Contribuir para discussão e aprimoramento de políticas públicas e da atuação no campo social exige conhecer a realidade das pessoas e suas experiências. Esse é o objetivo da revista acadêmica alemã Soziale Passagen, voltada para temas relevantes emergentes na área do Serviço Social. Coorganizada por Emil Sobottka, professor e pesquisador da Escola de Humanidades da PUCRS, a edição mais recente discute temas referentes à crescente tensão social a nível global, respeito à diversidade, sustentabilidade e meio ambiente no Brasil e na Alemanha, entre outros.
Sobottka conta que, apesar dos diferentes contextos de cada País, Brasil e Alemanha têm um grande desafio de conciliar a diversidade interna com a necessidade de encontrar aquilo que dá unidade e coesão à sociedade. Ou seja, pensar no bem comum levando em consideração as particularidades sociais. E dessa parceria, também surgiram aprendizados: “Entre os pontos que a equipe editorial destacou para a publicação estão as experiências positivas do Brasil com escolas rurais e em áreas indígenas”, comenta. Benjamin Bunk, ex–pós-doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais PUCRS, também participou da elaboração da publicação.
Para o professor, o Brasil vive um momento de choque cultural, polarização política e conflitos causados pelo grande contraste econômico. Enquanto na Alemanha, ainda que a desigualdade social também esteja crescendo, “a unidade da sociedade está muito mais ameaçada pelo nacionalismo radicalizado, que por vezes se expressa até como neonazismo”, como reflexo da intensificação dos movimentos conservadores.
“Outro fio condutor da discussão foi sobre as lógicas culturais e políticas de coesão social, a relação tensa entre diferença (afirmação de identidades) e desigualdade, com o objetivo de impulsionar um diálogo internacional sobre questões sociais ardentemente discutidas lá e aqui”, explica Bunk sobre a publicação.
Na Alemanha, apesar do disseminado e profundo senso de solidariedade, por vezes, essa tensão se soma às questões sobre imigrantes e refugiados. Por não ter conseguido acolher adequadamente esses grupos que chegaram para trabalhar no País nas décadas de 1960-70, hoje existem, territorialmente, pequenas sociedades à parte em muitas cidades.
“Parte da população alemã vê esses novos conterrâneos como uma ameaça. E o medo é um péssimo conselheiro: leva a irracionalidades, hostilidades e até à xenofobia, que ameaçam a coesão social – não por quem vem em busca de socorro, mas pela reação de quem se sente equivocadamente ameaçado no seu conforto”, EMIL SOBOTTKA.
Já no Brasil, segundo Sobottka, é necessário o surgimento de uma sociedade mais humana, atenta às vidas das pessoas, com sensibilidade para perceber a conexão que meio ambiente, educação e os problemas sociais têm entre si, impactando também em áreas como a economia.
Ambos os países lidam com fantasmas do passado: “No Brasil temos a pesada herança colonial e escravocrata que dificulta na promoção da igualdade, tanto no cotidiano como perante a lei. Mas temos uma leveza no modo de viver, a qual desperta a curiosidade e até inveja em muitos”. Por sua vez, os alemães carregam consigo a marca de seu militarismo histórico, que culminou no regime nazista: “Esse ‘fantasma’ fomenta a solidariedade e a coesão interna, ao mesmo tempo em que se teme o seu retorno”, explica.
Parafraseando o sociólogo Jürgen Habermas, o professor afirma que “não podemos deixar a racionalidade da economia colonizar nossas vidas”, a economia deveria ser apenas um auxílio na busca da melhor forma de gerar e alocar o que é necessário para que todas as pessoas possam viver bem.
“Valeu muito a pena organizar este diálogo entre mundos diferentes. Está se tornando raro – dentro de um processo de renacionalização mundial dinamizado pela pandemia – abrir espaços tão ricos para articular e escutar outras vozes. Minha estadia no Brasil foi gratificante como pesquisador e como pessoa”, relembra Bunk.
“Com os seculares problemas ambientais, como grilagem de terra e formação de latifúndios territoriais, o Brasil desperta a atenção de pesquisadores e pesquisadoras de muitos outros países. A pauta é uma preocupação em quase todo mundo, como os problemas relacionados ao aquecimento global, desequilíbrios ecológicos e ameaças à sobrevivência no nosso planeta”, destaca o professor.
O Brasil tem uma contribuição única na esfera acadêmica: grande parte do conhecimento científico é divulgado em revistas de acesso aberto, democratizando a informação. A quem sonha em seguir carreira na área, Emil Sobottka deixa um recado: “Ser pesquisador é nadar contra a correnteza. E, ao mesmo tempo, é contribuir para que mais pessoas conheçam melhor a sociedade em que vivem e possam, por meio do conhecimento, escolher como querem viver individualmente e em sociedade”.
“Ser pesquisador na área de Humanidades é ajudar a construir novos sonhos e encontrar caminhos para realizá-los com mais autenticidade e em conjunto com outros, solidariamente”, EMIL SOBOTTKA.
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