Pesquisadora da Escola de Direito traz esclarecimentos sobre o tema
O cyberbullying surgiu como uma evolução do bullying, consistindo na prática deste no ambiente virtual/ Foto: Giordano Toldo
O bullying é uma prática extremamente nociva e, infelizmente, bastante comum entre crianças e adolescentes em ambientes de convivência dessas faixas etárias, como escolas. O bullying consiste basicamente em perseguição, humilhação e agressão sistemáticas contra um indivíduo. Porém, com o avanço da internet e das redes sociais, principalmente entre os mais jovens, contribuiu para que se originasse um tipo mais específico dessa prática: o cyberbullying.
O cyberbullying nada mais é do que as práticas do bullying cometidas em espaços virtuais, como redes sociais e aplicativos de mensagens, e já apresenta números alarmantes: segundo uma pesquisa realizada em 2022, pela McAfee Corp, 22% das crianças e adolescentes brasileiros admitiram já ter praticado cyberbullying com alguém conhecido – número que se assemelha à média global, que é de 21%.
Regina Linden Ruaro, professora e pesquisadora da Escola de Direito da PUCRS, realiza estudos acerca da temática do cyberbullying e de como este é tratado no meio jurídico: “Nossas pesquisas abarcam o aspecto do direito constitucional pelo princípio da dignidade da pessoa humana, pelo livre desenvolvimento da personalidade, pela proteção da intimidade, privacidade e dos dados pessoais seus contornos e consequências pela infringência”, explica ela. Conversamos com a docente para entender mais sobre o cyberbullying e como combatê-lo.
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Conforme reitera a pesquisadora, o bullying começou a evoluir para o cyberbullying a partir do surgimento da internet, das redes sociais e dos smartphones. Ela ainda acrescenta que há alguns fatores que agravam o problema, como:
Uma das principais diferenças do cyberbullying em relação ao bullying convencional é que o primeiro não se limita a um espaço físico, sendo próprio de ambientes virtuais. O bullying praticado em escolas, por exemplo, costuma ter seu combate delegado à própria instituição e às famílias. Na esfera do cyberbullying, a escola também pode agir.
Combate ao cyberbullying também é dever da escola/ Foto: Unsplash
“Muitas vezes, a prática se origina por fatores que vêm do interior da escola. Assim, apesar de não poderem vigiar os e-mails e smartphones, deve-se adotar políticas de prevenção através de medidas educativas. Além disso, a escola também deve fazer a apuração dos casos que são levados a seu conhecimento ou onde haja a suspeita que determinado/a aluno/a esteja sofrendo bullying ou cyberbullying, sob pena de ser responsabilizada na forma da Lei caso não o faça”, esclarece.
Ela pontua que há outros respaldos na lei, como o Art. 932, que diz que “são também responsáveis pela reparação civil, inciso IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos”.
No caso de escolas, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) bem como o que dispõe o código civil no acaso da responsabilidade a qual se apresenta a culpa pela falta de vigilância e da adoção das medidas capazes de evitar ou corrigir. Há quem defenda também a responsabilidade prevista no artigo 37, § 6º da Constituição Federal no que concerne às Escolas Públicas.
GRADUAÇÃO PRESENCIAL
É notório que o bullying possui consequências extremamente nocivas para quem sofre com ele, como a sensação de menosprezo por si mesmo/a, impacto na vivência prática do dia a dia e prejuízo no livre desenvolvimento da personalidade. Mas o que leva essa prática a ser cometida? O cyberbullying, bem como a do bullying em geral, se dá quando os “valentões”, ou “bullies” querem se impor, muitas vezes para se colocarem como os mais fortes de um grupo, e querem fazê-lo por meio da violência, ultraje, difamação e calúnia reiterada, por exemplo. Para Ruaro, são pessoas que têm sentimentos negativos dentro de si e, ao invés de dialogar, preferem transformá-los em violência. Nesses casos, os jovens sabem o que estão fazendo, mas nem sempre é o caso.
“Algumas vezes os jovens não têm consciência da prática. Em outras, apesar de constatarem que estão causando violência e sofrimento, não se importam com o sentimento do/a colega. Há também a falta de conhecimento da repercussão legal para os próprios jovens, seus pais ou responsáveis e escola. Muitos jovens acreditam que estão apenas ‘zoando’ com o/a colega”, pontua.
No que se refere ao combate ao cyberbullying na esfera da lei, a professora afirma que já há movimentos em relação às plataformas digitais para regular a responsabilidade e as medidas impeditivas da proliferação da violência. Em sua pesquisa, a docente atesta que, de fato, devem ser adotadas as medidas previstas na Lei 13.185/15, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, e conceitua o bullying e o cyberbullying, afinal, é necessário reprimir as práticas com a utilização dos mecanismos que a atual legislação prevê.
A lei possui recursos para aplicar as devidas penalidades contra quem pratica cyberbullying, afirma Regina Linden Ruaro, docente da Escola de Direito/ Foto: Arquivo pessoal
“Associado a isto, está o fato de que a internet não é terra sem lei e, enquanto não houver uma legislação específica punitiva no âmbito do mundo virtual, se é que há essa necessidade, pois ainda não chegamos a uma conclusão, a legislação atual nos crimes contra a honra se aplica”, acrescenta ela.
Quanto às penalizações, Ruaro explica que elas podem ser tanto penais quanto civis. Embora não haja uma lei específica para a repressão do cyberbullying, pode ser aplicado o código penal, na incidência dos crimes de ameaça ou grave ameaça, injúria, injúria grave, injuria racial, difamação, calúnia e perseguição (stalking). Já no âmbito civil, há a aplicação de incidência de dano moral ou material e a consequente responsabilidade. Os procedimentos da Justiça variam dependendo de fatores como: se a esfera for penal ou civil e se o jovem for maior de idade ou não.
A professora também dá algumas dicas de como conduzir o assunto com os jovens, a fim de prevenir práticas e efeitos nocivos advindos do bullying e do cyberbullying:
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O cyberbullying é um exemplo claro de como a sociedade – e seus problemas – vão se transformando com o avanço das novas tecnologias. A resolução desses problemas modernos exige profissionais inovadores e conectados com a realidade atual. A graduação em Direito da PUCRS proporciona aos/as alunos/as uma experiência única, multidisciplinar e conectada com as necessidades do mercado atual. Por meio do desenvolvimento de competências técnicas e humanas, o curso prepara os/as estudantes para atuar nas mais diversas áreas e resolver problemas complexos e reais da atualidade.
Cyberbullying: comportamento agressivo, intencional e repetitivo que é realizado por meios eletrônicos por um agressor ou um grupo de agressores contra uma vítima que apresenta dificuldade em se defender. É assim que Caroline Mallmann, psicóloga e mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Humanidades da PUCRS, define a palavra que norteou sua dissertação de mestrado. O trabalho foi orientado pela professora Carolina Lisboa, coordenadora do grupo de pesquisa Relações Interpessoais e Violência: Contextos Clínicos, Sociais, Educativos e Virtuais (Rivi), e teve como tema Cyberbullying, estratégias de coping e esquemas iniciais desadaptativos em adolescentes. No estudo, que envolveu 273 jovens entre 13 e 18 anos, Caroline constatou que 58% destes já haviam vivenciado a situação.
Responderam à pesquisa 133 meninas e 140 meninos. As adolescentes que afirmaram já terem participado de situações de cyberbullying somam 64,7%, número superior ao dos meninos, que totalizam 51,4%. Mas nem todos são apenas vítimas. A psicóloga esclarece que existem três papéis nos episódios de bullying virtual. Os envolvidos podem ser vítimas, agressores ou vítimas-agressores. Do total de adolescentes analisados, 35% integram o terceiro grupo, 13% são vítimas e 10% são agressores. Para a terapeuta, este número traduz a dificuldade das pessoas em admitir que fizeram algo errado. Além disso, o grupo de vítimas e vítimas-agressores utilizam a estratégia de fuga. “Eles tentam não pensar na situação e fazem outras coisas, como dormir demais, comer excessivamente e utilizar drogas”, exemplifica. Caroline também identificou que as vítimas-agressores são mais velhas do que os não envolvidos. Eles têm uma média de 15 anos, enquanto os jovens que não participaram têm, em média, 14 anos.
Para reunir dados conclusivos, ela visitou três escolas públicas, duas em Porto Alegre e uma em Taquari, município localizado a 100 km da Capital. Como diz o título da tese, a pesquisadora utilizou as estratégias de coping e esquemas iniciais desadaptativos para estudar o cyberbullying. Coping é uma técnica utilizada pelo ser humano para lidar com situações difíceis. Esquemas iniciais desadaptativos são padrões de interpretação e de processamento de eventos e informações que revelam a imagem que as pessoas têm de si mesmas e dos outros. “É um padrão rígido, distorcido, generalizado e acaba causando sofrimento para o indivíduo”, diz a psicóloga.
Dentro desse conceito de esquemas iniciais desadaptativos, Caroline trabalhou com definições do autor norte-americano Jeffrey Young. Ele divide os esquemas em cinco domínios principais: desconexão e rejeição (medo de ser abandonado e sentimento de inferioridade); autonomia prejudicada (sentimento de incapacidade de vencer os desafios do dia a dia); limites prejudicados (dificuldade com o cumprimento de regras); direcionamento ao outro (indivíduos que priorizam as necessidades do próximo em detrimento das próprias); hipervigilância e inibição (visão crítica sobre as coisas, necessidade de perfeição).
Os tratamentos ainda são incipientes, visto que é um tema recente. Mas, segundo a psicóloga, o que é feito nos casos de bullying tradicional pode ser utilizado no cyberbullying. “É importante que não exista apenas uma preocupação com o tratamento, mas com a prevenção. As escolas e os pais precisam mostrar aos adolescentes como identificar os casos para evitar que eles realizem atos agressivos via internet ou compactuem com agressões iniciadas por outra pessoa”.
Ela afirma que a melhor maneira de prevenir é estar atento. “Muitas vezes os pais não identificam pois não supervisionam. Por isso, é importante ter um vínculo pautado no diálogo. Se for uma relação punitiva, o adolescente não vai querer falar sobre o que está acontecendo com receio de retaliações, como a proibição do uso da internet”, esclarece Caroline.
Em sua dissertação de mestrado pela PUCRS, Caroline também buscou entender o que os jovens envolvidos pensam a respeito deles mesmos e como eles agem diante do cyberbullying. Ela acredita que os dados poderão colaborar na elaboração de tratamentos no futuro.