A descoberta de pesquisadores da PUCRS liderados pelo professor da Escola de Humanidades, Ir. Edison Huttner, foi capa da primeira edição de 2023 da revista científica Visioni LatinoAmericare com sua pesquisa acerca do Manuscrito jesuíta de 1730, descoberto em 2017, na cidade de Panambi, no Rio Grande do Sul. O docente apresentou, em um dos periódicos mais importantes da Europa, suas recentes descobertas no Manuscrito – descrevendo a presença de conteúdos interdisciplinares, em versão bilíngue espanhol e latim – escrito por jesuítas e indígenas Guarani em papel fabricado em Gênova, na Itália.
O Manuscrito foi identificado quando Liane Janke, de Panambi, entrou em contato com Ir. Edison, relatando a existência da obra por herança familiar. Desde então, o docente e outros pesquisadores da PUCRS vêm realizando estudos para analisar o conteúdo e a estrutura física do Manuscrito. De acordo com o professor, a riqueza da obra está em suas temáticas agora explicadas e catalogadas, relatando em várias mãos a identidade de mais de 140 mil pessoas que viveram entre os séculos de XVII-XVIII nas 30 Reduções jesuítas da Província do Paraguai, cujas ruínas se encontram ainda hoje na Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.
“Os jesuítas e indígenas tinham em mãos um Manuscrito com conhecimentos de teologia, de cultura geral, das missões dos jesuítas na China e Japão, sobre os santos católicos, de astronomia e signos do zodíaco. Além disso, foram identificados importantes estudos de astronomia elaborados por Buenaventura Suárez, o primeiro astrônomo nascido na América”, destacou Ir. Edison.
Por meados de 1607, no início da implementação das 30 Reduções, os ensinamentos eram transmitidos na catequese e nas escolas, por livros vindos da Europa. Conforme explica o pesquisador, a criação artesanal de manuscritos foi uma alternativa no aspecto pedagógico, proporcionando aprendizagem e incentivando a prática da caligrafia, assim como possibilitou a produção de temas variados em um só livro, em formato conceitual de manuscrito.
Desta forma, o Manuscrito se destaca por sua perspectiva didático-pedagógica e de transmissão de conhecimentos, destinado para os mestres jesuítas que utilizavam o conteúdo para sua formação teológica, de magistério e de estudos como astronomia para a localização da redução. Os indígenas também eram leitores nas escolas das missões em sua formação de cultura geral. As pesquisas, realizadas pelo grupo da PUCRS composto por Ir. Edison, Eder Abreu Hüttner, Fernanda Lima Andrade e Rogerio Mongelos, revelaram que a astronomia e os 12 signos do zodíaco chegaram nas escolas das Reduções para fazer parte do conhecimento e do cotidiano já naquele período.
Em outras páginas analisadas, foram encontradas a descrição do Reino do Japão e da China, citações sobre o cientista italiano Matteo Ricci e o jesuíta irlandês Richards Archdekin. Constam também estudos do famoso matemático e astrólogo alemão Cristovão Clávio, responsável por reformar o calendário gregoriano, ainda usado atualmente no mundo todo. Em outras partes do Manuscrito, também é citado Clemente XII, que foi Papa de 12 de julho de 1730 até 1740, demonstrando o conhecimento global que aquela população tinha na época e contexto.
“Outro elemento importante do Manuscrito é a boa caligrafia. Os jesuítas ensinaram caligrafia para os indígenas das missões, tendo em mãos alguns livros trazidos da Espanha. Com isso, o Manuscrito é legível em todas as páginas, escrito por várias mãos, essa confecção artesanal é resultado da prática da boa caligrafia aprendida nas escolas das missões. Modificando algumas percepções, os indígenas escreviam bem e a escrita se tornou arte no período das Reduções jesuítas”, conta Ir. Edison.
O pesquisador da PUCRS contextualiza que Buenaventura Suárez é responsável pelo primeiro telescópio construído em solo americano com materiais locais e com auxílio de indígenas missioneiros. Com os estudos em astronomia, tornou-se possível ter conhecimento sobre cada localização das Reduções no mapa, bem como ter ciência da localização de outras cidades famosas no mundo. Graças a disseminação dos estudos do pioneiro Buenaventura Suárez, as 30 Reduções se situavam no tempo e espaço, além disso seus estudos foram referência para matemáticos e cartógrafos que projetaram os melhores mapas daquele período.
Na época de publicação do Manuscrito, Suárez era referência para matemáticos e cartógrafos que projetavam mapas precisos e confiáveis, assim como era o astrônomo de confiança para as 30 Reduções. Sua participação na obra corresponde a 128 páginas sobre astronomia nunca publicados antes, ou seja, uma prova verídica dos estudos de transferência de conhecimento de astronomia realizado por Buenaventura Suárez.
Com a análise dos pesquisadores da PUCRS, foi possível confirmar que as coordenadas presentes no Manuscrito foram utilizadas para o desenho dos primeiros mapas da região da época. Além disso, pela primeira vez na história, um manuscrito jesuíta apresenta símbolos da astrologia, como planetas e signos do horóscopo, graças aos estudos de Buenaventura Suárez, concluindo que indígenas e jesuítas das Reduções sabiam qual eram seus signos a partir de sua data de nascimento. Para Ir. Edison, estes conteúdos da Astronomia de Buenaventura Suárez alcançam uma nova visão de mundo daquele tempo, em plena ação e ideias de modernidade.
“Os estudos e a prática da astronomia presente no Manuscrito revelam a consciência de espacialidade missioneira presente nas Reduções. Foram revelados conhecimentos de arquitetura de construção de observatório astronômico, relógios solares, torres (campanários), assim como a construção de mapas cartográficos. Desta forma conseguimos concluir que indígenas e jesuítas se moviam pelas matas para estabelecer novas reduções unindo conhecimentos ancestrais com noções de astronomia”, explica o docente. Leia o artigo na íntegra
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As reduções jesuíticas são ponto turístico no Rio Grande do Sul. A mais conhecida delas é a Redução de São Miguel de Arcanjo, cujas ruínas são patrimônio mundial pela Unesco. Foi justamente ela que foi expandida, devido a um aumento populacional, criando a Redução de São João Batista, fundada em 1697 pelo jesuíta Antônio Sepp e que originou, posteriormente, o município de Cruz Alta, a terra do escritor Érico Veríssimo — localizada há 364km de Porto Alegre.
Nessa cidade, o Irmão Edison Hüttner, professor da Escola de Humanidades da PUCRS, visitou uma família que possuía uma escultura de São João Batista e que desejava descobrir o valor histórico da peça. O professor realizou estudos que constataram que a obra é do período missioneiro, com mais de 300 anos.
A escultura foi produzida em madeira e pertence ao primeiro período da arte missioneira, realizada no século XVII e esculpida em troncos por indígenas da etnia Guarani. Há marcas de queimado desde a base da estátua até os pés, embora sua estrutura não tenha sido danificada, o escurecimento da madeira em razão da combustão é visível. Levando isso em consideração, foram levantadas algumas hipóteses sobre a origem da obra de arte e como ela recebeu tais marcas:
Essa é a primeira escultura de São João Batista Missioneiro adulto encontrada no Rio Grande do Sul, sendo considerada um importante achado à história do estado. Ela será exposta na Catedral do Divino Espírito Santo, em Cruz Alta, até o dia 24 de agosto e depois retornará à família guardiã.
Primeira fase (Santa María del Iguazú, 1625): são esculturas com corpos rígidos, que possuem os pés e as mãos encaixados, podendo ser retirados e recolocados no corpo. Por essa possibilidade de montagem, eram facilmente transportadas. Eram esculpidas em árvores com formato cilíndrico. “É essa fase que pertence a escultura de São João Missioneiro de Cruz Alta, trata-se de um padrão de esculturas horcones (troncos) e, por ter essas características, é considerada como sendo uma arte sacra barroca hispano guarani-jesuíta do século XVII”, explica o Irmão Hüttner.
Segunda fase (1670-1695): as esculturas deixam de ser montadas e passam a se assemelhar ao barroco europeu. Suas vestes eram completas e vazadas.
Terceira fase (Santa Maria de Fe, 1685-1690): as vestes das figuras representadas são mantos com pregas aplainadas.
Quarta fase (Período Rio-Grandense, 1696-1785): também conhecido como período da Reforma de José Brasanelli, revela um estilo livre e gestual, com figuras exuberantes, cobertas com panos agitados pelo vento, com expressividade do barroco europeu berniniano e outros estilos. Entre 1730 e 1768, ocorre uma difusão dos modelos de Brasanelli e é criado um estilo missioneiro próprio.
Mais de 150 povos indígenas já foram infectados pela Covid-19, com 55.667 casos confirmados até a data de hoje, 18 de junho, de acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib). No entanto, essa não é a única realidade que preocupa essas populações: disputas pelas terras, violência e dificuldades econômicas estão entre os problemas enfrentados pelos indígenas na atualidade.
A partir das realidades vivenciadas por esses povos, estudantes e professores da Escola de Humanidades da PUCRS desenvolveram ações que têm os povos indígenas como protagonistas. Confira duas delas:
Por meio de um projeto de extensão, o Núcleo de Estudos em Cultura Afro-brasileira e Indígena (Neabi) da PUCRS, ligado ao programa de Pós-Graduação em História, desenvolveu a iniciativa Tecnologia UV-C no auxílio ao combate à pandemia de Covid-19 em aldeias indígenas. Essa ação visa capacitar agentes de saúde que atuam em comunidades das etnias Potiguara, Gavião, Tabajara e Tubiba Tapuya, no Ceará, a utilizarem um equipamento de luz ultravioleta, denominado UV-C INFO, na esterilização de ambientes.
Essa tecnologia é produzida pela Hüttech, empresa que integra o ecossistema do Parque Científico e Tecnológico da PUCRS (Tecnopuc) e que realizou doações do equipamento para que pudesse ser utilizado nas comunidades. Sua ação consiste na quebra das ligações de DNA e RNA de fungos, vírus e bactérias pela radiação ultravioleta, esterilizando o ambiente. Dessa forma, o ar e as superfícies que contém uma boa iluminação para a ação do UV-C INFO ficam livres desses microrganismos que podem ser nocivos ao ser humano.
O professor Edison Hüttner, um dos responsáveis pelo projeto, explica que essa iniciativa é importante pois os povos indígenas estão suscetíveis a diferentes enfermidades. “Não apenas o coronavírus acomete essas populações, mas bactérias e fungos, também. Por isso, disponibilizamos essa tecnologia aos agentes de saúde, para que as comunidades indígenas pudessem lutar contra a Covid-19, atuando na prevenção de forma mais efetiva”.
Reunindo representantes de oito etnias indígenas (Kaigang, Xokleng-Konglui, Kaiapó, Boe Bororo e Terena, Suiá, Yawalapiti e Puyanawa) de quatro estados diferentes (Acre, Mato Grosso, Rio Grande do Sul e Pará), o Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUCRS (Caes) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS e o Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA), realizou o evento Povos Indígenas por eles Próprios no dia 17 de junho. A mediação do foi realizada pelo professor Hermílio dos Santos.
Na ocasião, o cacique Moritororeu Boe Bororo, do Mato Grosso, iniciou sua apresentação realizando uma saudação em sua língua nativa e relembrando o multiculturalismo dos povos indígenas brasileiros. Essa população não é homogênea e isso ficou nítido no evento, visto que cada etnia participante possuía uma língua própria pertencente a diferentes troncos linguísticos, como Pano, Aruak, Bororo e Jê. A resistência cultural desses povos também foi um dos assuntos abordados no encontro.
Além disso, foi discutida a disputa pela terra, uma das principais lutas desses povos na atualidade. A ideia do encontro era observar a perspectiva indígena sobre esses temas, por isso, representantes de alguns dos povos do território indígena do Xingu puderam abordar a questão da extração ilegal de madeira na região, apresentando, além de dados, suas vivências e explicando a importância da relação dos indígenas com a terra em que habitam. Um relatório da ONU de 2018 já demonstrava que as regiões habitadas pelos nativos preservam mais o meio ambiente.
Por fim, foram abordadas características culturais específicas das etnias participantes do evento e suas perspectivas futuras em relação a seus povos.
Em breve, esse e outros encontros que discutiram questões indígenas com a presença desses povos, receberão legendas em língua inglesa e serão divulgados para acesso de todos os interessados.
Falando no idioma português, com uma linguagem mais simples possível, o professor de Ciências Sociais da Escola de Humanidades e coordenador do Centro de Análises Econômicas e Sociais da PUCRS (Caes), Hermílio Santos, grava vídeos via WhatApp para indígenas das aldeias Kayapó, localizadas no sul do Pará. Nestas gravações, o professor aborda a origem dos portugueses no Brasil. Dentro destas trocas de mensagens, os indígenas (que se chamam Mebengôkre) também tiram dúvidas sobre assuntos atuais, como, por exemplo, que tipos de cultivos são realizados no país.
Para facilitar a ilustração do que está comunicado, o professor utiliza um mapa da Fundação Nacional do Índio (Funai), que salienta, em amarelo, as terras indígenas em todo o Brasil. Na sua conta do Instagram, o professor da PUCRS publicou um depoimento de uma cacique Kayapó. Neste registro, ela relata sobre a aldeia (o local foi recentemente reocupado), destacando, entre vários assuntos, a falta alimentos e o desmatamento florestal. “Agora, temos educação, se puderem nos ajudem”, enfatiza a cacique no vídeo sobre a criação de uma escola. Para contribuir, o docente da Universidade comenta que: “estou organizando uma mobilização para melhorar a estrutura de estudos deles, pois precisam de computador, datashow, material escolar e brinquedos”.
O professor também está em contato com outras etnias no Xingu e também em outras regiões. “Faço contato com os Bororo, que ficam no norte do Mato Grosso, para me mandarem imagens e depoimentos. Esse trabalho seguirá até o final do ano”, complementa.
Com a participação de diversas etnias indígenas, um vídeo de cerca de 15 minutos de duração será produzido para o IV Fórum de Sociologia da International Sociological Assiciation – ISA, que foi transferido para o início de 2021, em formato online. Essas gravações serão legendadas em inglês e português, já que todos os indígenas falaram em suas próprias línguas.
O professor da Universidade é presidente do Comitê Organizador Local do fórum. A iniciativa tem a organização da ISA, da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e da PUCRS, local aonde ocorrerá o evento.
O Brasil é o país com o maior número de contaminados pelo novo coronavírus entre povos originários, segundo dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai). Mesmo com as ações de contingenciamento dos órgãos oficiais, diversos são os desafios dos profissionais da área da saúde frente à Covid-19. A doença preocupa tanto a população indígena que vive em aldeias afastadas, quanto os grupos que moram próximo aos centros urbanos e sobrevivem com o que conseguem vender, como artesanatos, artes e frutos.
Ao longo das últimas semanas, os principais veículos de comunicação do Brasil só falam sobre um tema: a pandemia provocada por uma família de vírus que causam infecções respiratórias graves e podem levar ao óbito. Seu nome é uma referência à data de descoberta, que aconteceu em dezembro de 2019, na China, e acabou se alastrando pelo mundo inteiro.
Em 48 horas, o número de nativos infectados pelo coronavírus aumentou 156%. Entre os dias 13 e 15 de abril, o total de casos disparou de nove para 23, conforme o Sesai. Três mortes já foram registradas entre as etnias kokama, tikuna e ianomâmi. O Amazonas, estado que concentra o maior número de pacientes, 95% do todo, contabilizou duas delas. Outros 23 casos suspeitos aguardam os resultados dos exames.
“Isso é uma coisa nova para todo mundo. A orientação é o isolamento, mas no Rio Grande do Sul já temos suspeitas dentro das aldeias”, explica Edison Hüttner, professor da PUCRS e coordenador do Núcleo de Estudos em Cultura Afro-Brasileira e Indígena (Neabi).
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As culturas evoluem para sobreviver
Os nativos retiram os materiais necessários para fazer os artesanatos, como cipó e outras raízes, do mato e das florestas. Porém, nesse período, eles não podem vender sua arte porque correm mais risco de transmissão. “O artesanato é a fonte de renda das aldeias. Com essa situação, os índios ficam dependentes de ajuda. Em alguns casos, os municípios entregam cestas básicas para eles não precisarem sair”, conta Hüttner.
As pessoas doentes são encaminhadas aos hospitais do município, onde pegam os remédios. Porém, outros fatores históricos podem agravar a situação. “Em geral, os indígenas têm muitos problemas respiratórios, principalmente as crianças, causados, em parte, pelos costumes milenares – como fazer fogueiras e utilizar cachimbos nas ocas, com a fumaça dentro de casa, por exemplo” explica o professor.
Saúde indígena
Por viverem em isolamento por muito tempo, praticamente durante toda a sua existência, os indígenas não têm imunidade para as doenças das pessoas que vivem na cidade. Conforme informações da Fundação Nacional do Índio (Funai), divulgadas no jornal El País, se uma doença não for tratada, ela pode exterminar de 50% a 90% de um grupo. No caso da Covid-19, esse potencial poderia se intensificar.
Edison Hüttner explica que, mesmo com seis polos de Saúde no Rio Grande do Sul, muitas regiões sofrem com a precarização do sistema e a falta de recursos. Na BR 116, por exemplo, que abrange os municípios de Guaíba, Barra do Ribeiro e Camaquã, encontram-se 13 aldeias, com 749 indígenas Guaranis. “Têm apenas dois enfermeiros que trabalham ali, não têm médicos ou dentistas atuando no momento”, explica.
Conforme os órgãos oficiais de saúde, a população idosa – e indígena – é o principal grupo de risco do coronavírus. Desses 749 indígenas citados, 48 membros têm entre 70 e 80 anos e são os que correm mais risco em caso de contágio. Hüttner destaca que a expectativa média de vida dos nativos no Brasil é de 49 a 59 anos, enquanto a das demais pessoas é de 75 anos, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Atendimento à população
No Brasil, existem espaços criados para prestar atendimento qualificado de atenção à saúde indígena, com uma organização etnocultural, dinâmica e geográfica delimitada. São 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) espalhados pelo território nacional. Sua estrutura conta com unidades básicas de saúde, polos base e as Casas de Saúde Indígena. Na região Sul do País, existe apenas um desses distritos, com sede em Santa Catarina.
Conforme o portal do Ministério da Saúde, os polos são a primeira referência para as Equipes Multidisciplinares de Saúde Indígena (EMSI), que atuam nas aldeias. Eles podem ficar em terras nativas (tipo 1), com atividades de saúde, ou no município de referência (tipo 2), com funções técnicas e administrativas. “Os nativos são atendidos pelo SUS desde 1999, pela Lei no 9.836, mas o ideal seria que as referências em saúde estivessem dentro das comunidades, porque são realidades diferentes, que exigem especialistas com experiência na área. Em Manaus, existe a Casa De Apoio à Saúde Indígena, que acolhe e atende os doentes na região. Na Aldeia Kaingang Fág Nhin (Lomba do Pinheiro), em Porto Alegre, existe uma Unidade de Saúde Indígena, por exemplo”, acrescenta Hüttner.
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Povos originários
O nome “indígena” é uma referência aos primeiros habitantes de um território não colonizado. Segundo Julie Dorrico, indígena Macuxi e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Escola de Humanidades da PUCRS, essa é a forma mais adequada de se referir a esses povos. “Os indígenas têm procurado ressignificar as palavras, e indígenas refere-se aos originários, às populações tradicionais que já habitavam este território antes da chegada dos colonizadores europeus. Nossos povos não se veem como ‘tribos’, que é algo do contexto de grupos urbanos. Nós nos vemos como nações. ‘Índio’ é um termo muitas vezes utilizado pejorativamente”, explica.
Julie também é escritora, palestrante do TEDx e ativista pelas causas indígenas, e lembra em seus depoimentos sobre a importância da ancestralidade. “Existe um desafio em descolonizar as visões sobre a população nativa, colocando em xeque a própria história tida como oficial. Esse é um grande enfrentamento social, ideológico e, principalmente, político, onde há uma pequena representação”, destaca.
A autora ressalta a importância do trabalho realizado pelas lideranças indígenas, artistas e da mídia, que têm ajudado a dar visibilidade para o tema. Entre eles, a Rádio Yande, com conteúdo especializado; a ativista e pedagoga Raquel Kubeo; e Iracema Nascimento, a kujá (xamã) kaingang e líder política.
Segundo o levantamento realizado pelo último Censo do IBGE, existem mais de 800 mil indígenas no Brasil. No Rio Grande do Sul, são quase 33 mil e, desses, 23 mil vivem nas aldeias, em 65 municípios. Segundo a Agência France Presse (AFP), são pelo menos 107 povos que vivem em isolamento e “intocados”, ou seja, nunca tiveram contato com o mundo exterior.
Por estarem longe, além de ficarem expostos a diversos perigos, também podem representar riscos – uma vez que costumam reagir violentamente. Mesmo assim, exploradores de recursos naturais representam um perigo ainda maior aos grupos afastados. “O narcotráfico constitui outra ameaça crescente à vida dos povos em isolamento voluntário e contato inicial”, afirma a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em um parecer.
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Descolonizando as visões
“No campo da literatura, temos um grande desafio em descontruir a imagem que se formou sobre a figura indígena, ora como bom selvagem ora demonizado, ou com tradições distintas homogeneizadas. Uma grande característica dos indígenas é ter uma formação que possa contribuir com suas aldeias e povos” enfatiza Julie, dando o exemplo de indígenas que se formam em Direito, Medicina e outras profissões para ajudar suas comunidades.
Dario Agustin Ferreira é estudante Psicologia na PUCRS e já estudou Filosofia e Teologia, mas, aos 30 anos, uma das suas paixões é a Linguística. Nascido no Paraguai, cresceu falando guarani e espanhol e, agora, é a principal referência para as traduções do Naebi. “Dependendo do contexto familiar, o guarani paraguaio é muito parecido com o falado nas aldeias indígenas brasileiras, com poucas variações na pronúncia”, conta.
Ele já morou em Buenos Aires e na província de Santa Fé, na Argentina, mas está no Brasil desde 2015 e enfatiza a importância de conhecer a ancestralidade. “Indígenas são pessoas autônomas da terra, muitas vezes marginalizadas. Mesmo após o período de colonização, teve uma miscigenação cultural. Conhecer a cultura indígena é conhecer os nossos antepassados. Eles trazem a nossa identidade e, para tentar preservar a cultura, tentam fechar a sua cultura em si mesmos, vivendo o Tekoa, modo de ser e viver guarani”, conclui.
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Guardiões da terra
Com a suspensão e os rodízios de trabalhadores em diversas áreas, o enfraquecimento da fiscalização é uma das principais preocupações dos nativos. “Pedimos a retirada imediata de todos os invasores das terras indígenas e dos territórios para impedir o avanço do vírus: os garimpeiros, madeireiros, caçadores, narcotraficantes, grileiros, missionários e turistas que são vetores de transmissão”, disse Nara Baré, presidente da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), durante uma entrevista publicada pela agência Reuters.
Esses fatores causam o aumento da exploração ilegal de madeira na Amazônia e, consequentemente, das terras indígenas. A partir de informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o jornal O Estado de São Paulo identificou que as áreas desmatadas dobraram de 2.649 quilômetros quadrados, para 5.076 quilômetros quadrados no período de quarentena.