Quando o coronavírus chegou ao Brasil, por ter causado epidemias em outros países anteriormente, já se sabia algumas informações sobre ele. Uma delas diz respeito aos grupos de risco, ou seja, às pessoas mais vulneráveis a manifestar o vírus de uma forma mais grave. Idosos e portadores de doenças crônicas, como as cardiovasculares e respiratórias, diabete melito, cânceres e obesos fazem parte desse grupo.
Estudos na área da saúde que entendam como a doença age nessas pessoas tornam-se muito importantes no combate à pandemia de Covid-19. E, no Programa de Pós Graduação em Medicina e Ciências da Saúde, da Escola de Medicina da PUCRS, algumas pesquisas já buscam contribuir para este cenário. Uma delas é desenvolvida por um grupo multidisciplinar de pesquisadores da Universidade, entre eles o professor Douglas Sato, que também é diretor do Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG) e superintendente de Ensino, Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer).
O estudo teve início logo após a confirmação dos primeiros casos de coronavírus no Brasil. “Os idosos apresentam risco mais elevado de quadros de maior gravidade (especialmente os longevos, com 80 anos ou mais), o que nos motivou a investigar o que explicaria essa frequência bem mais alta de casos críticos e óbitos”, conta Sato.
O professor explica que estão sendo desenvolvidos projetos com idosos para avaliar a situação social, grau de dependência, fragilidade, parâmetros nutricionais, aspectos emocionais e o manejo de outras doenças crônicas durante a pandemia e os impactos da restrição social. “A partir disso, queremos identificar quais destes indivíduos apresentam maior suscetibilidade para desenvolver infecções graves através de diversos biomarcadores celulares e moleculares”, destaca Sato.
Segundo pesquisa divulgada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV Social), o Rio Grande do Sul é o Estado brasileiro com maior proporção de pessoas acima dos 60 anos. Baseada em números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a FGV estima que 18,77% da população gaúcha é idosa. Por isso, entender o impacto que a Covid-19 tem nesse grupo é relevante.
Sato ainda lembra que dados de 2018 do Ministério da Saúde apontam que 39,5% dos idosos possui alguma doença crônica e quase 30% sofre de duas ou mais comorbidades, mostrando um grande número de indivíduos suscetíveis para desenvolver a forma grave da doença causada pelo novo coronavírus.
Essa hipótese se fortalece a partir dos números observados na China, onde a mortalidade geral dos pacientes infectados pela Covid-19, até o momento, foi de 0,32% para indivíduos com menos de 60 anos, 6,4% para aqueles entre 60 e 80, saltando para 13,4% entre os acima de 80 anos. “Além disso, a necessidade de internação hospitalar foi menor que 1% na faixa pediátrica, aumentando progressivamente de acordo com a faixa etária, até atingir 18,4% nos indivíduos acima de 80 anos”, diz o professor.
Segundo a doutoranda do PPG Cristina Rabelo, reumatologista do corpo clínico e membro do serviço de Reumatologia do Hospital São Lucas da PUCRS (HSL), o projeto visa identificar pacientes com Covid-19. “A partir disso, podemos observar as repercussões imunológicas da infecção através de análise de marcadores imunológicos no sangue e da análise do quadro clínico nos pacientes com doenças autoimunes”, afirma.
Para Sato, essas pesquisas, desenvolvidas a partir do conhecimento e utilizando equipamentos de ponta da Universidade, poderão auxiliar na definição de políticas públicas de saúde mais precisas e seguras. “Poderemos identificar os idosos com maior risco de complicações e outros com menor risco. Os resultados permitirão individualizar os cuidados para cada pessoa, tais como modelo de distanciamento social e a intervenção em fatores que podem melhorar a imunidade e a resposta ao Covid-19. Assim, poderemos tentar reduzir a internação hospitalar e a gravidade da doença nesse grupo”, conclui.
Outro grupo considerado de risco para a Covid-19, dentro da categoria de pessoas com doenças crônicas, é o dos pacientes com diabetes. Como ainda não há dados sobre o impacto que eventos da magnitude da pandemia que estamos vivendo no controle glicêmico e em aspectos emocionais em pacientes com diabetes, a professora Gabriela Teló decidiu iniciar um estudo sobre o assunto. O objetivo é avaliar os resultados de uma intervenção de saúde tele-guiada tanto no bem-estar emocional quanto na adesão medicamentosa em adultos portadores da doença durante o período de distanciamento social.
Segundo Gabriela, estudos prévios mostram que intervenções que proporcionam escuta qualificada e suporte psicossocial melhoram significativamente o nível de saúde mental e o controle glicêmico em pacientes com diabetes. “Levando isso em conta, nossa pesquisa permitirá avaliar o impacto de medidas assistenciais envolvendo educação e apoio à distância, evitando o risco de exposição relacionada à necessidade de busca por atendimento”, explica.
A professora conta que o estudo também teve início logo após a confirmação do primeiro caso de Covid-19 no Brasil, a partir do Grupo de Pesquisa em Endocrinologia e Diabetes. Ela ressalta que, em qualquer situação de desastre biológico, temas como medo, incerteza e estigmatização são comuns e podem atuar como barreiras às intervenções médicas e de saúde mental: “Esses desafios, quando enfrentados por aqueles que vivem com uma doença crônica, como o diabetes melito, podem influenciar negativamente o bem-estar mental e a adesão ao tratamento, comprometendo o controle da doença”.
O projeto é desenvolvido a partir de um ensaio clínico randomizado, acompanhando pacientes com diabetes tipo 1 e tipo 2 em dois hospitais de Porto Alegre. A equipe é composta por 12 pesquisadores de diferentes áreas da saúde, o que estimula a interação entre alunos da graduação e da pós-graduação, médicos residentes e professores de diferentes universidades.
Uma das integrantes é Débora Franco, formada em Educação Física, estudante do último semestre de Medicina da PUCRS e mestranda no PPG em Medicina e Ciências da Saúde. “A pandemia que estamos vivendo gera muitas dúvidas, e participar de estudos como este é uma forma de contribuir para a sociedade, seja esclarecendo dúvidas ou construindo novos conhecimentos que poderão ajudar na prática clínica”, aponta.
Débora conta que se envolveu no projeto desde o início, participando dos treinamentos, da elaboração de intervenções para aplicar aos participantes da pesquisa, do recrutamento e inclusão dos participantes e da coleta de dados, que é feita através de contato teleguiado semanalmente.
Gabriela explica que a intervenção tem previsão de três meses de duração ou mais, dependendo das orientações de distanciamento social. Apesar de ainda não haver resultados do impacto da estratégia proposta pelo estudo, as análises iniciais indicam alta prevalência de transtornos de saúde mental, como sintomas de ansiedade e depressão e distúrbios alimentares e do sono nos pacientes participantes. Segundo a professora, esses sintomas tendem a ser de duas a quatro vezes mais comuns em pessoas com diabetes em relação à população em geral.
Além disso, parece existir uma relação entre a saúde mental e o controle glicêmico. “Diabetes e transtornos de saúde mental compartilham uma interface mútua: o desafio de conviver e superar o diabetes pode resultar em sobrecarga emocional, assim como a presença de sintomas de depressão e ansiedade pode estar associada à menor adesão ao tratamento, levando a um pior controle glicêmico”, observa.
A professora ainda ressalta que essa associação pode ser exacerbada em um momento de estresse e que o sofrimento psicológico pode aumentar esses sintomas. Entretanto, lembra que a repercussão clínica sobre o controle glicêmico e psicológico do cenário atual nos pacientes com diabetes ainda é hipotética. “A intervenção proposta permitirá disponibilizar ao paciente um ambiente de escuta regular e qualificada, onde possa compartilhar seus medos, ansiedades e frustrações relacionadas à atual pandemia”, pontua. A pesquisa também vai possibilitar que sejam oferecidas orientações regulares em relação à dieta e atividades físicas, por exemplo, que complementem o cuidado clínico do paciente com diabetes nesse período em que o acesso aos serviços de saúde é restrito.
Para a mestranda Débora, pesquisas relacionadas à Covid-19 e aos desafios apresentados pela pandemia são essenciais para se entender e enfrentar o que ainda é desconhecido. “Com projetos nessa área podemos elucidar desde questões relacionadas diretamente à doença até os impactos causados nos indivíduos e no mundo em situações de crise como essa”, defende.
Em relação ao que poderá ficar desses estudos para o futuro, Gabriela acredita que será possível encontrar respostas sobre a melhor forma de suporte a ser oferecido aos pacientes com diabetes durante situações de calamidade pública. “As evidências disponíveis até o momento são limitadas a estudos observacionais, e um estudo experimental como o nosso poderá ter impacto imensurável no planejamento da assistência à saúde em situações semelhantes no futuro”, conclui.
O Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde está com inscrições abertas para os cursos de mestrado e doutorado. Dentro das áreas de concentração Clínica Cirúrgica, Clínica Médica, Farmacologia Bioquímica e Molecular, Nefrologia e Neurociências, abrange diferentes linhas de pesquisa. Interessados em ingressar ainda neste ano podem se inscrever até o dia 19 de junho. Neste edital, a entrega da documentação será feita online.