A noite de celebração dos dez anos do Delfos – Espaço de Documentação e Memória Cultural da PUCRS foi marcada pelo lançamento da obra O que resta das coisas (Zouk). A coletânea, organizada pelo coordenador-executivo, Ricardo Barberena, apresenta textos de 28 escritores convidados para escreverem sobre objetos do escritor Caio Fernando Abreu, morto em 1996, cujo acervo com mais de 9 mil documentos está preservado no Delfos.
“Esta é uma comemoração especial também pelos 70 anos do Caio e os 70 anos da Universidade”, lembrou Barberena no evento que reuniu 16 dos autores da obra e o público no 7º andar da Biblioteca Central, na noite da última terça-feira, para um sarau seguido de coquetel e sessão de autógrafos.
Casa do escritor
O coordenador frisou que a PUCRS vive um momento especial. “Estamos dando uma guinada fortíssima para transformar a Instituição em um polo cultural, além de científico e tecnológico, onde as diferentes artes convivem num espaço aprendente. E o Delfos é a casa do escritor”, disse.
A ideia do livro nasceu da possibilidade de que itens do acervo de Caio F. como boina, notebook, álbum de bebê, máquina de escrever, baralho de tarô, carteira estudantil, LP e fitas cassete, não ficassem apenas numa gaveta de memórias, mas pudessem viver outros mundos.
Gatilho poético
“Selecionei os objetos a partir do potencial de escrita em cima deles. Não são apenas objetos, mas passaportes para ficcionalizações e memórias. Então optei pelos que pareciam ter uma história prévia, mas que são inacessíveis porque não temos mais o Caio para perguntar como ele se relacionava com eles”, conta Barberena.
A escolha de escritores como Verônica Stigger, Cintia Moscovich, João Carrascoza, Valesca de Assis, Marcelino Freire, Julia Dantas, Natália Polesso, Luisa Geisler, entre outros, seguiu um critério. O organizador do livro e diretor do Instituto de Cultura da PUCRS diz que convidou desde autores muito conhecidos até iniciantes, também pensando no gênero literário e na maior heterogeneidade possível. “Pensei em aproximar a escrita criativa deles a partir das peças do acervo do Caio, que foram um gatilho poético para que escrevessem com total liberdade”, finaliza Ricardo Barberena.
Confira como foi o processo criativo de alguns dos autores para o livro O que resta das coisas:
Altair Martins
“O Caio me influenciou desde que comecei a ser leitor de literatura. Lia sobretudo autores gaúchos e o Caio estava naquele fascículo do IEL de autores gaúchos. Desde então, comecei a conhecer a literatura dele, de contos místicos e fantásticos. A ideia era que o objeto do livro te deixasse levar, tal como o Caio, em um devaneio. Que não precisasse ter ligação alguma com ele. A máquina de escrever tinha um aspecto tão infantil e de criança, que eu achei que essa máquina fosse uma criança. E no meu conto essa máquina é uma criança que faz a denúncia em uma escola, que foi tocada, já que as crianças não teriam a sobre valência sobre os adultos para poder gritar. Então, no meu conto, a máquina do Caio é uma criança que tenta gritar.”
Cintia Moscovitch
“Eu não sabia como ia fazer, porque um texto por encomenda é uma das coisas mais difíceis que conheço. No final, acabei escolhendo a bandana porque acho muito simpático e eu tinha uma coleção desses lenços. Cheguei num ponto em que pensei em desistir. Mas me lembrei de um conto do Caio que gosto muito, A morte dos girassóis. O Caio se dedicava a muitas coisas e, tardiamente, quando ele ficou doente e veio para Porto Alegre, cuidava do jardim da família. Ele adorava os girassóis, teve um girassol que ele salvou e colocou perto de um buda que herdou de um amigo. Então pensei em recontar a história do girassol. Pensei que seria uma história bonita para homenagear ele.”
Carlos Gerbase
“O Ricardo Barberena me mandou as fotos dos objetos por e-mail e a carteira estudantil me chamou atenção, porque mostrava o Caio muito jovem. Tentei lembrar do que a cidade me fazia lembrar daquele tempo, 1967. E aí lembrei do Café Rian, no centro da cidade. Lembro de ir lá quando era pequeno com meu pai e tentei imaginar o Caio (dez anos mais velho do que eu) naquele lugar. Então me imaginei adolescente, que não era eu, era o Caio, e ele olhando alguma coisa estranha, vendo umas pessoas e fazendo coisas que não imaginava.”
Natália Polesso
“As fitas cassete são os objetos em que me inspirei na relação do Caio com elas. Ouvindo o que ele ouvia e tentando dar esse tom mais poético das músicas das fitas. Tentei dar o ritmo das fitas ao conto. E o Caio é um personagem do meu conto. Ele me marcou muito, foi uma descoberta para mim nesse tipo literatura que arrebata. Foi com Caio que descobri o que quero ler, o que quero escrever e o que quero que as coisas sejam. Foi um escritor que me marcou no meu início de descoberta da literatura. Esse encontro de imagens de palavras meio inusitado, que é a mágica do Caio.”
Veja mais fotos do evento realizado no Delfos.