A população brasileira está lendo menos. De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo IBOPE, entre 2015 e 2019, o Brasil perdeu mais 4,6 milhões de leitores, o que significa uma queda de 56% para 52% no número de pessoas que leem no país. Fatores como gênero, idade, escolaridade e renda acabam influenciando a criação e o mantimento do hábito de não só ler como comprar livros e frequentar bibliotecas. O estudo mostrou que o número de leitores é maior nos anos escolares (5 e 17 anos), com incidência maior entre os 11 aos 13 anos, onde 81% das crianças se consideram leitoras.
A leitura acaba sendo muitas vezes estimulada na escola e em casa por professores, pais e responsáveis. Para o professor do curso de Escrita Criativa da PUCRS Cristiano Baldi o espaço em que a criança está inserida faz toda a diferença nesse processo.
“Aqui fala minha experiência de pai mais do que qualquer outra coisa: o ponto decisivo é o ambiente e o exemplo. Ter livros, ler livros, fazer atividades que envolvam livros. Eu, por exemplo, gosto de pedras e cogumelos. Magicamente, meu filho gosta de pedras e cogumelos, sem que eu jamais tenha forçado qualquer coisa.”
O hábito, se não construído constantemente, pode acabar se perdendo na vida adulta: a pesquisa mostra que o número de pessoas leitoras no país começa diminuir depois dos 18 anos. Cristiano considera que a manutenção do hábito só acontece se ele for atrelado a boas experiências.
“Não vejo o que se possa fazer com um adolescente, além de manter um ambiente em que a leitura seja um hábito – e que seja fácil e mais ou menos livre. Por outro lado, ler demanda algum tempo minimamente ininterrupto, além de concentração, ativos que estão mais raros na vida contemporânea do que costumavam ser.”
Quando a leitura se torna algo prazeroso é comum que surja também uma vontade de escrever sua própria história. Intimidante para algumas pessoas, o ato de escrever acaba sendo o sonho para outras. Mas o que é necessário para colocar a ideia no papel e efetivamente escrever? Parece simples, mas não é. Para o professor, existem três pontos que toda pessoa que pretende seguir por esse caminho precisa entender.
1. Leia muito
A primeira recomendação é ler. A leitura nos coloca em contato direto com a instância mais material da composição literária: a língua. A partir da leitura, vamos compreendendo o potencial expressivo da linguagem e a dinâmica oculta do nosso idioma – seus ritmos e sua lógica.
É preciso estudar a literatura, é claro, porque sempre escrevemos dentro de uma tradição. Mas estudar também técnica literária, como fazemos no curso de Escrita Criativa da PUCRS. Existe uma visão, felizmente bastante anacrônica hoje em dia, segundo a qual para escrever bastaria talento. Isso que chamamos talento, ainda que de forma pouco precisa, é sem dúvida importante. Mas provavelmente o caminho mais seguro para expressar esse talento seja o estudo da técnica.
Para escrever é preciso escrever. Ler e estudar escrita é importante, mas só a experiência de escrever cria uma consciência dos limites da linguagem, de sua capacidade, sempre insuficiente, de cobrir a realidade e a vida, de figurá-las, de discuti-las. Imagine a argila ou a pedra-sabão. Se você estudasse escultura, poderia conhecer a tradição artística desses materiais; poderia dominar, teoricamente, seus limites térmicos e físicos, sua resistência; saberia com que instrumentos trabalhar cada material. Mas é apenas ao manusear a argila ou a pedra-sabão que você entende de fato seus limites e pode até mesmo, se for um grande artista, distender um pouquinho esses limites.
O mercado do livro se encontra em constante movimento e crescimento. O faturamento das editoras brasileiras em 2022 teve um crescimento de 8,3%, com as vendas aumentando quase 3% em relação ao ano de 2021. A indústria do livro não é feita apenas de escritores, existe uma enorme cadeia de produção que conta com editoras, distribuidoras, livrarias físicas e virtuais, gráfica, diagramadores, ilustradores entre outros.
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Hoje, o/a profissional que deseja ingressar nessa indústria percebe que existem muitas portas se abrindo nesse meio. Para Cristiano, o mercado editorial, pelo menos no que diz respeito a literatura, costumava ser bem fechado e existem muitas produtoras pequenas e médias com bons padrões de produção. Por ser um mercado em constante mudança, existem demandas que exigem profissionais cada vez mais qualificados.
“Temos uma demanda por revisão, arte, diagramação, preparação de originais, entre várias outras funções – e boa parte delas pode ser exercida por quem sai do nosso curso de graduação. Além disso, para quem estuda Escrita Criativa na PUCRS, há possibilidades fora da cadeia produtiva do livro, em alguns mercados que estão em franca ascensão, como o de games e o do audiovisual.”
O curso de Escrita Criativa é um dos pioneiros no Brasil sendo o primeiro tecnólogo de graduação criado na área. Nele, alunos e alunas têm acesso a um ensino que contempla escrita literária, editoração com conteúdo e revisão de texto, planejamento de eventos culturais além de oficinas literárias.
Concedido pela Câmara Brasileira do Livro, o Prêmio Jabuti é considerado um dos mais tradicionais voltados à literatura no Brasil. Em 2021, a PUCRS tem a honra de anunciar que Jeferson Tenório, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Letras, e os egressos do mesmo PPG Natalia Borges Polesso e Samir Machado de Machado foram agraciados em três categorias: Romance de Entretenimento, Romance Literário e Livro Brasileiro Publicado no Exterior.
“O maior prêmio, para mim, é que o meu livro chegue a mais pessoas e que seja lido por elas. Fico extremamente contente em ver que as obras estão sendo utilizadas para iniciar jovens à leitura”, conta Jeferson Tenório, vencedor da categoria Romance Literário com a obra O Avesso da Pele. Nela, o doutorando conta a história de Pedro, um homem que se tornou órfão de pai em uma abordagem policial e que sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.
Samir Machado de Machado, vencedor das categorias Romance de Entretenimento, com o livro Corpos Secos, e Livro Brasileiro Publicado no Exterior, com a obra Tupinilândia, iniciou sua história na PUCRS durante a graduação, em 2000:
“Quando percebi que tinha uma biblioteca como a Biblioteca Irmão José Otão à minha disposição, foi o momento em que, de fato, me tornei um leitor voraz, a caminho de me tornar um escritor – e não imagino que caminho eu teria seguido na vida se não fosse por isso”, relembra.
Sua trajetória enquanto escritor se iniciou aproximadamente no mesmo período, quando participou da Oficina de Criação Literária do professor do curso de Escrita Criativa Luiz Antônio de Assis Brasil. Foi então que ele teve contato com outras pessoas que também possuíam interesse por Literatura. Com alguns deles, montou uma editora pela qual faziam a publicação dos seus trabalhos, o que ajudou a chamar a atenção de editoras maiores. Em 2021, ele concluiu o seu mestrado em Escrita Criativa pela PUCRS, o que fez com que ele se sentisse “mais seguro em relação a algumas questões teóricas que, antes, eu sentia falta ter como bagagem intelectual”, afirma.
Já Tenório, além de mestre pela PUCRS, agora está realizando um doutorado em Teoria da Literatura na Universidade, o que considera fundamental para o desenvolvimento de sua escrita:
“Eu estudo, agora, representações paternas em quatro obras luso-africanas. Compreender a forma como esses personagens são construídos foi fundamental para a criação do Henrique, personagem de O Avesso da Pele”, comenta Tenório.
Na obra, uma doença fatal assola o Brasil e o transforma em uma terra pós-apocalíptica: sem governo, sem leis e sem esperanças. Os sobreviventes tentam cruzar o País em busca de um porto seguro. Samir conta que a obra foi escrita em 2018 e que é apenas uma coincidência o fato de ter sido publicada quando a pandemia se instaurou.
Na história, não se sabe quem foi o primeiro infectado com essa doença, a única certeza é de que o início da epidemia ocorreu no Mato Grosso do Sul. Os doentes tornam-se “corpos secos”: espectros humanos que não possuem mais atividade cerebral, por mais que seus corpos sigam funcionando buscando sangue. Em seis meses, existem poucos sobreviventes, os quais seguirão rumo ao sul do país, buscando um último refúgio. É essa jornada que será narrada.
Identidade, relações raciais, racismo, negritude e violência policial são alguns dos temas que fazem parte da trama dessa obra. Nela, é apresentada a história de Pedro, que perdeu o pai após uma desastrosa abordagem policial. Ele, então, sai em busca sai em busca de resgatar o passado da família e refazer os caminhos paternos.
A história se passa em Porto Alegre e, segundo o autor, a ideia é justamente mostrar a cidade de uma outra perspectiva. “Existe uma segregação muitas vezes não percebida. Policiais se posicionam em locais que são frequentados por pessoas de baixa renda, onde vemos mais negros, enquanto em lugares considerados mais ‘chiques’ isso não é comum”, explica o autor.
No livro, Tupinilândia é o nome dado a um parque de diversões construído em segredo por um industrialista brasileiro na década de 1980, período marcado pela abertura política do Brasil. Ele celebraria o nacionalismo e a nova democracia que se instaurava. Entretanto, em um final de semana em que o parque realizava testes de suas operações, um grupo de militares invade o lugar e faz funcionários e visitantes de reféns.
Duas décadas depois, um arqueólogo recebe autorização para mapear o local, que está prestes a ser alagado pela hidrelétrica de Belo Monte. Ao iniciar os trabalhos, ele descobre um segredo terrível que dará início a uma trama que perpassa a História recente do Brasil e a memória dos anos 1980. Segundo Samir, a sua vontade com Tupinilândia era “escrever uma história de cidade perdida, com todos os clichês naturais ao gênero, mas fazendo com que se curvassem diante da realidade cultural brasileira”.