica na PUCRS, percebeu o potencial das videolaparoscopias, um método que revolucionava as cirurgias minimamente invasivas. Ao observar colegas realizando esses procedimentos, começou a questionar e buscar soluções mais eficientes.
Foi dessa inquietação que nasceu uma de suas maiores contribuições: um instrumento que eliminava a necessidade de gás na criação da cavidade óptica, tornando os procedimentos mais seguros. Mesmo diante de ceticismo inicial, ele persistiu, patenteando sua invenção internacionalmente e levando sua tecnologia para o mundo.
“Eu tinha certeza que o que eu estava fazendo era uma coisa lógica. Na época, meu filho tinha 11 anos e um dia ele me disse: ‘pai, tu está muito doido com esse negócio. O que teus colegas estão achando?’, então eu contei que estavam me chamando de professor Pardal e outras coisas assim”, relata entusiasmado. “Eu disse a ele: com esse foguete aqui eu vou ganhar o mundo. E foi o que aconteceu”, conta.
Com um olhar treinado para a eficiência e influenciado por experiências no Japão, onde aprendeu sobre microcirurgia e a precisão meticulosa dos japoneses, Marco não apenas desenvolveu novas técnicas, mas também ajudou a moldar o cenário da cirurgia robótica. Em 1996, seu trabalho ganhou reconhecimento mundial, consolidando-o como uma referência na área.
“Estudei japonês por dois anos antes de viajar, mas entendia menos do que 30% do que eles estavam falando. Eu assistia às cirurgias e via aquela atitude deles, metódica, detalhista, planejada, a necessidade deles de aperfeiçoar tudo. Então percebi que o que a gente fazia em microcirurgia estava muito atrás em termos de resultado devido a esse planejamento que eles faziam antes”, diz Marco.
Então, ele resolveu se debruçar em cima da técnica e não parou até a aperfeiçoar. Na PUCRS, produziu materiais que lhe renderam prêmios internacionais, ampliando o alcance de suas ideias. Hoje, Marco mora em Singapura, mas esteve na PUCRS no início do mês para a Aula Inaugural da Escola de Medicina.
“Toda a minha formação foi na PUCRS. Fiz a residência e foi lá que enfrentei os desafios iniciais, colocando em prática minhas ideias e inquietações. Sempre tive muito apoio, principalmente de colegas e da mecanografia da PUCRS. Eu sempre fui muito dedicado e sério no que fazia, e isso gerou reconhecimento. Meus colegas acreditaram em mim e me incentivaram”, relembra.
O entusiasmo e a visão inovadora do cirurgião impressionam. Ao ser questionado sobre de onde tira tanta energia, responde com satisfação:
“Não tem outro jeito! Hoje estou com quase 71 anos e continuo completamente apaixonado pelo que faço. Ainda corro, tenho uma energia tremenda. Minha esposa até brinca que, no fim de semana, sou outra pessoa. Mas enquanto estou na minha rotina, dentro dessa paixão e necessidade, me sinto com a energia dos meus 30 anos!”, narra inspirado.
Hoje, a cirurgia robótica já é uma realidade em hospitais de ponta ao redor do mundo. Sistemas como o Da Vinci permitem que cirurgiões realizem operações com precisão milimétrica, reduzindo riscos e proporcionando recuperações mais rápidas para os pacientes. O impacto dessa tecnologia se reflete na redução do tempo de internação, menor perda sanguínea e menos dor pós-operatória.
Segundo o professor da Escola de Medicina da PUCRS e chefe do Serviço de Urologia da Universidade, Gustavo Carvalhal, a cirurgia robótica representa um refinamento das técnicas videolaparoscópicas, trazendo melhorias significativas na ergonomia, na visão tridimensional e no controle dos instrumentos cirúrgicos.
“A cirurgia robótica tem proporcionado melhores resultados funcionais, especialmente na Urologia, no tratamento dos pacientes com câncer de próstata, rim e bexiga. Os novos cirurgiões já iniciarão suas carreiras trabalhando em plataformas robóticas em várias áreas de atuação”, explica Gustavo.
Apesar de suas vantagens, o avanço da robótica na medicina levanta questões éticas e desafios de acessibilidade. Um dos dilemas envolve o limite da automação: até que ponto a tecnologia pode substituir a mão humana sem comprometer a segurança do paciente? No momento, as plataformas robóticas existentes não funcionam de maneira autônoma e dependem da atuação do profissional. “Mas a inteligência artificial possivelmente mudará essa situação num futuro próximo”, acrescenta o professor.
No Brasil, um dos avanços esperados para os próximos anos é a telecirurgia, que permite a realização de procedimentos à distância por meio de plataformas robóticas mais avançadas. “Para que estas questões progridam, há a necessidade de avançarmos em pontos regulatórios e em tecnologia de transmissão de dados”, pontua Gustavo.
Outro ponto crítico é o alto custo da tecnologia, o que restringe seu acesso a hospitais com grandes investimentos.
“A tecnologia robótica é cara e não é autorizada pela maioria dos planos de saúde, o que tem repercussões financeiras importantes”, explica. “Outra condição ética que preocupa é a propaganda agressiva nos meios de comunicação e nas redes sociais, que nem sempre obedecem aos melhores princípios da ética profissional”, defende o pesquisador.
A formação médica também está se adaptando a essa nova realidade. Na PUCRS, os estudantes têm contato com princípios de cirurgias minimamente invasivas já no terceiro ano da graduação, por meio de modelos simulados e plataformas de treinamento digital. A expectativa é que, em breve, o Hospital São Lucas da PUCRS adquira sua própria plataforma robótica, ampliando ainda mais a capacitação dos futuros profissionais, destaca o professor.
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