Com o objetivo de acolher as pessoas que convivem diariamente com o HIV e ampliar a conscientização sobre o tema, é celebrado, nesta quinta-feira, o Dia Mundial de Combate à AIDS. De acordo com Diego Falci, coordenador médico do Serviço de Controle de Infecção do Hospital São Lucas da PUCRS, é fundamental que a população fique atenta ao avanço da doença no Brasil, conforme os dados divulgados no Boletim Epidemiológico sobre HIV/AIDS de 2022, levantamento realizado pelo Ministério da Saúde.
Um dado da pesquisa destacado pelo infectologista e professor da Escola de Medicina aponta que Porto Alegre é a capital brasileira com o maior coeficiente de mortalidade, apresentando cinco vezes mais mortes por complicações da AIDS/HIV que o restante do País (em movimento de declínio). Além disso, a infecção por HIV, especialmente em gestantes, parturientes e puérperas, expõe uma taxa quase seis vezes maior do que a taxa nacional e duas vezes a do estado do Rio Grande do Sul. Assim, além de lembrar as mais de 40 milhões de vidas perdidas por doenças relacionadas à AIDS, de acordo com a UNAIDS, a data vem acompanhada deste balanço da AIDS, trazendo medidas de prevenção e tratamento a fim de acabar com a epidemia do HIV.
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Uma pessoa pode se expor de duas maneiras: ou um acidente ocupacional com material cortante, por exemplo, entrando em contato com o sangue de alguém que vive com o HIV, ou por exposição sexual (sexo sem o uso adequado de preservativo), além do sexo seguro ser incentivado em todas as campanhas como medida de prevenção, desde a instituição do Dia Mundial de Combate à AIDS, em 1988, a ciência evoluiu e traz novas formas de precaução. As mais atuais, segundo o médico, são as Profilaxias de Pré e de Pós-Exposição (PREP e PEP, respectivamente).
“Pessoas com maior risco e maior vulnerabilidade à infecção pelo HIV podem fazer uso de medicação utilizada preventivamente de forma a diminuir a chance da infecção pelo HIV. O uso correto da PREP e PEP pode diminuir em mais de 80% o risco de infecção por HIV. Essa é uma medida importante que está sendo disponibilizada pelo Ministério da Saúde, após o atendimento de outros serviços de saúde públicos e privados para implementar essa medida de prevenção”, explica o infectologista.
Atualmente, mulheres com HIV têm condições de engravidar e ter bebês com segurança, pois com os tratamentos existentes é possível reduzir a zero a transmissão vertical através do tratamento da mãe e também da profilaxia do bebê. “A gente pode oferecer medicamentos para o bebê por um período curto, a ponto que, mesmo que eventualmente ele apresente um exame positivo, ele possa negativar esse exame de forma prática e não contrair infecção pelo HIV. Isso é possível com a tecnologia que nós temos hoje disponível”, destaca.
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Observando que ainda existe um tabu a respeito do tema, resultando na confusão entre os termos, Diego Falci explica que o HIV é um vírus que se espalha através de fluídos corporais e afeta células específicas do sistema imunológico. Quando a pessoa desenvolve infecções oportunistas ou que eventualmente a imunidade dela tenha caído a níveis muito baixos, a gente caracteriza a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ou AIDS. Somente a partir dessa situação é possível dizer que a pessoa apresenta um quadro de AIDS – mas ela não deixa de ser uma pessoa vivendo com HIV, ela simplesmente apresentou aquele quadro compatível com AIDS.
Depois de dedicar sua vida acadêmica a compreender o papel das redes de apoio para pessoas soropositivas, o professor e pesquisador da Escola de Humanidades da PUCRS, Francisco Kern, reflete sobre como a pandemia por Covid-19 colocou a sociedade em estado de alerta sobre “o inimigo invisível” – enxergar o outro como ameaça, já que não se pode enxergar o vírus.
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“Eu fiz uma pesquisa com mulheres soropositivas da forma como elas aderem o tratamento antirretroviral, em 2018, no presídio estadual de Guaíba. Lembro que todas elas eram apenadas por tráfico de drogas e uma delas, com quase 70 anos, dizia assim para mim: ‘Professor, a AIDS me condena mais do que o tráfico de drogas.’ O que isso significa? O preconceito continua. Nós continuamos vivendo o processo de discriminação principalmente quando o outro se torna uma ameaça para mim. Se você tem qualquer outra doença que não seja transmissível, você não é uma ameaça para mim”.
O docente explica que as pessoas que vivem com HIV/AIDS experimentam a invisibilidade da condição humana, onde elas não são enxergadas, não aparecem e não podem aparecer. Francisco reflete que é necessário tirar o foco da doença enquanto discriminação social, no sentido de que é preciso pensar em políticas públicas que garantam o acesso a cuidados, tratamento, vacinação, prevenção, entre outros, mas também assimilar o aprendizado de que o cuidado consigo mesmo e o outro é uma responsabilidade coletiva.
“Do ponto de vista conceitual, de modificação, a gente diz que essa pessoa tem AIDS e não é algo relacionado à condição atual daquela pessoa, mas uma classificação. Mas sim, ela pode sair da infecção e ela pode melhorar o seu sistema imunológico, ela pode recuperar o seu status imunológico. E isso a gente faz através do tratamento, o tratamento suprime o vírus e o sistema imunológico da pessoa vai se recuperando a ponto de ela se distanciar daqueles níveis compatíveis com AIDS, ela consegue melhorar as contagens dos linfócitos a ponto de elas ficarem normais”, conclui o infectologista
Assista a entrevista com o infectologista do Hospital São Lucas da PUCRS, Dr. Diego Falci:
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Os tabus são definidos por convenções sociais e culturais. São formas de discriminação impostas com o objetivo de limitar a prática de determinados atos ou evitar abordar certos assuntos, por exemplo. O professor e pesquisador da Escola de Humanidades Francisco Arseli Kern define as atitudes preconceituosas como “inimigo invisível do humano”.
De acordo com Kern, o preconceito atua de forma invisível nas relações, pautando uma construção social que promove processos de exclusão, criminalização e violação de direitos sociais fundamentais. As pessoas afetadas por estas discriminações, sofrem os impactos potencializando medos e inseguranças.
O docente dedica sua trajetória acadêmica a pesquisar sobre a importância das redes de apoio para pessoas acometidas pela síndrome de imunodeficiência adquirida, conhecida como AIDS. A doença é causada pelo HIV, que ataca o sistema imunológico e deixa o organismo vulnerável a doenças.
Kern destaca que a infecção já foi vista como sentença de morte, porém, com os avanços da medicina, tornou-se possível ter uma vida plena e longa mesmo com a doença estando presente. Porém, mesmo com essa evolução da ciência, o assunto ainda é tratado como tabu.
“Hoje, as pessoas continuam vivendo, sob as mais diversas formas de opressão social com medo da denúncia. O pânico já não é mais direcionado a doença, o pânico está voltado para os relacionamentos sociais: e se o outro souber? A angústia de viver com a doença sem ainda poder se revelar ao outro, é talvez maior do que encarar a própria doença no plano físico”, explica Kern.
No estudo Mulheres soropositivas em privação de liberdade, realizado em 2018 em um dos maiores presídios femininos do Rio Grande do Sul, foram coletados diversos depoimentos de mulheres soropositivas em situação de privação de liberdade. Destas entrevistas, Kern destaca que uma das participantes relatou sua convivência com a doença e como ela é vista socialmente: “A AIDS me condena mais do que tráfico de drogas”, contou ela.
A discriminação caracteriza-se como inimigo do humano quando proporciona esta condenação da pessoa, excluindo-a da sociedade. Em sua pesquisa, Kern ressalta que no surgimento da AIDS, além do sofrimento físico, as pessoas sofriam com estigmas subjetivos impostos pela doença. “Eram expulsas de suas famílias no momento de descoberta e até mesmo afastados de vínculos trabalhistas. As pessoas passaram por intenso sofrimento causado pelo isolamento, solidão, privação de afeto, falta de pertencimento e entre tantas outras dores”, complementa.
Com as pesquisas relacionadas a sua tese de doutorado sobre o sentido das teias e das redes de apoio para pessoas soropositivas e doentes de AIDS, temas relacionados à subjetividade e identidades, Francisco Kern publicou recentemente o livro Reconstruir-se: nada está escrito!, lançado pela ediPUCRS em 2020. Na publicação, o docente propôs que é importante que a sociedade reconstrua novas redes de apoio para que as pessoas criem um futuro de cuidados necessários com a vida.
“Tornou-se cada vez mais importante a compreensão da necessidade de transformar significados e sentidos antigos que são conferidos às pessoas, às relações e à vida, para então existir uma sociedade com menos preconceitos e inimigos invisíveis”, destaca.