Com o título Herdeiras – Narrativas Biográficas de Três Gerações de Mulheres Negras em Três Regiões de Economia Escravista, o projeto do professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS Hermílio Santos foi selecionado para participar do Programa Cátedra Tübingen da Universidade de Tübingen na Alemanha. A pesquisa busca entender três períodos escravistas da história do Brasil: o ciclo do açúcar em Pernambuco, o do ouro e do diamante em Minas Gerais, e do Charque no Rio Grande do Sul.
Para realizar a pesquisa, Hermílio utiliza como único método a análise reconstrutiva de narrativas biográficas de três gerações de mulheres negras de uma mesma família que residem em regiões marcadas pela exploração da mão-de-obra escravizada. Como sociólogo, tem interesse em compreender a sociedade brasileira contemporânea, mas para isso o professor acredita que é preciso olhar para a história para compreender o presente e poder enfrentar o futuro.
“A gente não pode, tendo essa experiência de mais de 300 anos de escravidão, eu diria até que a gente não vai a lugar nenhum se a gente não compreender como esse fenômeno da experiência escravocrata de toda a sociedade brasileira, de norte a sul, chega aos nossos dias. Sobretudo para a população negra, em especial para as mulheres negras que são o tema da minha pesquisa.”
A pesquisa ainda está no início, porém o professor já conseguiu observar que a escravidão brasileira é muito mais complexa do que aparenta, e por isso vai exigir um minucioso estudo sociológico sobre o assunto.
“As entrevistas com essas famílias vão revelar como a herança escravista está presente e como está ausente. O que eu tenho visto até agora é que o tema da escravidão em algumas famílias não é sequer mencionado de uma geração para outra. Algumas mencionam os seus preconceitos, mas até agora na pesquisa raramente vejo essa menção”.
Com parceria da CAPES e da Universidade de Tübingen, o objetivo do Programa Cátedra Tübingen é realizar um intercâmbio acadêmico entre universidades e centros de pesquisa brasileiros e alemães. A Universidade de Tübingen mantém um Centro de Estudos Latino-Americano e Brasileiro, e o professor Hermílio ressalta que a Alemanha possui grande interesse no Brasil, logo levar a pesquisa ao país faz todo o sentido.
“E a gente não pode esquecer que a Alemanha, por ser um país com atuação Global, com as suas empresas, governo e organizações civis atuando globalmente. E eles também têm uma presença forte na sociedade brasileira, então eles prezam muito conhecer a sociedade nas quais atuam, que é o caso da sociedade brasileira”.
O professor ministrar um seminário e palestras sobre o tema na Alemanha, e com o intercâmbio entre as universidades, Hermílio espera que os estudantes se interessem pela temática e venham ao Brasil e à PUCRS. “Quero que venham e vejam a PUCRS como uma universidade onde eles poderão fazer parte dos seus estudos de mestrado ou doutorado, por exemplo. Então a minha estratégia é despertar o interesse para poderem vir fazer parte dos seus estudos”, finaliza.
Quem são e como vivem as mulheres brasileiras descendentes de povos historicamente explorados? A partir de narrativas biográficas, os projetos Herdeiras Negras e Herdeiras Indígenas contarão as histórias de três gerações de mulheres negras de regiões com economia originalmente escravagista e de mulheres indígenas de diferentes etnias após o contato com outras civilizações não-indígenas.
Os estudos são liderados pelo professor Hermílio Santos, coordenador do Grupo de Pesquisa em Narrativas Biográficas do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS (PPGCS). Ambos foram contemplados pelo edital de financiamento da Fapergs/BPA-PUCRS e o estudo da herança da escravidão concorre a um edital da DFG, instituição alemã de fomento à pesquisa.
O professor Steve William Tonah, do Departamento de Sociologia da University of Ghana, na África, abordará o panorama global, como a riqueza das culturas das nações africanas e a captura forçada de pessoas negras no período anterior à abolição.
Uma das principais referências internacionais no desenvolvimento da análise reconstrutiva de narrativas biográficas também participará do estudo: a professora Gabriele Rosenthal, da Universität Göttingen, na Alemanha.
O projeto Herdeiras Negras investigará a memória da escravidão e da economia canavieira, em Olinda (PE); da exploração de diamantes, em Diamantina (MG); e de charque, em Pelotas (RS). “Queremos mostrar o ponto de vista dessas mulheres que experienciam as consequências do longo período de escravidão que aconteceu nessas regiões entre os séculos 14 e 19”, explica o pesquisador.
Já o projeto Herdeiras Indígenas acompanhará mulheres das etnias Kaigangue e Xokleng e Bóe-Bororo (no Rio Grande do Sul, com contato iniciado há mais de 100 anos), Panará e Enawenê-nawê (com 40 anos de contato) e Yawalapiti e Kamayurá (em torno de 80 anos de contato), todas do estado de Mato Grosso. O objetivo do estudo é entender como mulheres de diferentes etnias interpretam e vivenciam o contato com a cultura não-indígena.
Os resultados das pesquisas, que ainda estão em desenvolvimento, serão transformados em uma série documental de acesso livre. A produção contará com a parceria de curadoras como Watatakalu Yawalapiti, uma das lideranças do movimento de mulheres indígenas no Xingu, em Mato Grosso.
Estudantes de mestrado, doutorado e pós-doutorado do PPGCS, em sua maioria bolsistas, criaram duas páginas online com materiais próprios e curadoria de conteúdos audiovisuais e bibliográficos sobre os temas dos projetos. Confira: Herdeiras Indígenas e Herdeiras Negras.
O grupo também recebe participantes de outras cidades e países, como o Padre Talis Pagot, doutorando da Pontificia Università Gregoriana, em Roma.
No dia 17 de junho, o professor Hermílio mediará o evento Povos indígenas por eles mesmos, com representantes de sete etnias indígenas. O bate-papo é uma oportunidade para que o grupo compartilhe experiências para além da visão acadêmica, propondo reflexões sobre os distintos contextos e experiências indígenas no País.
Popularmente conhecido como o Dia do Índio, o dia 19 de abril marca a data do Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, que aconteceu em 1940, no México. O encontro teve o propósito de discutir pautas a respeito da situação dos povos indígenas nas Américas e reuniu diversas lideranças do movimento.
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No Brasil, elas são 55,6 milhões, chefiam 41,1% das famílias negras e recebem, em média, apenas 58,2% da renda das mulheres brancas, segundo dados divulgados pelo Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Na PUCRS, o Núcleo de Estudos em Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Neabi), o qual professora Leunice de Oliveira faz parte, dedica-se a aprofundar o debate sobre a negritude, a diversidade e uma possível reparação histórica.
Enquanto mulher negra e acadêmica, Leunice comenta sobre os desafios e os avanços em relação à quebra de paradigmas e a luta constante por espaços na sociedade. “Com a organização dos movimentos sociais foi possível evoluir em algumas pautas e no diálogo sobre o feminismo negro, por exemplo, com um maior engajamento em cessar com a invisibilidade”, comenta a professora da Escola de Humanidades da PUCRS.
“É necessária a compreensão de que a mulher negra experimenta um conjunto de desvantagens sociais que resultam em uma posição social considerada inferior à da mulher branca. As nossas necessidades são muito peculiares e, sem que seja feita uma profunda análise do racismo, do machismo e colonialismo brasileiro, é impossível atender às urgências deste grupo” enfatiza.
Segundo a escritora Alice Walker, referência no movimento, existem diferenças entre o feminismo, o mulherismo e o mulherismo africano. “Ser uma mulherista africana significa que temos controle de nossa nomeação e nossa definição. É lidar com a tripla dificuldade das mulheres negras: raça, classe e sexo, mas com sua própria ordem. E, para mim, vem a noção de priorizar a raça, porque é isso que nos ameaça mais do que tudo, eu acredito”, explica.
As desigualdades étnico-raciais são evidentes tanto no mercado de trabalho, quanto nas competições de espaços de poder, como cargos de gestão, liderança e políticos. Mesmo com a melhora da universalização do ensino, essas ações não têm sido suficientes para reduzir significativamente as desigualdades da pirâmide educacional e “isto deve ainda implicar na persistência da concentração de brancos nas principais posições de poder do País”, segundo o Dossiê Mulheres Negras: retrato das condições de vida das mulheres negras no Brasil.
“Tenho na Universidade um lugar de fala, de direito à voz.” LEUNICE DE OLIVEIRA.
Apesar dos desafios, a professora Leunice diz ter obtido avanços na pauta de empoderamento de mulheres negras. Para ela, o ativismo foi fundamental para a conquista de espaços, rompendo com a não representação e ajudando a mudar a história.
Ela conta que sua história de vida não é diferente da maioria de negros e negras no Brasil. “Reconheço que o espaço em que ocupo como professora universitária, poucos negros tiveram acesso por falta de oportunidades educacionais e profissionais. Nós que pertencemos a estes grupos, podemos e devemos falar por nós, para que nossas vozes sejam ouvidas, estabelecendo rupturas com o que nos fora destinado e buscando caminhos para a superação”, destaca.
O Brasil implementou algumas Políticas de Ações Afirmativas, com o objetivo de tentar corrigir a longo prazo os efeitos das discriminações e da escravidão, baseadas na igualdade de acesso a bens fundamentais e direitos de cidadania plena. Entre elas, a Lei de Cotas para universidades públicas para negros/as, indígenas, alunos/as de escolas públicas, entre outros grupos.
A lei Maria da Penha, de 2006, também representa um marco na garantia de proteção social das mulheres, considerando os índices crescentes de violência doméstica e feminicídio que crescem anualmente. O Brasil tem 13 homicídios de mulheres por dia, e maioria das vítimas (66%) é negra, segundo o Atlas da Violência de 2019 do Ipea.
Formada em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Leunice Martins de Oliveira é mestre em Educação pela PUCRS, e possui doutorado e pós-doutorado em Educação pela UFRGS. Atua principalmente com temas sobre educação, currículo, cultura, políticas públicas, educação intercultural, estudos afro-brasileiros e educomunicação. É coordenadora do curso de especialização em Gestão da Educação e professora da Escola de Humanidades da PUCRS.
Com a realização do 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, o dia 25 de julho é considerado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, desde 1992. O dia representa o enfrentamento ao sexismo, racismo, machismo e a busca da mulher negra por igualdade de direitos e oportunidades.
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