Jeferson Tenório e Antônio Pitanga / Fotos: Carlos Macedo e Divulgação.

13ª edição da FestiPoa Literária acontece na modalidade online entre os dias 13 e 17 de maio. Ao longo estes dias, o evento receberá nomes como Criolo, Conceição Evaristo, Sérgio Vaz, Antônio Pitanga e Jeferson Tenório. A PUCRS, como apoiadora do festival, promove dois bate-papos que serão transmitidos pelos canais do YouTube da PUCRS e da FestiPoa Literária 

O primeiro, intitulado Personagens no cinema e na literatura, ocorre em 15 de maio, às 20h, e será uma conversa entre o ator Antônio Pitanga e o doutorando da PUCRS, que foi patrono da Feira do Livro de Porto Alegre em sua última edição, Jeferson Tenório. A mediação será de Fernanda Sousa. 

segundo, denominado Literatura, pão e poesia acontece no dia 16 de maio e contará com a presença do homenageado pelo evento Sérgio Vaz e do cantor Criolo, com a mediação de Luna VitroliraOs entrevistados se conheceram em eventos como o Sarau da Cooperifa, organizado por Vaz, e nutrem um carinho muito grande um pelo outro, fazendo com que a conversa entre ambos seja espontânea e intimista.  Serão abordados temas como o papel da poesia na vida de ambos, suas trajetórias profissionais e a relação entre os dois artistas. 

Arte e periferia 

Criolo e Sérgio Vaz / Foto: Tino Monetti e Jairo Goldflus

Tanto Sérgio Vaz quanto Criolo viveram na periferia, o que está representado em seus trabalhosComo escreve o primeiro, chamando atenção para a importância de pensar no aspecto social:  

Não confunda briga com luta. Briga tem hora pra acabar e luta é para uma vida inteira” 

O trecho é um dos preferidos de Criolo, que também tenta abordar a “luta” em sua arte – afinal, rap é pura luta. Na música Convoque seu Buda, o cantor apresenta trechos marcantes como “mudar o mundo do sofá da sala e postar no insta”, “ao trabalhador que corre atrás do pão, é humilhação demais que não cabe nesse refrão” e “como assim, bala perdida? O corpo caiu no chão”.  

Além disso, é visível que ambos os artistas desejam ser reconhecidos entre os seus, pois não escrevem apenas para uma elite, mas sim para se comunicarem com o povo. Para eles, a literatura deve ser popular, e a música, também. É por isso que os dois criaram projetos que visam levar arte à periferia:  o já citado Sarau da Cooperifa, de Vaz e Rinha de MC’s, de Criolo. Eles querem não apenas que a arte seja consumida pela periferia, mas que a periferia também produza sua própria arte.  

“Enquanto eles capitalizam a realidade, eu socializo os meus sonhos”, escreve Vaz. Em um bate-papo entre dois artistas que não brigam, mas lutam e socializam suas ideias por meio da arte, certamente importantes reflexões serão compartilhadas. 

Para saber mais sobre o evento, confira em nossa agenda: Bate-papos | FestiPoa Literária
 

Zezé Motta, Instituto de Cultura

Foto: Bruno Todeschini

Zezé Motta, a tigresa de unhas negras e íris cor de mel, que em 1977 inspirou a canção Tigresa, de Caetano Veloso, abriu a noite de 6 de maio emocionando a plateia no teatro do prédio 40 da PUCRS, ao interpretar trechos da obra Quarto de Despejo: diário de uma favelada, da escritora mineira Carolina Maria de Jesus. “Povo não tolera fome. É preciso conhecer a fome para poder descrevê-la”, leu a atriz e cantora, com os olhos marejados. O bate-papo Zezé Motta – Uma vida de arte e resistência foi o desfecho do 12º FestiPoa Literária – Festival de Literatura promovido por um coletivo de agentes culturais, que em 2019 homenageou a filósofa e ensaísta Sueli Carneiro e teve como tema central o pensamento das mulheres e o feminismo negro.

A entrada de Zezé no palco, no qual participou de uma conversa conduzida pelo escritor Marcelino Freire, com participação da atriz gaúcha Hayline Vitória, foi precedida por uma projeção de fotos, ilustrando a evolução da carreira artística da convidada fluminense. Elas serviram para guiar os momentos narrados ao longo de 1h e 50 minutos, com base na biografia da artista Zezé Motta – Um canto de luta e resistência, de autoria de Cacau Higyno. O diálogo descontraído foi permeado por muitas músicas, algumas alegres, outras impregnadas de conteúdo de resistência a questões como o preconceito racial. “Quando canto coisas tristes, eu me ponho nesse lugar. Não tem jeito: eu choro, me entrego e às vezes faço a plateia chorar”, revela.

Roda Viva, censura e consciência negra

A carreira, para a qual descobriu o talento desde pequena, teve como grande marco inicial a peça Roda Viva, escrita por Chico Buarque de Holanda, em 1967, e dirigida por José Celso Martinez. À época, durante o período da ditadura civil-militar, “a peça foi proibida pela censura, mas fomos para as ruas, fizemos um escarcéu e ela voltou. Era um tempo difícil para se fazer arte. Os censores assistiam desde o ensaio geral e, se achassem que algo deveria ser cortado, era cortado”, relata a atriz.

No Rio Grande do Sul, fez uma única apresentação com essa peça, em Porto Alegre. Na noite em que ocorreria a segunda exibição, o antigo Teatro Leopoldina, na Avenida Independência, estava lacrado. No hotel, o elenco foi barrado. Os colegas gaúchos de palco Paulo César Peréio e Elizabeth Gasper, conta Zezé, foram sequestrados por militantes de direita e humilhados. “No dia seguinte, houve a proibição em todo o Brasil”, relembra.

Nos anos 1970, a atuação no filme Xica da Silva e o princípio da vida de cantora transformaram sua vida. Foi também o período em que passou a engajar-se fortemente na questão da identidade racial e de gênero. “Após conhecer o mundo divulgando Chica, Lélia Gonzalez, minha grande mentora, perguntava como era conquistar em espaço suado como mulher, negra, brasileira. Descobri ali a grande responsabilidade que tenho”, conta. Após participar de um curso com Lélia, Zezé participou do Movimento Negro e, junto com amigos, criou o Centro de Informação e Documentação do Artista Negro.

“A cantora veio depois da atriz”

A decisão de cantar veio do desejo por novidades e do incentivo de seu pai, que percebeu esse talento na filha desde a infância. “Não tinha repertório, nem empresário, nem músicos ou gravadoras. Simplesmente decidi cantar”, conta Zezé, com um largo sorriso no rosto. À sua volta, naquele tempo, estavam nada menos que Caetano Veloso, Chico Buarque, Milton Nascimento e Luiz Melodia, entre outros, a quem admirava e gostava de interpretar. Em meio aos relatos, recordando Melodia, cantou Dores de Amores: “Eu fico com essa dor/ Ou essa dor tem que morrer/ A dor que nos ensina / E a vontade de não ter /Sofrer de mais que tudo / Nós precisamos aprender / Eu grito e me solto /Eu preciso aprender”.

Ao ser questionada pela atriz Hayline Vitória sobre como lida com questões de preconceito e como percebe o espaço ainda pequeno para os negros na teledramaturgia, Zezé diz que recebe muitos e-mails a respeito e, em todos, recomenda que a pessoa tenha “perseverança, pois quem não persegue seu sonho não consegue ser feliz”, orienta. Também destaca que as questões sobre desigualdade e discriminação racial não podem ser preocupação somente dos negros, mas de todas as pessoas preocupadas com a justiça. “Somos todos iguais, somos todos irmãos. Ninguém tem sangue azul. Fico emocionada quando vejo que não tem mais esse discurso de eles os brancos e nós os negros. Estamos juntos lutando por uma causa nobre”, declara.

Ao final, para quem esperava apenas por um bate-papo, foi presenteado com bom humor, conscientização, simplicidade, resistência, memórias doloridas e uma grande mensagem de esperança e empatia com o público, seja na música, na literatura ou em outras expressões da arte. “Sou rainha, fui escrava, mulher, cantora e atrevida. Tenho 75 anos, sempre fui namoradeira e continuo”. A declaração foi seguida de muitas risadas, e Zezé recebeu uma longa salva de palmas, com a plateia em pé. O evento na Universidade foi resultado da parceria do Instituto de Cultura da PUCRS, que atuou como apoiador cultural do FestiPoa Literária.

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Foto: Camila Cunha

No início do mês de maio, atividades do Instituto de Cultura em parceria com o FestiPoa Literária se propuseram a refletir sobre a literatura e analisar o lugar da arte na sociedade – tanto para os autores quanto para os públicos. No Encontro com Conceição Evaristo e Regina Dalcastagnè, as escritoras apresentaram textos sobre pensamentos acerca da literatura e da representatividade. O encerramento do evento contou com apresentação do rapper angolano Kanhanga, que mantém o canal SportRap no YouTube. Já o poeta Chacal (Ricardo de Carvalho Duarte) fez um périplo poético, lendo poemas e conversando com os participantes do evento. Confira os momentos mais marcantes dos eventos a seguir.

“A literatura é uma arma de empoderamento”

PUCRS Cultura, Instituto de Cultura, literatura, escritoras, mulheres, mulher negra, auditório, Regina Dalcastagnè

Foto: Camila Cunha

Para a professora da Universidade de Brasília Regina Dalcastagnè, o momento exige uma análise social e política da literatura ainda mais urgentemente. “A literatura reflete sobre o nosso lugar no mundo, e o do outro. Permite pensar junto”, defende. Ela destaca que o meio acadêmico não pode deixar de refletir sobre as desigualdades da área. “Ser indiferente não me parece uma opção hoje”, afirma. Regina enxerga a literatura como um meio de reflexão e como uma arma de empoderamento, dependendo de como é utilizada. “Cabe ao universo acadêmico definir o que será feito. A discussão precisa estar em programas de pós, também – ou vamos apenas aguardar e ver no que dá”, desafia, fazendo uma analogia com fotos antigas que ficavam borradas, por levarem muito tempo para serem tiradas. “Respirar gera movimento. Este, para mim, é o mais corajoso gesto de resistência.”

“Se escrever é um ato político, ler é um ato político”

PUCRS Cultura, Instituto de Cultura, literatura, escritoras, mulheres, mulher negra, auditório, Conceição Evaristo

Foto: Camila Cunha

Conceição Evaristo conciliou os estudos com o trabalho de empregada doméstica. Mais tarde, passou num concurso público para magistério e estudou Letras na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Recentemente, foi a grande homenageada da 11ª FestiPoa Literária e é preferida para ocupar a cadeira de número 7 da Academia Brasileira de Letras, vaga desde a morte de Nelson Pereira dos Santos.

Mas, apesar do reconhecimento, Conceição ressalta que o campo da literatura ainda é extremamente homogêneo. “A entrada das mulheres na cena literária brasileira se dá apenas no modernismo. Para as mulheres negras, é muito mais tarde. A maioria continua desconhecida”, explica. Ela cita o caso de Carolina Maria de Jesus, escritora negra que publicou o livro Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada na década de 60, mesmo período em que nomes como Clarice Lispector e Jorge Amado se destacaram. “Eles escreviam na mesma época, mas Carolina sofreu um apagamento. Além disso, por que estudiosos percebem que Clarice está falando de um drama humano mais profundo e não percebem o mesmo movimento em Carolina?”, questiona, relacionando a fome à qual Carolina se refere ao longo da obra com algo muito mais profundo.

Para a autora, o primeiro passo para transformar este cenário é uma mudança nos próprios hábitos de leitura da sociedade. “Se escrever é um ato político, ler é um ato político. A gente escolhe quem vai ler”, conclui.


Conflitos internos e de estilos

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Foto: Camila Cunha

Chacal fala com a voz, com o corpo e com o silêncio. No sétimo andar da Biblioteca Central, o poeta compartilhou com uma plateia cheia a trajetória de sua carreira, que teve início na década de 70. Mas a publicação de seu primeiro livro, Muito Prazer, caracterizou conflitos internos pelos quais passou muito antes. “Minha adolescência foi em meio à ditadura. Era uma época conflitante, pois queria uma coisa e encontrava outra nas ruas”, relembrou, durante o périplo poético. A abertura do evento ficou a cargo do poeta Diego Grando. Tímido, Chacal conta que lia com frequência e não conseguia expressar sentimentos. Daí o hábito de enxergar a literatura como catarse. Com influências como o Tropicalismo, Oswald de Andrade e Bob Dylan, ele carrega uma visão expandida da poesia, não se limitando apenas à escrita. Os minutos finais da apresentação foram dedicados à leitura performática de suas obras.