Imagine o quanto o reconhecimento social é fundamental em nossas vidas: além de encontros face a face, vivemos em diversas redes sociais, estabelecemos contatos e nos relacionamos com intensidade com quem está ao nosso redor. Para os mamíferos em geral, esse reconhecimento é fundamental para a manutenção dos relacionamentos, da formação desses vínculos sociais e sem esse tipo de memória, não haveria sociedade. Um estudo do Centro de Memória do Instituto do Cérebro do RS (InsCer/RS), coordenado pelo neurocientista Iván Izquierdo, levou à descoberta de que as áreas como o hipocampo e a amígdala cerebral são participantes ativas do processo de reconhecimento, até então vinculado somente ao bulbo olfatório, primeira estrutura do sistema olfatório cerebral. O achado se torna a base neurofisiológica do reconhecimento social e foi publicado recentemente na Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), dos Estados Unidos.
A primeira experiência compreendeu a colocação de um roedor em uma caixa vazia. Depois, ele foi apresentado a um rato jovem, sentindo seu cheiro. No dia seguinte, ele foi exposto ao mesmo rato jovem da etapa anterior e a um novo. Passadas as fases de ambientação e de exposição, houve a infusão cerebral de três neurotransmissores no hipocampo e na amígdala: dopamina (responsável em outros lugares do cérebro por motivação, prazer), noradrenalina (envolvida nos processos de alerta e interesse) e histamina (ligada à memória, controle alimentar, etc.). “Até então os neurotransmissores mais visados no processo de reconhecimento social eram a ocitocina e os hormônios sexuais. Queríamos comprovar como atuavam esses três grandes sistemas”, disse a pesquisadora Carolina Zinn, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde da Universidade.
Os pesquisadores concluíram que esses neurotransmissores e essas áreas cerebrais são fundamentais na participação da consolidação da memória de reconhecimento social. A percepção é a de que, em média e em porcentagem de exposição, o roedor testado utilizou as áreas cerebrais para explorar três vezes mais o ratinho novo, sabendo que ele não estava ali antes. “Além disso, ele vai buscar em suas memórias o reconhecimento de longa duração, para reconhecer o lugar onde está e suas referências espaciais, como a localização”, esclarece a professora e pesquisadora do Centro de Memória Jociane Myskiw.
Para Izquierdo, o resultado representa um divisor de águas na pesquisa sobre a área. “É uma descoberta importante, pois aponta para o surgimento de possíveis bases de reconhecimento social em indivíduos saudáveis e pacientes psiquiátricos, como portadores de demências, autismo e esquizofrenia”. Ele explica que em demências como o Alzheimer, o hipocampo é uma das primeiras áreas a sofrer lesões. “É uma área diretamente afetada, provocando principalmente a falta de reconhecimento do paciente em pessoas de seu convívio, como filhos, cônjuge, etc.”, frisa.
O estudo teve início em 2013 quando o mestrando francês Nicolas Clairis, da Universidade de Lyon, atuou no Centro de Memória com a pesquisa colaborativa na área de reconhecimento social. Depois de três meses na instituição, ele retornou à França e o estudo teve continuidade com a doutoranda Carolina e as professoras Jociane e Cristiane Furini, com coordenação de Izquierdo.
Pesquisadores do Centro de Memória da PUCRS, liderados por Iván Izquierdo, publicaram uma revisão bibliográfica na área da memória do medo no periódico Physiological Reviews. Foram estudados cerca de 800 artigos divulgados nos últimos 60 anos em todo o mundo. “Trata-se da maior revisão bibliográfica já realizada na área”, afirma Izquierdo. Desses artigos publicados, 90 foram realizados no Centro de Memória, que é ligado ao Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul.
A convite da publicação, Izquierdo e as pesquisadoras Cristiane Furini e Jociane Myskiw passaram dois anos trabalhando no artigo. As referências bibliográficas utilizadas abordam temas como a definição da memória do medo, as estruturas envolvidas, como são reguladas e estudadas e os mecanismos bioquímicos, entre outros. O artigo pode ser acessado mediante assinatura ou download pago.