Há muito tempo que a moda vai além de apenas se vestir bem ou acompanhar o que é apresentado nas passarelas. Pode se dizer que a “moda agora é” ser consciente. Mas não basta repetir o discurso das novas ondas, é necessário ter coerência em toda a cadeia de produção. Isso é o que explicam especialistas do setor, que garantem: o novo perfil de consumidores e consumidoras se importa em saber de onde vem, para onde vai, do que é feito, por que é feito e quem tem acesso a cada item colocado no carrinho de compras.
“Todos nós consumimos roupas, sapatos, acessórios e fazemos escolhas que se conectam com a nossa identidade. Mas como tomamos essas decisões? Questionar e agir são formas potentes de transformação. Não só na moda, mas em diversos aspectos”, explica Emily Müller, embaixadora do movimento global Fashion Revolution.
Em abril deste ano, ela que é aluna do 8º semestre do curso de Publicidade e Propaganda da Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos organizou uma programação especial em parceria com o projeto e reuniu profissionais de diferentes áreas da moda para falar sobre a chamada revolução fashion. Confira cinco tendências apontadas durante os encontros:
Tatuagens, estilos, cores. Tudo o que é carregado no corpo representa narrativas que fazem parte do conceito de moda: que são os modos e a maneira de se colocar no mundo. Uma das tendências do setor é que nada é fixo ou uma coisa só. Segundo Paula Puhl, professora da Famecos:
“Hoje vivemos com identidades muito mais fluídas. Não é como há muitos anos, que a pessoa nascia com um nome, sobrenome e seguia a atividade da família. Hoje somos múltiplos, assim como os contextos, e nos colocamos de maneiras diferentes no mundo. A moda é vista como uma mediadora, de acordo com a forma que a usamos e consumimos”.
Ela ainda diz que a moda está na sociedade, e cada pessoa acrescenta a sua própria forma de comunicar por meio dessa maneira de se expressar.
A indústria da moda é uma das que mais poluem. Segundo a Global Fashion Agenda, esse setor consome 1,5 trilhão de litros de água por ano. Uma das formas de tentar frear esse gasto é repensando a lógica fast fashion, que é o consumo rápido das roupas, como se fossem produtos descartáveis, e priorizando o slow fashion, que é o hábito de comprar só o necessário, em uma perspectiva mais minimalista e consciente.
Nos últimos 15 anos a produção de roupas dobrou, de acordo com dados da Fundação Ellen McArthur. Dos resíduos têxteis, 73% são queimados ou enterrados em aterros sanitários. Apenas 12% são destinados para a reciclagem e menos de 1% retorna para a cadeia de produção e vira peças novas.
O movimento impulsionado pelo Fashion Revolution Quem faz as minhas roupas? levanta um debate não tão novo, mas que permanece atual. Há alguns anos, por exemplo, equipes de fiscalização trabalhista flagraram em três momentos diferentes em São Paulo pessoas estrangeiras submetidas a condições análogas à escravidão produzindo peças de roupa para uma mesma conhecida marca internacional.
Segundo o projeto, o objetivo da campanha, que utiliza majoritariamente as mídias sociais para se promover, é “dar voz às vidas que se entrelaçam nas nossas através das roupas. De ser espelho para as mãos que costuram essas roupas. Porque a roupa, sozinha, é pouco”.
Dessa forma, busca dar visibilidade para o tema e para a luta da categoria por direitos civis, trabalhistas e humanos, como salários e rotinas de trabalho mais justas.
Imagine abrir uma revista ou ligar a televisão e não enxergar ninguém parecido com você. Essa hipótese pode até causar estranhamento para algumas pessoas, mas para outras essa foi e ainda é a realidade. Com as cobranças por mais diversidade e representatividade nas passarelas e nos bastidores, as marcas têm tentado se reinventar em algum nível.
De acordo com o site The Fashion Spot, que analisa o tema a cada estação, 83% das modelos da semana de moda de primavera de 2015 eram brancas, caindo para 60% em 2020, indicando um pequeno avanço. Já as modelos plus-size passaram de 50 contratadas no outono de 2019 para 86 na primavera de 2020.
Um dos fatores que influencia esse movimento é o surgimento de novas marcas já alinhadas a essas reivindicações, com elencos mais contemplativos no quesito pluralidade de corpos e formas de expressão. O tema também foi discutido em diferentes painéis, como no da jornalista e pesquisadora Carol Anchieta, que investiga sobre moda, design, sustentabilidade e Afrofuturismo.
E se o futuro estiver no passado? Para André Carvalhal, consultor tendências de comportamento que participou do encerramento da programação do Fashion Revolution, a ancestralidade deve estar ainda mais presente na moda.
Para ele, o futuro está em voltar a olhar para coisas básicas: “Acredito no pensamento de que o futuro da moda seja um resgate à essa ancestralidade, serviço que a moda já proporcionou alguma vez, com formas mais respeitosas com a natureza e com as pessoas. São pensamentos e atitudes de povos originários, que chegaram muito antes da gente, os quais deveríamos estar olhando com muito mais atenção“.
André finaliza que “deveríamos nos preocupar menos com como serão os carros do futuro, as indústrias e as empresas. E mais para aquilo que nos conecta com a nossa natureza e com a natureza, pois fazemos parte dela, e como disseminar isso em grande escala”.
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O fazer artístico perpassa a escuta, a vivência, a intencionalidade de tornar real. Fazer arte no Brasil, na maioria das vezes, é um desafio vencido por poucas pessoas. Entre elas, estão a escritora Conceição Evaristo e o ator Lázaro Ramos, duas figuras que carregam o peso da representatividade, da reinvindicação pela vida e dos sonhos de toda uma nação, que tem cor, sobrenome e estatística.
No terceiro encontro da Série Ato Criativo, do Instituto de Cultura da PUCRS, ambos participaram de uma conversa mediada pelo jornalista Daniel Quadros, ativista do movimento negro e LGBTQIA+, e por Ricardo Barberena, diretor do Instituto de Cultura e professor da Escola de Humanidades da PUCRS. O evento transmitido pelo YouTube e pelo Facebook teve mais de 700 telespectadores simultâneos ao vivo e quase quatro mil participantes no total.
“É preciso comprometer a vida com a escrita.” CONCEIÇÃO EVARISTO.
Quando a escrita está profundamente relacionada com a vida, nasce a Escrevivência. Ela é dinâmica, por vezes solitária, e acontece a partir da observação e da vivência. Não se cria do nada. “Crio porque escutei uma palavra, de algum contexto, porque eu vi um fato, porque as pessoas me contaram alguma coisa, ou porque estou sentido algo”, explica Conceição.
Desde 1995, na época da sua dissertação de mestrado, a palavra Escrevivência tem sido presente nas falas da escritora. O termo é uma referência à experiência de vida da autora e do seu povo, a qual somente o local de fala compreende. “É o desespero de captar uma cena e transformar em palavras, é o meu comprometimento com ela”.
Em diferentes momentos artistas interpretam e encarnam personagens que flertam com situações reais do cotidiano de muitas pessoas. Essa relação entre a vida e a arte é tênue e, para Lázaro Ramos, se mistura. “Eu só vivo porque faço a arte. O que dá sentido à minha vida é a arte. Ela foi responsável por me dar coragem de existir e falar o que eu penso. Foi o que deu sentido de perspectiva para a minha vida. Em um determinado momento eu não sabia que eu podia sonhar, fazer planos, desejar e mais: expressar os meus desejos”, recorda o ator.
Lázaro conta que sempre tenta trazer o racional para dentro de seus trabalhos e, que por ser algo que o mobiliza tanto, às vezes se confunde com a vida real. “Já passei por momentos em que eu interpretava um personagem, chegava em casa e me relacionava da maneira dele e isso não foi bom”.
Uma afirmativa com duas ou mais intenções. Por um lado, Conceição Evaristo foi criada rodeada por muitas palavras, de uma família muito falante, que contava histórias ao mesmo tempo em que sua mãe fazia bonecas caseiras. “O meu texto é muito marcado por essa oralidade”, afirma. Esse cuidado de buscar na expressão popular a essência do que se quer trazer para o texto é um aspecto dessa vivência.
Por outro lado, a expressão também é uma crítica social. Enquanto diversos escritores e escritoras podem afirmar com muito orgulho que aos 12 anos leram Machado de Assis, esse é um privilégio distante da realidade de grande parte da população brasileira. “O destino da Literatura me persegue, a partir desses locais subalternizados, como uma forma de quebrar esse imaginário da escritora que tem que nascer com o livro colado”.
Além disso, ela ressalta que não é necessário muito esforço para entender uma linguagem universal: a do corpo que fala. Através das expressões, um simples resmungo, a mensagem está dada.
De geração em geração, a arte, assim como outros conhecimentos, evolui e acompanha os contextos de seus momentos. O diálogo entre essas diferentes realidades também gera novas soluções.
“Eu me sinto grata à vida. Porque chega aos 73 anos e ter essa oportunidade de dialogar, de saber se sou aceita e recebida com tanto carinho pelos mais jovens, me certifica de que a minha vida valeu e vale a pena. Vocês me certificam de que eu estou seguindo o caminho certo.” CONCEIÇÃO EVARISTO.
Conceição comenta sobre um princípio das culturas africanas com as pessoas de mais idade, de aprender com a experiência e com aconselhamento. Mas também do princípio regendo as sociedades tradicionais africanas, o princípio do tempo espiralado. A mesma referência que se tem com o mais velho, o mais velho tem com o mais novo. Porque, segundo a autora, o mais novo potencializa o mais velho.
Lázaro Ramos ressalta que as suas escolhas não são as mesmas de qualquer outro ator. “Às vezes eu estou tão cansado que eu só queria fazer um personagem cômico, dar risada e me divertir com a plateia. Isso não é uma coisa que acontece constantemente. Porque eu tenho noção de que eu sou uma exceção. Um ator ter as oportunidades que eu tive, com personagens tão variados, de ser respeitado, de ter investimento em mim, não é o que acontece com a maioria dos atores negros no meu País”.
O ator conta que a sua história também foi narrada pelo ativismo que, mesmo não sendo uma posição tranquila, é um local de responsabilidade. “Durante muitos anos a gente falou do ativismo, sem falar nas nossas sensações mais particulares, mais imediatas e mais privadas. A carreira de um artista no nosso País não é estável, não há sucesso e nem fracasso para sempre. Não sei o que acontecerá daqui alguns anos, mas eu tenho certeza de que essa semente que foi plantada lá atrás, na Bahia, no Bando de Teatro Olodum, vai me acompanhar para sempre e será um norte para as minhas primeiras escolhas”, destaca.
Ana Maria Gonçalves, escritora mineira, foi mencionada pela sua fala sobre a importância de ocupar espaços. Lázaro relembrou de um comentário da amiga: “Ana me falou que ela não queria mais saber de representatividade. Ela queria presença!”.
Ser uma referência solitária, uma exceção, é um problema. Existem muitas pessoas talentosas que não têm o seu talento visto e reconhecido, por falta de oportunidades, destaca o ator. “Não quero me sentar nesse lugar de referência e achar que está tudo resolvido. Fora todos os discursos e ódio, da vontade de silenciar, esse processo só vai ser construído quando a gente conseguir dialogar”, acrescenta.
Para Conceição, essa é uma questão que precisa ser trabalhada todos os dias. “O meu primeiro lugar de recepção foi o movimento negro. Então eu acho importante a gente ter cuidado com esse lugar de exceção, dessa representatividade. Se não, a gente fica representando a gente mesmo. É a representação do eu sozinho”.
A hashtag #ConceicaoEvaristoNaABL tomou conta das redes em 2018 quando a escritora decidiu concorrer pela sétima cadeira da Academia Brasileira de Letras, podendo se tornar a primeira mulher negra a ocupar o posto. Mais de 40 mil assinaturas foram coletadas em pouco tempo. O Lázaro, inclusive, também se manifestou nas redes sociais em forma de apoio à campanha.
Conceição afirma que, apesar do resultado, a sua candidatura foi um marco na história da ABL que não será esquecido. A ação ascendeu o debate sobre os espaços que ainda podem e devem ser ocupados por pessoas que refletem a realidade do Brasil e do mundo.
Assista a live completa do terceiro encontro da série Ato Criativo, com a escritora Conceição Evaristo e o ator Lázaro Ramos.