A arte está sempre presente nos mais diferentes aspectos da nossa vida, seja nos grafites nos muros da cidade, seja na música de fundo no supermercado ou até mesmo nos poemas escritos nas ruas. Muitas vezes, estamos tão habituados com a arte que ela passa despercebida. Da mesma maneira acontece com a respiração. É por isso que um projeto que vem acontecendo na Universidade recebeu o nome Ar de Arte. Ele busca lembrar que a arte é tão essencial quanto o ar para viver.
A iniciativa é de professores e estudantes das Escolas de Medicina, Humanidades e integra as ações do projeto do CNPq Leitura, arte e prazer em espaços do Hospital São Lucas da PUCRS, e além disso, conta com o apoio da equipe do Instituto de Cultura da Universidade. Até o momento, a ação que planeja focar nos momentos em que a arte entra na vida das pessoas atenuando situações que muitas vezes parecem fora de controle – como doenças que surgem de forma inesperada -, já beneficiou pacientes das áreas da Oncologia, da Psiquiatria e da Hemodiálise do HSL.
Além de promover o bem-estar, o entretenimento e uma recuperação mais tranquila, o projeto também valoriza a indústria cultural local, uma das áreas mais afetadas pela crise e pela instabilidade que se intensificaram na pandemia de Covid-19. O grupo de artistas que participa, com músicos de diferentes estilos, recebe um cachê para cada apresentação, que acontece semanalmente. Ou seja, todos interagem e se beneficiam. 15 tablets, pelos quais são transmitidas apresentações ao vivo por meio de videochamadas, também ficam à disposição para o acesso de playlists no YouTube com um vasto acervo que reúne vídeos de música, artes visuais, dança, curtas metragens e conversas.
“A gente pensa mais na vida. A música traz muitas lembranças”, conta Flávia de Oliveira, uma paciente. “Traz alegria e ameniza o sofrimento. É uma forma muito gostosa de passar o tempo”, complementa Rosana Hammarströn, outra paciente.
Isabela Bitencourt, aluna do curso de Medicina e participante do projeto, conta que teve uma das suas experiências de vida mais emocionantes. “Foi com uma paciente da UTI que eu acompanho. É um caso muito grave, ela usa máscara de oxigênio, está com hipoglicemia e mesmo com toda a fragilidade do quadro de saúde, em uma das lives, ela teve forças para conseguir cantar junto com a cantora e pedir músicas”, conta.
Ela complementa que a paciente também se emocionou bastante e “conseguiu se reconectar com quem ela era antes de tudo isso, antes da doença. Esse resgate da dignidade é fundamental para o processo de cura ou de tratamento”.
Entre os depoimentos, algumas das frases mais comuns são “assim me divirto um pouco, gosto de ver vocês”, “estou pronto para mais uma”, “hoje vou pedir música” e “legal, é rock do meu tempo”, conta Ivan Antonello, médico nefrologista no HSL, sobre as manifestações de pacientes que fazem uma ruptura no seu dia comum de diálise, presos às linhas de uma máquina:
“Surpresos, recebem fones de ouvido e são embalados pela imagem e o som de um músico movimentando-se na telinha do computador. Lembram momentos bons de quando a música e a saúde eram parceiras. Percebem que também podem ser protagonistas ao escolherem a canção. E nós, acadêmicos, enfermagem e médicos nos alegramos com a alegria deles”.
Essa aproximação com pacientes também é uma oportunidade para a formação de estudantes: “Eles aprendem a escutar com mais atenção e nós sabemos que a doença não é tudo que o paciente traz consigo quando interna. Eles carregam sofrimentos que são particulares, individuais e têm causas próprias”, reforça.
Levar a arte para que as pessoas possam respirar e ter um pouco mais de paz em um momento tão difícil. Esse é um dos objetivos do projeto, afirma Ricardo Barberena, diretor do Instituto de Cultura da PUCRS. “Ele nasce da convicção de que a arte é, acima de tudo, uma forma de resistência e reexistência. A cultura é uma forma de nos humanizar, mas também de fortalecer em muitos momentos”, destaca.
Já para Diego Lopes, um dos músicos da iniciativa, a sua participação é uma forma de devolver o bem que a música o faz. “Em cada época da minha vida eu tenho uma memória afetiva com grandes canções e isso faz parte da minha formação. Poder dividir essas memórias é uma satisfação pessoal muito grande”, reforça.
Saiba mais sobre o projeto e conheça a equipe.
Enquanto grande parte do mundo ainda mensurava os efeitos da pandemia do novo coronavírus, Rafael Lisboa Muller, de 45 anos, se deparava com o maior desafio de saúde da sua vida. No dia 29 e março, após argumentar com a esposa que precisava de ajuda médica por achar que “poderia morrer” de tanta dificuldade em respirar, ele ingressou apressado no Hospital São Lucas da PUCRS. O que o representante comercial não sabia ainda é que aquela seria a sua segunda casa pelos próximos meses.
Com baixa oxigenação no corpo devido ao diagnóstico de Covid-19, Muller logo precisou ser entubado na UTI. “Foi tudo muito rápido. Vim para o hospital, recebi o diagnóstico e avisei meu irmão para vir buscar o carro, pois não sabia quanto tempo ficaria”, relata. Não houve tempo para despedidas e a partir daquele momento, sua esposa Sheila, e as filhas Rafaela e Giovana, de 15 e 13 anos, respectivamente, tiveram que lidar com o acompanhamento a distância.
Foram 42 dias inconsciente, 50 na UTI e a constante sensação de medo e insegurança. “Meu maior choque foi acordar e perceber que não conseguia me mexer. Ali eu entendi que precisaria de ajuda por um tempo. Não era mais autossuficiente”, pondera. O carinho familiar imprescindível veio algum tempo depois, em forma de esperança. “Passei 63 dias sem ver as minhas filhas e naqueles breves 20 minutos que tivemos para nos encontrar no Hospital, passamos praticamente o tempo todo chorando”, recorda.
É a partir dessas lembranças que o empresário se reconecta com o dia a dia do hospital, onde viveu uma rotina jamais esperada. Até a sua alta oficial, no dia 16 de junho, o processo de recuperação era acompanhado de perto por Fabiano Ramos, chefe do Serviço de Infectologia do HSL, e toda a equipe de atendimento. Com gratidão, Muller lembra de todos que de alguma forma tentavam animar seus dias, cuidando, trazendo as notícias que vinham de fora e ajudando com algumas vontades simples, como o banho fora da cama. “É difícil citar todo mundo que foi especial nesse período, mas destaco o Jason e o Henrique, da Enfermagem, como duas figuras muito importantes no dia a dia”, comenta.
Durante a batalha contra a Covid-19, o porto-alegrense precisou lidar ainda com quatro bactérias que estenderam a sua internação. Ainda viu o irmão André ficar na mesma jornada contra a doença, mas a recuperação finalmente chegou, trazendo desafios e responsabilidades para a retomada da vida normal. “Pela inatividade do corpo, precisei de fisioterapia para voltar a andar, o que só foi possível uma semana depois da alta”, relembra. O estilo de vida ativo permanece no horizonte. Muller só retornou ao trabalho no dia 18 de julho. Os oito quilômetros diários de corrida, ainda são um desejo distante.
Mesmo reconhecendo as limitações temporárias, ele sabe que o pior já passou, deixando importantes lições que o fazem enxergar a vida de outra maneira. “O que eu posso dizer é que não tenho mais problemas. Depois que você passa por uma experiência dessas, não tem mais pressa. Ser feliz e passar o máximo de tempo com a família é a minha prioridade”, celebra. Essa é a mensagem que pretende levar adiante, principalmente para aqueles que se encontrarem na mesma situação. “Você tem uma montanha pela frente, então faça a escalada devagar. Na volta, respeite o tempo e esteja aberto a contar com a ajuda dos outros”, conclui.
Veja o momento que o paciente recebe alta no HSL: