Um levantamento sobre o papel da escolaridade no mercado de trabalho nas metrópoles do Brasil foi o principal foco da pesquisa elaborada pelo Centro Brasileiro de Pesquisas em Democracia da PUCRS (CBPD), em parceria com a Rede de Observatórios da Dívida Social na América Latina (RedODSAL). O estudo teve como base os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE) no período de 1995 a 2015. Recentemente, a pesquisa teve os seus principais resultados publicados na British Journal of Sociology of Education.
Coordenada pelo pesquisador André Salata, sociólogo e professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS, o levantamento teve como ponto de partida o acentuado aumento da escolaridade da população verificado recentemente nas principais metrópoles brasileiras: a média de anos de estudo da população (entre 25 e 64 anos de idade) saltou de 7,0 para 9,7, e o percentual de pessoas com 12 ou mais anos de escolaridade, por exemplo, subiu de 14% para 27%.
O levantamento verificou que, dada a tendência de expansão educacional das últimas décadas, principalmente no ensino médio. Existem evidências de que o papel cumprido pela escolaridade no mercado de trabalho das principais regiões metropolitanas do Brasil vem se modificando, tornando-se mais posicional (como uma fila de oportunidades) e menos absoluto. Para alcançar os resultados, por meio de modelos estatísticos foram testados os efeitos de duas medidas distintas de escolaridade, uma absoluta e outra posicional, sobre os rendimentos e o status da ocupação dos indivíduos no decorrer das últimas décadas.
Segundo Salata, a questão principal era compreender como o papel da escolaridade no mercado de trabalho se comporta em um contexto de substantiva expansão educacional, como aquele verificado nos últimos anos nas metrópoles brasileiras. “Os resultados trazem evidências de que atualmente, e cada vez mais, o que importa não é, por exemplo, se eu tenho 8, 11 ou 12 anos de estudos completos; mas sim qual a minha escolaridade em comparação às demais pessoas que estão disputando comigo os recursos e as oportunidades distribuídos pelo mercado de trabalho”, enfatiza.
Conforme aponta o estudo, ter ensino médio completo, por exemplo, colocaria o indivíduo à frente de 68% da população economicamente ativa em 1995. Já em 2015, este mesmo indivíduo ficaria à frente de somente 37% dos demais. Como resultado, as oportunidades abertas no mercado de trabalho aos indivíduos com este nível de escolaridade, e abaixo dele, sofrem depreciação, estimulando a busca por credenciais cada vez mais elevadas.
Uma ilustração é o caso dos motoristas (taxistas, manobristas, condutores de ônibus, etc.), um grupo ocupacional bastante representativo das classes médias-baixas e populares nas metrópoles brasileiras. Em 1995, mais de 80% dos que atuavam nas principais metrópoles do país tinham, no máximo, ensino fundamental completo, e 16% tinham ensino médio (completo ou incompleto). Em 2015, havia apenas 30% na primeira faixa, e já eram mais de 50% com ensino médio (completo ou incompleto). “Conforme a escolaridade da população se expande, aqueles que não chegam aos níveis mais elevados vão sendo empurrados para ocupações de menor nível socioeconômico”, comenta Salata.
Assim, diante da expansão educacional, se torna cada vez mais necessário chegar aos níveis mais elevados de escolaridade, como concluir o ensino superior, a fim de garantir acesso às posições mais valorizadas no mercado de trabalho. “O que detectamos é que, diante desta expansão educacional, há um componente posicional da educação que vem se tornando mais relevante que seu componente absoluto no decorrer das últimas décadas. Como consequência, do ponto de vista individual a necessidade de obter qualificações mais elevadas é cada vez maior. E assim, por exemplo, é preciso ter níveis de escolaridade mais altos, como concluir o ensino superior, adicionar uma especialização, uma pós-graduação, um mestrado ou um doutorado etc., para conseguir manter sua posição ou avançar nessa fila”, frisa.