O Estado brasileiro está sendo julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso da Silva pelas violações dos direitos à integridade pessoal (art. 5 da Convenção Americana), às garantias judiciais (art. 8) e à proteção judicial (artigo 25). O país pode, ou não, ser condenado pela violação de Direitos Humanos em relação à morte do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, ocorrida em um conflito agrário em 1997. Uma audiência pública de instrução e julgamento, na sede da Corte em San José da Costa Rica, está marcada para às 9h (horário local) do dia 8/2 e será transmitida ao vivo pelo YouTube.
Neste dia serão ouvidas testemunhas indicadas pelas partes e o perito Aury Lopes Júnior, professor titular do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS (PPGCCrim), autoridade em Direito Processual, que foi indicado pelo Estado para depor sobre o ordenamento penal e processual penal brasileiro, em particular as normas e a jurisprudência sobre concurso de pessoas, garantias penais e regras de citação.
O docente da Escola de Direito da PUCRS, que é autor de uma série de obras jurídicas sobre o direito processual penal, comparecerá na qualidade perito técnico indicado pelo Brasil. Aury fará uma explicação do funcionamento do sistema judicial brasileiro, analisando o funcionamento dele no caso concreto e submetendo-se aos questionamentos dos membros da Corte e das partes envolvidas no caso.
O professor destaca que a convocação e a experiência são de extrema importância porque destacam a relevância não apenas de sua trajetória, mas do PPGCrim e do ensino de Direito na PUCRS:
“É uma experiência muito importante por ser um julgamento numa Corte Internacional de Direitos Humanos, que é uma das temáticas que trabalhamos na graduação e na pós-graduação da PUCRS. O Brasil está submetido à Corte Interamericana e ao Pacto de São José da Costa Rica e já foi julgado em outros casos, inclusive condenado. A primeira condenação do Brasil por violação de direitos humanos foi no caso Damião Ximenes Lopes. Então, agora nós temos mais um momento importante, pois esses julgamentos acabam refletindo, em caso de uma condenação, por exemplo, em mudança de postura do país em relação à eficácia de direitos humanos e direitos fundamentais”, destaca.
Sobre o caso específico, explica que uma pessoa foi morta em um conflito agrário e a família entende que não houve um julgamento devido e que não houve a tutela dos direitos da vida, além de o processo ter demorado demais.
“Existiu uma investigação, existiu um processo e os suspeitos foram acusados, julgados e, no final, absolvidos. Então, o Brasil entende que cumpriu seu papel fazendo um devido processo. Qual é o meu papel nisso tudo? Eu estou sendo enviado como um perito no funcionamento do sistema judiciário. Vou lá como professor, técnico, para explicar para a corte como é que funciona o processo penal brasileiro e, especificamente, fazer uma avaliação se, neste caso, o processo se desenvolveu de forma correta, se o Brasil fez um julgamento justo”, ilustra.
Em caso de condenação pela Corte, o Estado brasileiro poderá ser obrigado a indenizar os familiares da vítima, bem como implantar diversas medidas tendentes a melhoria do funcionamento do sistema de justiça e também de políticas públicas de prevenção e apuração da violência agrária, combate à impunidade e efetivação da reforma agrária, entre outras.
Em 19 de maio de 1997, no município de São Miguel de Taipu (Paraíba), o trabalhador rural e membro do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Manoel Luiz da Silva foi morto com um tiro em um conflito agrário. Três pessoas estariam diretamente envolvidas na morte do trabalhador rural, sendo que duas delas foram identificadas, acusadas e julgadas no tribunal do júri. O processo tramitou por 16 anos, sendo ambos os acusados absolvidos. Um deles foi submetido a dois julgamentos pelo tribunal do júri. O último julgamento no júri foi em primeiro de dezembro de 2009, tendo havido recursos para o Tribunal de Justiça e a decisão absolutória transitou em julgado em 22/11/2013.
Os familiares da vítima, através da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, da ONG Centro pela Justiça Global e a Dignitatis, denunciaram o Brasil para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (etapa prévia e de admissibilidade), que em 28 de setembro de 2019 emitiu Relatório admitindo a denúncia, entendendo ter havido negligência do Estado brasileiro na investigação e julgamento, denegação de justiça, além da demora excessiva na tramitação do processo. Para os reclamantes, houve omissão da autoridade policial na investigação, que prejudicou a responsabilização dos autores do crime, havendo impunidade. Alegam ainda, que o Estado é responsável pela violação do direito à integridade psíquica e moral dos familiares da vítima.
O professor da Escola de Direito destaca que a experiência vivenciada será histórica e que será, posteriormente, incorporada às aulas da graduação e da pós-graduação na PUCRS.
“Eu compartilho as minhas experiências com estudantes e esta será mais uma delas, um ganho em sala de aula e também para o constante processo de internacionalização da Universidade. Estou indo lá como professor doutor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais, essa é a titulação, é a qualificação que está me levando até lá”, afirma.