bronquiolite

Estudo orientado pela professora Ana Paula Duarte Souza faz parte do trabalho da pós-doc da estudante Krist Helen Antunes / Foto: Jonathan Heckler

O termo microbiota intestinal refere-se à população de micro-organismos, como bactérias, vírus e fungos, que habita todo o trato gastrointestinal, e tem como funções manter a integridade da mucosa e controlar a proliferação de bactérias patogênicas. Pesquisadores da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS identificaram na microbiota intestinal um composto com potencial para reduzir os impactos à saúde causados pelo Vírus Sincicial Respiratório (VSR) – principal agente envolvido em infecções do trato respiratório inferior, em especial a bronquiolite, nas crianças de até dois anos.

Os estudos fazem parte do trabalho da pós-doc do Pós-Graduação de Pediatria e Saúde da Criança Krist Helen Antunes e contou com orientação da professora Ana Paula Duarte de Souza e co-orientação do professor Marco Aurélio, da Unicamp. O projeto teve apoio da Fapergs e Fapesp e seus resultados mais recentes foram divulgados na revista eBioMedicine do grupo The Lancet Discovery Science.

A pesquisa descreve que o acetato de sódio tem efeito antiviral contra o VSR. O resultado é fruto de diversas etapas que envolveram diferentes pesquisadores, como o professor Renato Stein, da Escola de Medicina, e os professores da Escola de Ciências da Saúde e da Vida Pablo Machado, Cristiano Bizarro e Luiz Augusto Basso, além de estudantes do Programa de Pós-Graduação em Pediatria Saúde da Criança e de Iniciação Científica da PUCRS.

“Os resultados dessa pesquisa abrem portas para futuros estudos de intervenção da microbiota para aumento dos níveis de ácidos graxos de cadeia curta como o acetato possa ter benefício no tratamento e prevenção da bronquiolite causada pelo VSR. Esse vírus é muito prevalente e não existe vacina ainda liberada para uso”, destacou a pesquisadora Ana Paula Duarte.

Estudo identificou redução da carga viral

A pandemia de Covid-19 mudou o cenário de quase todas as outras infecções respiratórias virais, levando transitoriamente a uma grande diminuição de casos. Isso ocasionou, hoje, um surto de bronquiolite por VSR. Esses picos de infecções fora da temporada apresentam uma ameaça para bebês suscetíveis, o que reforça a necessidade de intervenções preventivas novas e acessíveis.

Inicialmente, os pesquisadores usaram diferentes estratégias para alterar a microbiota intestinal em camundongos. Posteriormente, os estudos evoluíram para a coleta de amostras do vírus de crianças atendidas no Hospital São Lucas da PUCRS. Esses vírus isolados foram então aplicados em culturas de células tratadas previamente com acetato. Com esse tratamento, foi possível perceber que o acetato diminui a carga viral do VSR em mais de 88%.

Os avanços da pesquisa também possibilitaram notar que, com a evolução da bronquiolite, descobriu-se que uma maior concentração de acetato estava associada a uma menor gravidade do quadro. Os bebês apresentavam maior saturação de oxigênio – um marcador de preservação da capacidade respiratória – e um menor número de dias com febre.

Para consolidar seus achados, a equipe coletou células das vias respiratórias superiores das crianças examinadas nessa etapa, que já estavam infectadas. Já no laboratório, essas células foram tratadas com acetato. E, de novo, houve redução da carga viral e maior atividade de moléculas antivirais. Além disso, foi notado que este efeito do acetato é específico para o VSR, pois não foi encontrado em pacientes com Covid-19.

Foto: Myriam Zilles/Pixabay

Foto: Myriam Zilles/Pixabay

Um estudo publicado recentemente na Revista Nature Communications demonstrou que uma dieta rica em fibras protege contra infecção pelo vírus sincicial respiratório grave (VSR), um dos principais causadores de bronquiolite em crianças menores de dois anos de idade. Atualmente não existem tratamentos ou medidas preventivas para enfrentar essa doença. A pesquisa, realizada em camundongos, faz parte do trabalho de doutorado da aluna Krist Antunes, do Programa de Pós-Graduação em Pediatria e Saúde da Criança da PUCRS, e teve orientação da professora da PUCRS Ana Paula Souza, com colaboração dos professores Renato Stein, da PUCRS, e Marco Vinolo, da Unicamp, além pesquisadores associados da Argentina e dos Estados Unidos.

As fibras, após ingeridas, geram a produção de ácidos graxos de cadeia curta no intestino, principalmente acetato, propionato e butirato. Em um dos experimentos, feito de maneira preventiva, os pesquisadores colocaram acetato na água de beber de camundongos por três semanas, e após, infectaram os animais com o VSR. Em outro teste, considerado terapêutico, primeiro infectaram o roedor com o vírus e, após, deram água com acetato como tratamento. Nos dois casos, tanto na prevenção quanto no tratamento, houve a diminuição da carga viral e dos sintomas causados pelo vírus, como perda de peso e inflamação nos pulmões.

Os pesquisadores também fizeram o experimento diretamente com fibras, incluindo-as na ração dos animais, e, do mesmo modo, os resultados foram muito positivos no sentido de proteger os animais da infecção pelo vírus. Para as testagens foi utilizada também uma dieta rica em carboidratos e com zero fibras: “Interessante ressaltar que o animal que ingeria a dieta zero fibras ficava muito pior, os sintomas eram bem mais severos em comparação aos que tinham acesso à dieta controle”, afirma Krist.  “ É a primeira vez que esse mecanismo é descrito:  uma substância que a nossa própria microbiota produz, que é o acetato, nos protege mediando uma resposta anti-viral contra uma infecção respiratória. Essa é a grande novidade do estudo”, relata Ana Paula.

Coleta de dados em bebês

Em uma segunda etapa do estudo, foi avaliado o nível de ácidos graxos de cadeia curta nas fezes de bebês menores de um ano infectados com o VSR, internados no Hospital São Lucas da PUCRS. Os resultados preliminares mostraram que as crianças que têm menos ácidos graxos de cadeia curta nas fezes são aquelas que ficam mais tempo hospitalizadas e necessitam de suporte de oxigênio por períodos maiores. “Esses dados nos indicam que os bebês que fazem os quadros mais graves de bronquiolite têm menor nível desses ácidos graxos no organismo” confirma Ana Paula.

Reflexo da mudança de padrão alimentar do brasileiro              

Krist lembra que o padrão alimentar mudou muito e que o consumo de fibras caiu bastante: “As diretrizes dizem que temos que consumir 25 gramas por dia e o brasileiro consome somente 15 gramas”. Ela alerta que as fibras alimentares solúveis, que levam à produção de acetato, estão presentes em frutas como maçã (principalmente na casca) e na laranja, em maior quantidade na parte branca.

Próximos passos

Para que a pesquisa comece e ser realizada em humanos são necessários ainda muitos passos, como estudos dos dados de segurança e protocolos, o que demanda, além de tempo, apoio financeiro. Renato Stein, que também é médico pneumopediatra, diz que a intenção é pesquisar, no futuro, formas de proteção para a gestante, já que o VSR atinge principalmente bebês desde o início da vida: “Queremos saber se mudando a dieta da gestante ou dando um suplemento que aumente os níveis de ácidos graxos de cadeia curta haverá benefícios para o bebê”, afirma. Os primeiros testes devem ser realizados em modelo animal.

 

Bebê

Foto: Echo Grid/Unsplash

Estudo coordenado pela professora Ana Paula Duarte de Souza, da Escola de Ciências da Saúde, busca entender a relação entre uma dieta rica em fibras solúveis (prebióticos) e a severidade da bronquiolite viral aguda causada pelo vírus sincicial respiratório (VSR) em crianças nos primeiros anos de vida. Alternativas naturais têm sido estudadas para prevenir esse tipo de doença. Os bebês recebem as fibras solúveis do leite materno ou das fórmulas lácteas. Elas também são encontradas na aveia, soja, ervilha, lentilha, aipim, maçã, beterraba e cenoura.

As bactérias intestinais fermentam os prebióticos, que resultam em ácidos graxos de cadeia curta (AGCCs), como acetato, propionato e butirato, que podem ser uma alternativa de baixo custo para os pacientes do Sistema Único de Saúde, reduzindo tempo de internação e demais custos.

“A grande prevalência desse vírus e a sua influência nos desfechos de doenças respiratórias pediátricas impõem grandes desafios aos profissionais de saúde e demandam mais atenção em programas estratégicos do Ministério da Saúde”, afirma Ana Paula. Atualmente não há vacina disponível contra a bronquiolite e, apesar de haver tratamento baseado no uso de Palivizumabe, as alternativas para atenuar a gravidade da doença causada por VSR são limitadas.

 

Metodologia da pesquisa

A pesquisa vai medir os níveis de ácidos graxos de cadeia curta nas fezes de 52 crianças internadas no Hospital São Lucas e avaliar os desfechos relacionados com a gravidade de bronquiolite causada pelo VSR, como tempo de internação, uso de oxigenoterapia e sibilância (ruído característico de doença respiratória). Participarão pacientes nos primeiros seis meses de vida que apresentem infecção respiratória confirmada que chegarem na emergência do Hospital. As primeiras coletas serão em abril de 2018, com a chegada do frio. Será feito um questionário com as mães que amamentam para identificar a quantidade de fibra ingerida. “Esperamos encontrar uma associação negativa entre os níveis de ácidos graxos nas fezes e a gravidade da bronquiolite, sugerindo que a suplementação com fibras possa melhorar o quadro clínico”, destaca a professora.

 

Participantes

O projeto recebe financiamento do Programa Pesquisa para o SUS. Participam a nutricionista Krist Helen Antunes e a farmacêutica Deise do Nascimento, doutorandas do Programa de Pós-Graduação em Pediatria e Saúde da Criança. Além disso, a pesquisa conta com a colaboração de pediatras e professores da Escola de Medicina (Renato Stein, Marcus Jones e Matias Epifanio) e do pesquisador da Unicamp Marco Aurélio Vinolo.

 

Saiba mais

bebê

Foto: Aditya Romansa/Unsplash

O vírus sincicial respiratório é um agente patogênico sazonal responsável pela maior percentagem de bronquiolite viral em paciente pediátricos, levando a 190 mil mortes anuais entre crianças menores de 5 anos em todo o mundo. Os custos com hospitalizações de bebês até 2 anos e com bronquiolite causada por VSR ultrapassam U$ 1,7 bilhão anuais. No Brasil, segundo o informe epidemiológico do Ministério da Saúde, até abril de 2017, existia um predomínio de VSR (80%) entre os outros vírus que não influenza na causa da síndrome respiratória aguda grave em UTI. Evidências sugerem que a infecção por VSR em bebês favorece o desenvolvimento de sibilância durante a infância tardia e asma ao longo da vida.

Fonte: Ana Paula de Souza