Entender a evolução das espécies, respondendo a questões sobre como, onde, e quando surgiram. Esses são alguns dos mistérios desvendados pelos estudos genômicos da biodiversidade. A iniciativa Genoma e seus mistérios, localizada no prédio 12 da Universidade, faz referência aos grupos de estudos responsáveis pelas pesquisas sobre o sequenciamento completo de genomas de animais e plantas. O projeto é uma das nove iniciativas do ecossistema de inovação Campus Living Lab, em que Universidade, sociedade, governo e empresas trabalham juntos para elaborar soluções centradas no uso real da tecnologia no desenvolvimento sustentável.
Além destes estudos genômicos da biodiversidade, a PUCRS congrega vários grupos de pesquisa que atuam em diversas áreas da genética e biologia molecular, realizando estudos com base em dados de DNA para responder a perguntas em ciências forenses, microbiologia, parasitologia, neurociências, biotecnologia, epidemiologia, imunologia e biologia do desenvolvimento, entre outras.
O coordenador do Grupo de Pesquisa Genética, Evolução, Ecologia e Conservação de Carnívoros, Eduardo Eizirik, destaca que os genomas guardam informações de milhões de anos sobre a história das espécies, inclusive a humana. Ele também ressalta que a genômica da biodiversidade permite não só entender as relações evolutivas das espécies, mas também contribui para a preservação. “Por meio dos estudos, podemos responder questões sobre animais ameaçados de extinção, entendendo quanta variabilidade genética eles possuem, como ela está distribuída em diferentes locais e como mudou ao longo do tempo. Esses dados são utilizados para ajudar na preservação dessas espécies, direcionando esforços para populações mais ameaçadas e embasando decisões sobre como manter a sua viabilidade em longo prazo”, explica.
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Pioneirismo e descobertas
O grupo coordenado pelo professor Eduardo Eizirik foi o primeiro no Brasil a desenvolver um projeto com foco na caracterização genômica completa de um animal silvestre ameaçado. O Projeto Genoma da Onça-Pintada, liderado pela PUCRS, tem diversas parcerias internacionais. Em 2017, o primeiro estudo, reportando o genoma completo da espécie, foi publicado na revista Science Advances.
Além dos estudos sobre a onça, o professor relata que o grupo esteve envolvido em análises genômicas do puma e guepardo, e lidera projetos de sequenciamento genômico completo de pequenos felinos, lontras e raposas. “Sequenciamos o genoma de diferentes espécies de raposas da América do Sul e descobrimos uma hibridação recente entre duas delas no Brasil. Essa descoberta foi importante porque ela indica que a hibridação ocorreu por efeito do desmatamento provocado pela ação humana. Com a diminuição da floresta, as espécies (que ocorrem em ambientes abertos) se encontraram em São Paulo e começaram a hibridizar. É um problema potencialmente importante para a conservação destas espécies, mas oferece uma oportunidade científica de acompanhar de forma ímpar o processo de mistura entre elas em tempo real”, comenta Eizirik.
O coordenador do Grupo de Pesquisa Genômica evolutiva e da conservação, Sandro Bonatto, aponta que descobertas também estão surgindo de pesquisas com lobos e leões-marinhos. “Esse é um dos grupos de mamíferos marinhos em que há mais dúvidas científicas sobre como e onde surgiram. Mesmo com muitos trabalhos ninguém havia conseguido resolver. Mas, recentemente, nós sequenciamos o genoma completo de praticamente todas as espécies dessa família e conseguimos analisar as relações evolutivas. Respondemos dúvidas de quase um século”, conta Bonatto.
O professor ainda destaca que a mesma pesquisa possibilitou descobertas interessantes como a de uma nova espécie de lobos-marinhos no Peru. “Após o sequenciamento das espécies, encontramos o que pode ser o primeiro caso de hibridação de mamíferos marinhos, originado a partir do cruzamento entre lobos-marinhos de Galápagos e do Chile”, explica.
O estudo ainda está contribuindo para entender se a migração dos indivíduos da espécie de Galápagos. Bonatto ressalta que colônias de lobos vindos do conjunto de ilhas do Equador estão se formando no continente sul-americano. “As evidências apontam que esse fenômeno está ocorrendo nas últimas décadas e pode ter a ver com as mudanças climáticas. O aquecimento diminui a oferta de alimento para a espécie das ilhas, ampliando a mortalidade e favorecendo essa migração”.
Sobre o Campus Living Lab
As instalações, produtos, pesquisas e serviços atendem não só as demandas da Universidade, mas passam a compor um roteiro de inovação e empreendedorismo que beneficia toda a sociedade. As iniciativas já desenvolvidas são:
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Com a participação de especialistas de sete países, a PUCRS liderou o sequenciamento do genoma da onça-pintada, o maior felino das Américas, que está ameaçado de extinção. Hoje restrito a menos da metade da área original, ainda ocorre com certa abundância na Amazônia e no Pantanal, mas está criticamente ameaçado de desaparecer da Mata Atlântica. Os dados foram comparados aos genomas de outros quatro grandes felinos (tigre, leão, leopardo-das-neves e leopardo), todos do gênero Panthera. A análise dessa enorme gama de informações foi feita durante cinco anos, sob a coordenação do professor da Faculdade de Biociências da PUCRS Eduardo Eizirik, e resultou na publicação de artigo na revista Science Advances nesta quarta-feira, dia 19 de julho.
O primeiro genoma da onça-pintada foi obtido do macho Vagalume (foto), que vivia no Zoológico de Sorocaba (SP). Nascido na região do Pantanal em 1997 e pesando 94 quilos quando adulto, foi deixado no local quando filhote, após a morte da mãe. “Procurei um animal de cativeiro, para facilitar a coleta de amostras, mas que fosse originário da natureza”, comenta Eizirik.
Há 4,6 milhões de anos, os cinco grandes felinos tinham um ancestral comum, que era parecido com o atual leopardo. Ele deu origem às espécies atuais e também a outras já extintas, que a partir da Ásia se espalharam por quase todo o planeta. O estudo revela que houve diversos tipos de cruzamentos entre essas espécies ao longo de sua evolução, o que pode ter contribuído para a sua sobrevivência até o presente. “Esses animais não têm um número estável. Como predadores de topo, são suscetíveis a mudanças ambientais, como a diminuição das presas, declinando rapidamente e perdendo a variabilidade genética”, explica o professor.
Um dos casos detectados de hibridação (cruzamento entre diferentes espécies) ocorreu entre a onça-pintada e o leão, e provavelmente foi vantajoso para a primeira. Os pesquisadores descobriram que ela herdou dois genes envolvidos na formação do nervo óptico, que após a hibridação sofreram seleção natural positiva (ou seja, foram importantes para a adaptação da espécie).
O estudo também aponta outros genes com evidência de seleção natural que mostram adaptação das espécies às novas condições ambientais. Isso pode explicar por que a onça tem a mordida mais forte entre os grandes felinos, conseguindo predar jacarés e tartarugas, com seus cascos duros. Outro exemplo é o fato de o leopardo-das-neves suportar mais a falta de oxigênio. Ele vive nos Himalaias, a mais alta cadeia montanhosa do mundo, e no Tibete, na Ásia.
Tigre, leão e leopardo-das-neves já tinham o genoma sequenciado. O grupo de William Murphy, da Texas A&M University, contribuiu com o sequenciamento do leopardo, permitindo a análise feita para o artigo, que pela primeira vez inclui genomas de todas as espécies desse grupo. Então aluno de doutorado em Zoologia pela PUCRS Henrique Figueiró, orientado por Eizirik, trabalhou nos dados sobre o sequenciamento do maior felino das Américas.
“A partir das descobertas, nosso grupo e colaboradores no Brasil e em outros países estamos conduzindo estudos genômicos ainda mais detalhados das onças-pintadas, envolvendo múltiplos indivíduos de diferentes regiões, o que será importante para aprimorar as estratégias atuais para a conservação dessa espécie”, afirma o professor.