Apesar do gênero binário ter sido considerado o “normal” e “aceitável” por muito tempo pelo imaginário social de parte da população, a pluralidade da identidade humana é muito mais ampla. Possibilitar acesso ao processo de afirmação de gênero pode ser considerado uma estratégia para reduzir sintomas de depressão e de ansiedade entre jovens trans e não-binários brasileiros. É o que mostra uma pesquisa inédita no País e uma das primeiras no mundo.
O estudo A afirmação de gênero está associada à melhoria da saúde mental de jovens não-binários e transgêneros foi desenvolvido por pesquisadores e pesquisadoras dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) em Psicologia e Ciências Sociais da PUCRS. “Embora muitos jovens trans se identifiquem como ‘homens’ e ‘mulheres’, o reconhecimento de identidades não-binárias é essencial para nos adequarmos às demandas do nosso tempo”, explica a pesquisadora idealizadora do projeto Anna Fontanari, que realiza o estágio de pós-doutorado na PUCRS.
“É bom permitir que jovens não binários transexuais e de gênero acessem os processos de afirmação de gênero”.
O objetivo principal foi avaliar o impacto de ter acesso às diferentes etapas do processo de afirmação de gênero na saúde mental de jovens trans e não-binários brasileiros. Entre elas, social, jurídica, médica e cirúrgica. Esse grupo não necessariamente busca recorrer à todas essas etapas, contam os/as pesquisadores/as. O envolvimento nesses processos ajudou a reduzir os sintomas de depressão e ansiedade dos/as jovens, a desenvolver um senso de orgulho e positividade sobre sua identidade de gênero, além de fazer essas populações se sentirem socialmente aceitas.
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Participaram da pesquisa 350 pessoas, de 16 a 24 anos: 149 (42,64%) se identificaram como meninos transgêneros, 85 (24,28%) como meninas transgêneros e 116 (33,14%) como jovens não binários de gênero.
“Embora a maioria das pessoas se identifique de uma forma binária, para outras essa não é uma opção e nem um desejo. O direito à identidade precisa ser reconhecido enquanto um direito humano, e demonstramos que esse reconhecimento tem repercussão positiva para a saúde mental de jovens”, explica Brandelli, coordenador do grupo de pesquisa sobre Preconceito, vulnerabilidade e processos psicossociais do PPG em Psicologia da PUCRS.
“Entre as situações de estigma e discriminação mais comuns, comentários discriminatórios, principalmente por membros da família, é o que mais afeta a população trans: ao menos 80,6% das pessoas relataram já ter passado por essa situação. Assédio verbal (74,2%), exclusão de atividades familiares (69,4%) e agressão física (56,5%) também aparecem como as situações de violência relacionadas à identidade de gênero que mais afetam essa população”, destaca o relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids(UNAIDS), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Mesmo com as conquistas da população trans no Brasil nos últimos anos, como direito ao nome social e representatividade na mídia e no esporte, o País segue os debates sobre políticas públicas e o combate à violência. Isso porque o Brasil tem o maior índice de assassinatos de pessoas trans no mundo, segundo pesquisa realizada pela ONG Transgender Europe, em 2018.
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O estudo iniciado por Anna Fontanari, publicado na LGBT Health, também contou com a participação de Felipe Vilanova, Maiko Abel Schneider, Itala Chinazzo, Bianca Machado Soll, Karine Schwarz e Maria Inês Rodrigues Lobato e Angelo Brandelli Costa.
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