Ao longo da infância, pais costumam lembrar seus filhos constantemente de escovar os dentes, passar fio dental e ir ao dentista. Normalmente, esses bons hábitos são recomendados para evitar cáries, gengivites e outras complicações dentárias. Porém, o que tem sido evidenciado por pesquisadores no mundo inteiro é que a manutenção da boa saúde bucal está associada à redução do risco de diversas doenças crônicas não transmissíveis, como aterosclerose, doenças cardiovasculares, diabetes e até mesmo mortalidade.
Doenças crônicas não transmissíveis são aquelas que se desenvolvem ao longo da vida, muitas vezes de forma lenta, silenciosa e sem apresentar sintomas. Segundo números da Organização Mundial de Saúde (OMS), estas são responsáveis por 63% das mortes no mundo e são a causa de 74% dos óbitos no Brasil. No Programa de Pós-Graduação em Odontologia da PUCRS, pesquisadores buscam entender de que forma as infecções e doenças de origem bucal se associam com o agravamento de outras doenças no organismo humano.
Um estudo de meta-análise realizado em parceria entre a PUCRS e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) evidenciou que cerca de 50% das pessoas adultas no mundo tem pelo menos um dente com lesão endodôntica ao longo da vida, destacando esta doença como uma das mais comuns da humanidade. Conforme explica o coordenador e professor do PPG em Odontologia, Maximiliano Schunke Gomes, estes dados revelam que as doenças bucais são mais prevalentes que muitas outras mais conhecidas como câncer, diabetes e doenças cardiovasculares.
“Precisamos cada vez mais debater sobre saúde bucal, com mais ações de conscientização e políticas públicas para que a sociedade entenda que as patologias bucais vão além da presença de cáries ou de questões meramente estéticas, mas possuem relação importante com a saúde do organismo como um todo”, destaca o pesquisador.
Análises realizadas por pesquisas da PUCRS revelam que as cáries e as infecções endodônticas, gengivais e periodontais têm influência não apenas a nível dentário, bucal ou gengival, mas também impactam a circulação sanguínea do indivíduo. De acordo com Gomes, isso acontece porque as bactérias de origem bucal podem transitar pela corrente sanguínea, além das repercussões imunológicas oriundas da presença de infecções e inflamações bucais, que modificam mediadores das vias inflamatórias de todo o organismo.
Há alguns anos atrás, um estudo publicado pela equipe do Professor Maximiliano Gomes em parceria com a University of Maryland (EUA) apresentou análises longitudinais com até 40 anos de acompanhamento em um grupo de pacientes norte-americanos, com o objetivo de entender o impacto da presença de infecções endodônticas a longo prazo.
A pesquisa evidenciou que os pacientes que apresentavam maior carga de doenças endodônticas no início do estudo apresentaram um risco 77% maior de desenvolver complicações cardiovasculares (angina, infarto agudo do miocárdio ou até morte por razões cardiovasculares) a longo prazo, independentemente de idade, sexo, ou mesmo da presença de comorbidades como obesidade, dislipidemia, diabetes, entre outros fatores.
Em outros estudos conduzidos na PUCRS, foram analisados pacientes do Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas, acometidos por Acidente Vascular Encefálico Isquêmico (AVC). A doença acontece quando há uma alteração súbita do fluxo sanguíneo cerebral, ocorrendo comprometimento de circulação de sangue na região do encéfalo, podendo causar desde efeitos reversíveis até sequelas irreversíveis como alterações na fala e nos movimentos e até morte.
Em sua tese de doutorado realizada no PPG em Odontologia da PUCRS, a professora Thayana Leão analisou mais de 400 pacientes acometidos por AVCs, buscando compreender a associação entre a presença de doenças bucais e as sequelas causadas pelo acidente. Três estudos recentes oriundos de sua tese foram publicados em periódicos científicos internacionais, evidenciando que os indivíduos que tinham menos dentes naturais e piores condições de saúde bucal apresentaram risco significativamente aumentado de ter AVC e de apresentar pior desfecho na recuperação.
“Frente aos resultados das pesquisas que vem sendo realizadas na PUCRS, em conjunto com outras evidências de outros estudos realizados em centros de pesquisa no mundo, podemos relacionar a presença de problemas bucais com maio risco de ocorrência de doenças cardiovasculares, independentemente dos fatores de risco já conhecidos como obesidade, tabagismo e outros. Um aspecto inédito que os resultados de nossos estudos sugerem é que pacientes com AVC e que possuem maior carga de complicações bucais, estão associados a sequelas mais severas do acidente vascular, incluindo risco de óbito”, ressalta Gomes.
Outra relação estudada pelo pesquisador e seu grupo de pesquisa é a possível associação entre saúde bucal e aptidão física. Estudos que estão atualmente em andamento no PPG em Odontologia da PUCRS vêm analisando se existe alguma relação entre a presença de lesões bucais e o condicionamento físico. Resultados preliminares de estudos em modelos animais conduzidos no Cembe sugerem que ratos com lesões bucais não se condicionam fisicamente da mesma forma que os animais sem lesões, mesmo treinando pelo mesmo período de tempo. Desta forma, como explica o professor Maximiliano Gomes, outros estudos estão em andamento a fim de investigar a hipótese de que as lesões bucais reduzem ou mesmo anulam os efeitos benéficos do condicionamento físico aeróbio e também do treino anaeróbio.
Dois estudos anteriores do grupo de pesquisa, que analisaram um grupo de policiais militares, demonstraram estatisticamente que aqueles indivíduos que tinham mais carga de doenças bucais não atingiam níveis tão altos no teste de aptidão física (TAF), mesmo que treinassem regularmente, independentemente de outros fatores como idade ou índice de massa corporal.
“São resultados iniciais que apontam para afirmar que estas lesões silenciosas bucais possivelmente afetam o condicionamento físico. Não por acaso, atualmente cirurgiões-dentistas atuam em delegações esportivas de alto nível, justamente para prevenir essas infecções e inflamações de origem bucal”, finaliza Gomes.
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