Desde que a Covid-19 exigiu medidas de isolamento social e restrições de circulação, o dia a dia das da população sofreu transformações significativas. Os efeitos da pandemia impactaram desde a rotina de trabalho até o lazer, a alimentação e os hábitos de higiene das pessoas.
Nas últimas semanas, professores da Universidade lançaram um olhar sobre como esse contexto tem influenciado na comunicação e nos negócios; assim como na saúde pública e no bem-estar mental individual e coletivo. Para o encerramento da série Vida pós-pandemia, convidamos dois pesquisadores para refletirem sobre a possibilidade de novas ameaças e a chegada do “novo normal”. Confira!
Ao longo da história da humanidade, a sociedade foi acompanhada por eventos semelhantes à pandemia de Covid-19. Em cada época, a crise era causada por diferentes agentes infecciosos. Segundo Cristiano Valim Bizarro, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biologia Molecular e Celular, existem estudos os quais sugerem que nas últimas décadas houve um aumento no número de surtos de doenças zoonóticas, aquelas que envolvem a transferência de patógenos de animais para humanos.
“Precisamos ter em mente que o risco para novas ameaças pandêmicas no futuro é real e merece atenção. Sem dúvida, a questão não é ‘se’, mas ‘quando’ teremos a próxima pandemia”, afirma.
O professor explica que esse fenômeno pode estar relacionado à expansão humana em ambientes naturais, o que aumenta a exposição a animais selvagens portadores de bactérias e vírus com o potencial de transmissão para seres humanos. Além disso, existem evidências de que as extinções em massa e o desflorestamento, resultantes dessa expansão, aumentem os riscos de novas pandemias. Isso porque as espécies mais aptas a sobreviver e a se disseminar nesses ambientes impactados estão entre aquelas que hospedam os patógenos mais perigosos para os seres humanos.
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Ações voltadas à conservação da biodiversidade e o combate ao comércio e consumo de animais selvagens têm como benefício adicional a diminuição do risco de novos surtos de doenças infecciosas. “Esforços de monitoramento ativo e de ranqueamento do potencial de transmissibilidade de vírus selvagens estão em andamento e poderão permitir ações de vigilância e controle focadas em áreas de maior risco de transmissão zoonótica e surgimento de novos surtos”, destaca Cristiano.
De acordo com o pesquisador, assim como já ocorreu com outros coronavírus e com vírus de outros grupos que circulam nas populações humanas, é provável que o SARS-CoV-2 se torne endêmico, ou seja, torne-se recorrente no Brasil a ponto de a população conviver com ele. Cristiano afirma ser difícil prever como será a dinâmica dessa interação, mas acredita que envolverá um quadro complexo com regiões do planeta livres de circulação do vírus, com eventuais surtos episódicos; e outras com surtos sazonais.
“Variáveis como cobertura vacinal, tipo de imunidade conferida por meio da vacinação e evolução de novas variantes serão determinantes nesse processo. Possivelmente teremos programas de vacinação anuais, com vacinas adaptadas para conferir imunidade às novas variantes que surgirem a cada ano”, explica.
O coordenador do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Escola de Humanidades, Agemir Bavaresco, explica que o ser humano conviveu com pandemias ao longo da história.
“Por isso, eu não estou seguro se podemos falar em vida pós-pandemia. E mais ainda, o que é ‘retornar à normalidade’? Pois, qual é o critério para dizermos que algo é normal? Será normal mantermos a desigualdade de oportunidades em saúde, educação e alimentação? É normal continuarmos com assimetrias locais, nacionais e internacionais que submetem quase um bilhão de seres humanos passarem fome”, questiona.
Para ele, as relações sociais se tornaram complexas e os seres humanos criaram um modus operandi para sobreviver frente às pandemias. O professor afirma que as contradições, assimetrias e desigualdades que estavam escondidas na estrutura das relações internacionais ficaram explícitas. “A pandemia desnudou essa ‘anormalidade’ que reduz os povos a viverem sob a dominação da desigualdade. O caso da distribuição das vacinas contra a Covid-19 é um exemplo”, pontua.
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Refletir sobre os impactos da pandemia de Covid-19 na sociedade e a repercussão dessas transformações nos próximos anos é o objetivo da série Vida pós-pandemia. Na última semana, pesquisadores da Universidade lançaram um olhar sobre as implicações da crise sanitária na comunicação e nos negócios. Agora, o foco do debate é a digitalização da saúde pública e a importância da saúde mental da população. Confira!
Na medicina, a pandemia acentuou as tensões entre o profissionalismo médico e o bem-estar dos profissionais da saúde. Para os professores Alexandre Padoin e Thiago Viola, da Escola de Medicina, o contexto atípico impôs demandas fundamentais e obrigatórias em sistemas de saúde já sobrecarregados (sobretudo com falta de recursos materiais, de insumos e de mão-de-obra), testou médicos e profissionais de saúde até os limites da competência profissional e causou um impacto considerável na saúde e bem-estar físico e mental de cada um.
Frente às medidas de distanciamento, uma série de especialidades precisaram se adaptar rapidamente à telemedicina (atendimento médico online). A modalidade expandiu o desenvolvimento tecnológico de comunicação, diagnóstico e tratamento dos pacientes, possibilitando, inclusive, que o ensino da medicina e o treinamento de profissionais ocorressem a distância.
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“Para o futuro há uma necessidade de combinação de trabalho em equipe aprimorado, redução de encargos administrativos, preparação otimizada organizacional e cada vez mais ênfase no desenvolvimento científico e tecnológico”, aponta Alexandre Padoin.
Para além do tempo recorde no desenvolvimento de vacinas de RNA mensageiro, os pesquisadores também salientam o avanço dos algoritmos de inteligência artificial, capazes de identificar e rastrear a disseminação do novo coronavírus, predizendo locais geográficos de alto risco. Nesse sentido, segundo Thiago Viola, “o futuro da saúde pública tende a se tornar cada vez mais digital, incluindo o alinhamento de estratégias internacionais para a regulamentação, avaliação e uso de tecnologias digitais para fortalecer a gestão de crises futuras”.
Sobre os impactos da Covid-19 na saúde da população, os professores destacam que as principais implicações negativas em adultos incluem o aumento de sintomas de fadiga crônica, sofrimento psicológico, problemas de sono, sintomas de depressão e ansiedade. É importante considerar também que pesquisas apontam que os fatores de risco para os sintomas acima são “ser do sexo feminino, apresentar preocupações com a família, medo de infecção, contato próximo com a Covid-19, sentimento de luto e/ou ter sofrido algum impacto socioeconômico familiar, como perda de emprego.
Em relação ao comportamento da sociedade sobre a saúde pública, os pesquisadores Alexandre e Thiago afirmam que alguns laboratórios de pesquisa já estão mapeando o que foi mais efetivo em termos de cuidados sanitários, visando a futura prevenção.
“A construção de sociedades resilientes deve incluir a mudança comportamental de toda a população, bem como a redução das desigualdades socioeconômicas. A incorporação de comportamentos nas sociedades requer mudanças nos ambientes físicos e sociais, como a promoção de locais de trabalho seguros e normas sobre condutas de higiene. Estes espaços precisam ser sustentados pela ativação da comunidade, regulamentação da organização e legislação nacional”, ressaltam.
Manoela Ziebell de Oliveira, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida, afirma que diante da realidade de outros países já é esperada a necessidade de um período de adaptação no retorno às atividades presenciais. Para ela “algumas pessoas voltarão com medo e com mais dificuldade de interação. Por isso, precisaremos nos adaptar assim como no início da pandemia, quando adotamos as medidas de isolamento”.
Sobre os impactos da pandemia na saúde mental da população, a professora destaca uma série de efeitos. O medo da contaminação, a ansiedade com relação ao desempenho nos múltiplos papéis que as pessoas tiveram que conciliar (como trabalhar, cuidar de casa, auxiliar os filhos com ensino remoto, entre outros), o aumento nos níveis de depressão e ansiedade, além do aumento da violência doméstica e suas consequências, são alguns deles. Além disso, aumentaram as incertezas relacionadas ao futuro – seja no âmbito profissional, econômico ou de saúde – especialmente entre as pessoas que se encontravam em situações mais vulneráveis antes da pandemia.
Mesmo entre pessoas percebidas como saudáveis, observaram-se sintomas de definhamento (sensação de estagnação, vazio, abatimento) após tantos meses de isolamento. Para driblar medos e inseguranças, Manoela alerta para a importância de manter os cuidados como o uso de máscara e de álcool em gel, e evitar as aglomerações.
“Uma dica também é a prática de mindfulness (exercício de atenção plena no momento presente), para aqueles com dificuldade de concentração ou ansiedade. Também será preciso renegociar limites e tarefas do dia a dia conforme uma maior presencialidade vai sendo inserida na rotina. Além disso, é muito importante buscar ajuda quando a ansiedade ou sentimentos negativos se tornam muito fortes”, completa.
Embora desconfortáveis, o medo e a insegurança ajudam as pessoas a estarem alerta para o risco que permanece. Buscar conforto e diálogo com pessoas próximas e queridas pode ajudar a lidar com os sentimentos negativos; e manter os níveis de atenção e dedicação na realização das tarefas pode contribuir com a sensação de êxito e autonomia.
Essas ações não irão eliminar o medo, mas certamente serão úteis para a adaptação durante o retorno das atividades presenciais. “Ainda temos um caminho a ser percorrido e cada um tem um importante papel de manter os cuidados e proteger a si e aos demais”, finaliza.
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O contexto vivido desde março de 2020 está se transformando gradualmente. Com o avanço da vacinação mundial e a retomada de algumas atividades, algumas reflexões sobre o que esperar do futuro se tornam mais presentes. Como será a vida pós-Covid-19? O que é esse “novo normal”? Quais reflexos ainda estarão presentes no dia a dia das pessoas? A série Vida pós-pandemia traz reflexões e opiniões de pesquisadores da Universidade em diferentes áreas sobre o assunto. Abaixo, você confere um olhar sobre comunicação, negócios e tecnologias.
Durante a pandemia, a tecnologia se tornou ainda mais fundamental nas relações sociais, de trabalho e de consumo. Para o professor da Escola de Comunicação, Artes e Design Eduardo Pellanda, o momento histórico em que vivemos oportunizou a observação da sociedade em uma condição de mudança brusca.
“Aprendemos como as pessoas são adaptáveis a novas situações e como muda a relação com a tecnologia nestes momentos. O resultado desta experiência será uma sociedade mais madura digitalmente, mas com carência de contato humano. A convergência disto vai ser o novo ambiente híbrido que vamos começar a observar com todos os detalhes no futuro”, comenta.
Agora, as pesquisas da área da comunicação estão voltadas para entender como podemos mapear o que foi mais eficiente e quais são as carências das comunicações entre as pessoas nesse cenário. “Esse momento único vai nos ajudar a desenhar o mundo pós-pandemia e mudar relações de trabalho e sociabilização. Novas funções, profissões e oportunidades estão emergindo desta experiência. Devemos ter um boom de inovações a partir disso”, afirma o professor.
Ainda de acordo com Eduardo, a pandemia ajudou a selar algumas tendências na área da comunicação, como a consolidação de plataformas de streaming, podcasts, lives e conteúdos on demand. “Algumas destas já observamos há anos, mas momentos como este servem como gatilho para que mais pessoas passem a utilizá-las”. Este momento encorajou mais pessoas a testarem novas formas de realizar as suas atividades do cotidiano, como passar a utilizar bancos digitais e ter aulas online. O professor acredita também que a comunicação teve mudanças positivas, impulsionando a valorização da experiência do usuário em todos os processos de criação.
Na pandemia, o jornalismo teve o papel fundamental de informar a sociedade sobre questões de interesse público e orientações sanitárias, sendo um dos serviços essenciais neste período. “Observamos um alto nível de assinaturas digitais subindo, não só de grandes publicações, como também de produtos digitais de jornais do interior”, comenta Eduardo.
Para Augusto Alvim, o coordenador do Programa de Pós-graduação em Economia da Escola de Negócios, a pandemia reforçou os impactos negativos de anos anteriores, especialmente da crise de 2008, da crise migratória de 2014 na economia mundial e, mais recentemente, do Brexit (a saída do Reino Unido da União Europeia).
Com a escassez de produtos importados, os países incentivaram a produção local e também impuseram mais barreiras comerciais. Esta foi uma forma reduzir a dependência de fornecedores internacionais e que também causou a reorganização das cadeias globais, com menos cooperação internacional em alguns casos. O cenário contribuiu positivamente para o crescimento da venda direta e online, com a maior familiaridade da população com novas tecnologias de informação, incentivando o consumo local.
Por outro lado, “este protecionismo comercial afeta negativamente o crescimento econômico e o fluxo comercial. Cada vez mais é importante promover ações colaborativas para a retomada da atividade econômica e o aumento do comércio”, afirma. Sobre quanto tempo levaremos para uma recuperação pós-pandemia na área econômica, o professor afirma que ainda é cedo para fazer qualquer previsão.
“Esse é um cenário inédito na economia mundial que ainda está em andamento e de difícil previsão das consequências em termos de impactos sobre a sociedade. Por certo, temos que a pandemia contribuiu para aumentar os efeitos negativos sobre as classes mais pobres e uma maior desigualdade de renda entre países”, completa.
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