No dia 19 de outubro, segunda-feira, às 16h, o Instituto de Cultura promove um bate-papo com o líder indígena, ambientalista e escritor Ailton Krenak e com a ativista, escritora e arte-educadora Vãngri Kaingáng. Com mediação da escritora Julie Dorrico, a conversa é transmitida através do perfil PUCRS Cultura no Facebook e do canal da PUCRS no YouTube – onde fica disponível para acesso posterior.
O evento faz parte da série Ato Criativo, que tem como objetivo aproximar o público de pessoas que criam em diversas áreas da cultura, proporcionando espaços de bate-papo com artistas. Nessa edição, a conversa será voltada para a literatura indígena.
Ailton Krenak nasceu em 1953, em Minas Gerais. Líder indígena, ambientalista e escritor, é ativista do movimento socioambiental e de defesa dos direitos indígenas. Organizou a Aliança dos Povos da Floresta, que reúne comunidades ribeirinhas e indígenas na Amazônia, é comendador da Ordem de Mérito Cultural da Presidência da República e doutor honoris causa pela Universidade Federal de Juiz de Fora. É autor de obras como Ideias para adiar o fim do mundo (2019) e O amanhã não está à venda (2020).
Vãngri Kaingáng nasceu em 1980, na terra indígena de Ligeiro, região norte do Rio Grande do Sul. Escritora, ilustradora, artesã e arte-educadora, graduou-se em Ciências Biológicas pela Universidade de Passo Fundo. É ativista social pelos direitos das mulheres e dos povos indígenas. É autora dos livros Jóty, o tamanduá (2010) e Estrela Kaingáng: A Lenda Do Primeiro Pajé (2016).
Julie Dorrico é macuxi. Doutoranda em Teoria da Literatura no Programa de Pós Graduação em Letras da PUCRS e mestra em Estudos Literários, é autora de Eu sou macuxi e outras histórias (Editora Caos e Letras, 2019). Em 2019, recebeu primeiro lugar no Concurso Tamoios/FNLIJ. É idealizadora das páginas @leiamulheresindigenas, @literaturaindigenaro e @literaturaindigenarr no Instagram e do canal Literatura Indígena Brasileira no YouTube.
O fazer artístico perpassa a escuta, a vivência, a intencionalidade de tornar real. Fazer arte no Brasil, na maioria das vezes, é um desafio vencido por poucas pessoas. Entre elas, estão a escritora Conceição Evaristo e o ator Lázaro Ramos, duas figuras que carregam o peso da representatividade, da reinvindicação pela vida e dos sonhos de toda uma nação, que tem cor, sobrenome e estatística.
No terceiro encontro da Série Ato Criativo, do Instituto de Cultura da PUCRS, ambos participaram de uma conversa mediada pelo jornalista Daniel Quadros, ativista do movimento negro e LGBTQIA+, e por Ricardo Barberena, diretor do Instituto de Cultura e professor da Escola de Humanidades da PUCRS. O evento transmitido pelo YouTube e pelo Facebook teve mais de 700 telespectadores simultâneos ao vivo e quase quatro mil participantes no total.
“É preciso comprometer a vida com a escrita.” CONCEIÇÃO EVARISTO.
Quando a escrita está profundamente relacionada com a vida, nasce a Escrevivência. Ela é dinâmica, por vezes solitária, e acontece a partir da observação e da vivência. Não se cria do nada. “Crio porque escutei uma palavra, de algum contexto, porque eu vi um fato, porque as pessoas me contaram alguma coisa, ou porque estou sentido algo”, explica Conceição.
Desde 1995, na época da sua dissertação de mestrado, a palavra Escrevivência tem sido presente nas falas da escritora. O termo é uma referência à experiência de vida da autora e do seu povo, a qual somente o local de fala compreende. “É o desespero de captar uma cena e transformar em palavras, é o meu comprometimento com ela”.
Em diferentes momentos artistas interpretam e encarnam personagens que flertam com situações reais do cotidiano de muitas pessoas. Essa relação entre a vida e a arte é tênue e, para Lázaro Ramos, se mistura. “Eu só vivo porque faço a arte. O que dá sentido à minha vida é a arte. Ela foi responsável por me dar coragem de existir e falar o que eu penso. Foi o que deu sentido de perspectiva para a minha vida. Em um determinado momento eu não sabia que eu podia sonhar, fazer planos, desejar e mais: expressar os meus desejos”, recorda o ator.
Lázaro conta que sempre tenta trazer o racional para dentro de seus trabalhos e, que por ser algo que o mobiliza tanto, às vezes se confunde com a vida real. “Já passei por momentos em que eu interpretava um personagem, chegava em casa e me relacionava da maneira dele e isso não foi bom”.
Uma afirmativa com duas ou mais intenções. Por um lado, Conceição Evaristo foi criada rodeada por muitas palavras, de uma família muito falante, que contava histórias ao mesmo tempo em que sua mãe fazia bonecas caseiras. “O meu texto é muito marcado por essa oralidade”, afirma. Esse cuidado de buscar na expressão popular a essência do que se quer trazer para o texto é um aspecto dessa vivência.
Por outro lado, a expressão também é uma crítica social. Enquanto diversos escritores e escritoras podem afirmar com muito orgulho que aos 12 anos leram Machado de Assis, esse é um privilégio distante da realidade de grande parte da população brasileira. “O destino da Literatura me persegue, a partir desses locais subalternizados, como uma forma de quebrar esse imaginário da escritora que tem que nascer com o livro colado”.
Além disso, ela ressalta que não é necessário muito esforço para entender uma linguagem universal: a do corpo que fala. Através das expressões, um simples resmungo, a mensagem está dada.
De geração em geração, a arte, assim como outros conhecimentos, evolui e acompanha os contextos de seus momentos. O diálogo entre essas diferentes realidades também gera novas soluções.
“Eu me sinto grata à vida. Porque chega aos 73 anos e ter essa oportunidade de dialogar, de saber se sou aceita e recebida com tanto carinho pelos mais jovens, me certifica de que a minha vida valeu e vale a pena. Vocês me certificam de que eu estou seguindo o caminho certo.” CONCEIÇÃO EVARISTO.
Conceição comenta sobre um princípio das culturas africanas com as pessoas de mais idade, de aprender com a experiência e com aconselhamento. Mas também do princípio regendo as sociedades tradicionais africanas, o princípio do tempo espiralado. A mesma referência que se tem com o mais velho, o mais velho tem com o mais novo. Porque, segundo a autora, o mais novo potencializa o mais velho.
Lázaro Ramos ressalta que as suas escolhas não são as mesmas de qualquer outro ator. “Às vezes eu estou tão cansado que eu só queria fazer um personagem cômico, dar risada e me divertir com a plateia. Isso não é uma coisa que acontece constantemente. Porque eu tenho noção de que eu sou uma exceção. Um ator ter as oportunidades que eu tive, com personagens tão variados, de ser respeitado, de ter investimento em mim, não é o que acontece com a maioria dos atores negros no meu País”.
O ator conta que a sua história também foi narrada pelo ativismo que, mesmo não sendo uma posição tranquila, é um local de responsabilidade. “Durante muitos anos a gente falou do ativismo, sem falar nas nossas sensações mais particulares, mais imediatas e mais privadas. A carreira de um artista no nosso País não é estável, não há sucesso e nem fracasso para sempre. Não sei o que acontecerá daqui alguns anos, mas eu tenho certeza de que essa semente que foi plantada lá atrás, na Bahia, no Bando de Teatro Olodum, vai me acompanhar para sempre e será um norte para as minhas primeiras escolhas”, destaca.
Ana Maria Gonçalves, escritora mineira, foi mencionada pela sua fala sobre a importância de ocupar espaços. Lázaro relembrou de um comentário da amiga: “Ana me falou que ela não queria mais saber de representatividade. Ela queria presença!”.
Ser uma referência solitária, uma exceção, é um problema. Existem muitas pessoas talentosas que não têm o seu talento visto e reconhecido, por falta de oportunidades, destaca o ator. “Não quero me sentar nesse lugar de referência e achar que está tudo resolvido. Fora todos os discursos e ódio, da vontade de silenciar, esse processo só vai ser construído quando a gente conseguir dialogar”, acrescenta.
Para Conceição, essa é uma questão que precisa ser trabalhada todos os dias. “O meu primeiro lugar de recepção foi o movimento negro. Então eu acho importante a gente ter cuidado com esse lugar de exceção, dessa representatividade. Se não, a gente fica representando a gente mesmo. É a representação do eu sozinho”.
A hashtag #ConceicaoEvaristoNaABL tomou conta das redes em 2018 quando a escritora decidiu concorrer pela sétima cadeira da Academia Brasileira de Letras, podendo se tornar a primeira mulher negra a ocupar o posto. Mais de 40 mil assinaturas foram coletadas em pouco tempo. O Lázaro, inclusive, também se manifestou nas redes sociais em forma de apoio à campanha.
Conceição afirma que, apesar do resultado, a sua candidatura foi um marco na história da ABL que não será esquecido. A ação ascendeu o debate sobre os espaços que ainda podem e devem ser ocupados por pessoas que refletem a realidade do Brasil e do mundo.
Assista a live completa do terceiro encontro da série Ato Criativo, com a escritora Conceição Evaristo e o ator Lázaro Ramos.