A quarta edição do Boletim Desigualdade nas Metrópoles levantou dados preocupantes sobre os efeitos que a pandemia da Covid-19 provocou, ao longo de um ano, no que diz respeito à renda e sua distribuição entre os moradores e moradoras das metrópoles.
Segundo o estudo, elaborado pelo Observatório das Metrópoles, em parceria com a PUCRS e com o Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL), quase 30% das pessoas estão vivendo em domicílios com renda per capita do trabalho inferior a um quatro do salário mínimo nas metrópoles brasileiras.
A pesquisa também revela que a renda média regrediu ao patamar de 2012 e que a desigualdade atingiu o nível mais alto já registrado na série histórica, que utiliza dados provenientes das PNADs Contínuas, produzidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Com os dados referentes ao primeiro trimestre de 2021, neste 4º boletim os pesquisadores tiveram condições de analisar o que ocorreu nas regiões metropolitanas ao longo de quatro trimestres, desde o início da pandemia da Covid-19 no Brasil.
Para Andre Salata, professor da Escola de Humanidades da PUCRS e coordenador da pesquisa, os resultados são desanimadores:
“A desigualdade alcançou seu maior nível, a renda regrediu para níveis do início da série, diminuindo especialmente entre os mais pobres, e milhares de famílias caíram para estratos de rendimento extremamente baixos. Os números que trazemos expressam o que qualquer morador destas regiões percebeu ao longo do último ano, com o aumento sensível do número de pedintes, desempregados, vendedores ambulantes e pessoas e famílias em situação de vulnerabilidade”.
Ele complementa que, em um cenário de diminuição acentuada da renda média e de uma piora substantiva na sua distribuição, o resultado não poderia ser diferente, fazendo milhares de famílias caírem para estratos de rendimentos mais baixos.
De acordo com o IBGE, aproximadamente 40% da população brasileira, ou mais de 80 milhões de pessoas, vivem em regiões metropolitanas. “O peso demográfico, político e econômico destas regiões é conhecido, assim como os enormes desafios sociais que nelas se apresentam”, ressalta o relatório.
De acordo com os dados levantados pelo estudo, o percentual de pessoas vivendo em domicílios com renda per capita do trabalho menor que um quarto do salário mínimo, no conjunto das metrópoles, era de 20,2% no início da série histórica, em 2012. Já no primeiro trimestre de 2020 chegava a 24,5%. E, apenas um ano depois, no 1º trimestre de 2021, alcançou o patamar de 29,4%. Em termos absolutos, isso significa que em apenas um ano o número de pessoas nessa situação passou de 20.230.528 para 24.535.659.
Os dados mostram que no primeiro trimestre de 2021 a média móvel do coeficiente de Gini nas Regiões Metropolitanas, que mede a desigualdade de rendimentos do trabalho (quanto mais alto o valor, maior a desigualdade) atingiu seu maior valor na série histórica, chegando a 0,637. No primeiro trimestre de 2020, antes da Covid-19, a média do Gini era de 0,608.
Conforme Salata, o aumento das desigualdades no Brasil, mais especificamente nas metrópoles, já vinha ocorrendo desde 2015. “No último ano, no entanto, há um enorme salto nessa desigualdade. Enquanto no início de 2020 os 10% do topo da distribuição de renda ganhavam, em média, 29,6 vezes mais do que os 40% da base da distribuição de renda em nossas metrópoles, agora eles ganham 42,3 vezes mais”, afirma Salata.
Na Região Metropolitana de São Paulo, essa vantagem dos mais ricos/as salta de 31,5 para 42,5 durante a pandemia. Já na Região Metropolitana do Rio de Janeiro o número subiu de 35,6 para 74,6. Na Região Metropolitana de João Pessoa a situação é ainda mais grave: o salto foi de 50,8 para 99,8.
A pesquisa mostra ainda, que para o estrato dos 40% mais pobres, o rendimento médio do trabalho caiu 33,4% no conjunto das metrópoles, entre o 1º trimestre de 2020 e o 1º trimestre de 2021. Para os 50% de renda intermediária a queda foi de 7,6%. E para o estrato de renda dos 10% do topo da distribuição a queda foi de 4,8%.
Portanto, apesar de ter ocorrido redução de rendimento em todos os estratos de renda, a queda foi muito mais pronunciada para os mais pobres. Em geral, considerando todos os estratos, houve queda de 8,5% do rendimento médio no conjunto das Regiões Metropolitanas, que passou de R$ 1.423,93 para R$ 1.302,79. Essa queda fez a renda média retornar ao patamar do início da série, no ano de 2012.
“Nesse sentido, o auxílio emergencial continuará cumprindo um papel fundamental por mais alguns meses, até que se façam sentir os efeitos do avanço da vacinação e de um eventual aquecimento do mercado de trabalho, que deveria ser induzido pelo governo”, complementa Salata.
Uma pesquisa desenvolvida pela PUCRS, pelo INCT – Observatório das Metrópoles e pelo Observatório da Dívida Social na América Latina (RedODSAL) mostra que a taxa de pobreza no conjunto das regiões metropolitanas caiu de 19% para 16% entre 2019 e agosto de 2020. Porém, sem os auxílios emergenciais, teria subido para 28%. Em 2019, havia 15.698.435 indivíduos em situação de pobreza no conjunto das regiões metropolitanas e, em agosto de 2020, eram 13.279.156. Na ausência dos auxílios emergenciais, entretanto, seriam 23.365.591 pessoas em situação de pobreza em agosto de 2020 nas metrópoles do país. As informações completas constam no segundo Boletim – Desigualdades nas Metrópoles, lançado trimestralmente. Clique aqui para baixar o documento na íntegra.
O estudo mostra que se não fossem esses auxílios, a taxa de pobreza teria aumentado significativamente em todas as regiões metropolitanas. Em agosto de 2020, por exemplo, seriam a valores como 51%, em Macapá; 50%, em Manaus e 46%, na Grande São Luís. A extrema pobreza, por sua vez, chegaria a 22,7% em Macapá, 21,3% em Manaus, 18% em Aracaju e 16,9% em Salvador. A partir desses números, é possível compreender que os auxílios emergenciais tiveram um importante papel em evitar uma situação crítica nas metrópoles brasileiras.
A pesquisa também mostra que a desigualdade de renda nas regiões metropolitanas do Brasil teve uma redução de 11% considerando todas as fontes de rendimento dos indivíduos que moram no País. Essa queda se deve à implementação de auxílios emergenciais durante a pandemia. Caso não houvesse esses auxílios, a desigualdades teria aumento 4%.
A pesquisa utilizou o Coeficiente de Gini como método para medir o grau de distribuição de rendimentos entre os indivíduos de uma população, variando de zero a um. O valor zero representa a situação de completa igualdade, em que todos teriam a mesma renda. Já o valor um representa uma situação de completa desigualdade, em que uma só pessoa deteria toda a renda. Dessa forma, é possível comparar a desigualdade de renda entre dois momentos ou locais a partir desse coeficiente.
Segundo o professor do programa de pós-graduação em Ciências Sociais da PUCRS e um dos coordenadores do estudo André Salata, é importante reconhecer que os auxílios cumpriram com sua função de proteger os mais pobres nesse momento de crise, uma vez que a desigualdade e a pobreza diminuíram e sua renda chegou inclusive a aumentar.
Pela média do coeficiente de Gini das Regiões Metropolitanas no Brasil, a desigualdade de renda caiu de 0,538 para 0,477 entre o ano de 2019 e agosto de 2020. Considerando todas as fontes de rendimento, a redução foi de 11,3% devido aos auxílios emergenciais. Realizando um comparativo, se não tivesse acontecido esses implementos de renda, a desigualdade teria aumentado em 4%. A diferença entre o que de fato ocorreu (queda da desigualdade) e o que poderia ter acontecido (aumento da desigualdade) é de 17,3%.
No conjunto das metrópoles, a variação de rendimentos dos 40% mais pobres foi de +4% entre o ano de 2019 e agosto de 2020. Sem os auxílios emergenciais, teriam sofrido uma perda de -32% em sua renda.
Por outro lado, a maioria da população sofreu uma queda expressiva em seus rendimentos. “A redução que verificamos nas desigualdades não se traduz em maior bem-estar para a maioria da população, mas sim a um nivelamento por baixo. E, portanto, não há quase nada a comemorar, a não ser o sucesso em evitar que os estratos mais vulneráveis fossem brutalmente atingidos pela crise, o que só foi conseguido em função dos auxílios emergenciais”, destaca.
No Boletim – Desigualdades nas Metrópoles constam microdados extraídos de pesquisas domiciliares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Excepcionalmente, nesta edição, foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADc) de 2019 e da PNAD-Covid-19 de agosto de 2020 da qual foi possível analisar de modo mais completo como andam as desigualdades das 20 regiões metropolitanas do Brasil em meio à crise provocada pela pandemia. Nos próximos boletins, o grupo voltará a utilizar os dados da PNADc de base trimestral.
A pesquisa também mostrou que no conjunto das regiões metropolitanas, em agosto de 2020 40,4% dos domicílios receberam auxílios emergenciais; nesses domicílios, os auxílios correspondiam, em média, à 43,2% dos rendimentos totais; e em 31,1% destes domicílios os auxílios representavam mais da metade dos rendimentos. Com efeito, nas metrópoles brasileiras há um enorme contingente de pessoas para as quais os auxílios emergenciais têm sido de suma importância para enfrentar a crise provocada pelo coronavírus.
Nesse sentido, Salata destaca que, diante da perspectiva de encerramento do auxílio emergencial do Governo Federal, é importante que a sociedade brasileira discuta medidas de proteção aos mais pobres. “A pandemia ganhou novo fôlego nas últimas semanas, e o cenário econômico que se anuncia não é muito positivo. Assim, a renda do trabalho ainda deve demorar para se recuperar, e será preciso continuar protegendo a população mais vulnerável para evitar uma situação ainda mais preocupante”, conclui o professor.
Até o dia 31 de agosto de 2020 (mês de referência deste estudo), havia, aproximadamente, 4 milhões de casos acumulados de Covid-19 no Brasil, resultando em mais de 121 mil óbitos. Com o intuito de atenuar as crises sanitária, econômica e social resultantes da pandemia do novo coronavírus, diferentes medidas foram adotadas pelo Governo Federal e, também, por cada uma das Unidades da Federação. Entre as iniciativas destaca-se a implementação de auxílios emergenciais.
Publicada em abril de 2020, a Lei de n. 13.982/2020 estabeleceu o pagamento de três parcelas de R$ 600, tendo sido posteriormente prorrogado por mais dois meses, totalizando cinco parcelas com o valor inicialmente estabelecido. Já em setembro, foi anunciado o pagamento de mais quatro parcelas adicionais, até o final de 2020, no entanto no valor de R$ 300.