O Brasil é o terceiro país do mundo com maior população de animais domésticos, de acordo com a Associação Brasileira da Industria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). Os dados do primeiro semestre de 2021 apontam que são mais de 139 milhões de bichinhos de estimação presentes no lar de cidadãos brasileiros. Por conta disso, tornou-se mais que fundamental ser discutido como se estabelecem as relações entre os humanos e os animais de estimação.
A decana e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida e do Programa de Pós-Graduação (PPG) em Psicologia Tatiana Irigaray dedicou sua trajetória acadêmica a investigar os aspectos psicológicos na relação humano-animal e outros desdobramentos a partir disso. A docente aponta que existem diversas pesquisas que buscam investigar se o convívio com os animais de estimação proporciona benefícios físicos ou psicológicos para o ser humano, porém o debate é dividido entre os pesquisadores.
“Enquanto alguns estudos relatam que existem benefícios relacionados ao convívio com os animais, outras pesquisas não encontraram esses mesmos benefícios, e algumas ainda sugerem que a presença de um animal pode ser prejudicial para a saúde mental das pessoas”, destaca.
Entre os benefícios encontrados, Tatiana destaca o aumento do bem-estar, autoestima e felicidade, além do papel protetivo dos animais contra a solidão, depressão, ansiedade e estresse. Mas que também existem casos que relatam que os animais estão associados com o aumento dos sintomas de ansiedade, depressão e estresse.
“Diversas pesquisas avaliaram apenas o fato de as pessoas possuírem ou não um animal de estimação, sem considerar as diferenças individuais de cada relação humano-animal”, explica.
Para a docente, as características específicas do indivíduo, como aspectos de personalidade, assim como o modo de interação com o animal, podem ser mais determinantes para a saúde mental das pessoas do que a simples presença do animal.
A mestranda Nathália Saraiva de Albuquerque, do grupo Avaliação, Reabilitação e Interação Humano-Animal (ARIHA) do PPG de Psicologia da PUCRS, contribui para o debate com sua pesquisa intitulada Fatores de personalidade e nível de apego em tutores de cães e gatos. Seu projeto realizou comparações dos fatores de personalidade entre pessoas que possuíam cães ou gatos e os indivíduos que não tinham animais de estimação. Além disso, investigou se existia associação entre fatores de personalidade e nível de apego do tutor pelo animal.
Os principais resultados encontrados mostraram que os participantes que possuíam animais de estimação, independentemente da espécie (cão ou gato), eram mais extrovertidos do que aqueles que não tinham animais. A extroversão engloba o modo como o indivíduo se relaciona com os demais, sendo que pessoas que apresentam uma pontuação maior nesse fator costumam ser mais ativas, comunicativas, sociáveis, otimistas e afetuosas.
Por outro lado, verificou-se que o fator de personalidade neuroticismo, que se refere a uma maior instabilidade emocional, estava relacionado a um maior nível de apego pelo animal. Os indivíduos com uma pontuação alta em neuroticismo possuem maior probabilidade de vivenciar um sofrimento emocional mais intenso, e, geralmente, são mais ansiosos, depressivos e impulsivos.
Como explica a professora Tatiana Irigaray, com a pesquisa pode-se concluir que os tutores que são muito apegados aos seus animais apresentam uma maior vulnerabilidade psicológica. Além disso, ela destaca que, com estes resultados, torna-se evidente que a personalidade do indivíduo é uma variável que deve ser considerada nos estudos que visam a compreensão do vínculo humano-animal.
“A personalidade das pessoas, por exemplo, pode influenciar no modo como o indivíduo interage com o animal e também na forma como ele usufrui das vantagens envolvidas nesse relacionamento. Isso pode explicar por que nem todos os tutores se beneficiam igualmente da convivência com um animal de estimação”, explica.
O grupo de pesquisa ARIHA, sob a coordenação de Tatiana Quarti Irigaray, tem a finalidade de desenvolver atividades de ensino, pesquisa e extensão nos quais aborda diferentes temas relacionados à avaliação e reabilitação psicológica, envelhecimento, saúde mental, aspectos da interação humano-animal e o uso de animais em terapia. O objetivo principal é desenvolver estratégias de avaliação e intervenção que possibilitem ações preventivas e de tratamento.
O Hospital São Lucas da PUCRS (HSL) agora permite a vista de animais de estimação através do projeto Pata Amiga. A iniciativa autoriza que pacientes internados há mais de uma semana recebam a visita de seus cachorros, de acordo com as orientações da instituição e com acompanhamento dos profissionais responsáveis. O objetivo é tornar a experiência e o ambiente hospitalar mais acolhedores e alegres para as famílias que vivem esse momento.
Para os interessados em promover o encontro, o primeiro passo é manifestar o desejo à equipe de enfermagem. A visitação será liberada pelo médico responsável, e depende do quadro de saúde do paciente e da análise de riscos e benefícios individuais. O processo é acompanhado por colaboradores capacitados, de acordo com as combinações realizadas com o grupo. “O contato com os bichinhos vai muito além da companhia que proporcionam. Um pequeno tempo diário dedicado a eles funciona como uma terapia. Brincar e doar amor diminui muito o estresse, e é com este intuito apresentamos o Pata Amiga, pensando no bem-estar dos nossos pacientes”, explica a diretora assistencial da instituição, Simone Ventura.
Entre as ações bem-sucedidas está a visita da cadela Phoebe para sua dona, Marieta Pasqualotti. Segundo os familiares, a iniciativa gerou reflexos positivos tanto para a paciente quando para a pet. “A cadelinha fica muito triste sempre que a mãe precisa internar. Da mesma forma, ela também sente muita falta da sua companheira de quatro patas. São muito apegadas, não desgrudam. Essa notícia nos deixou muito felizes, foi emocionante para a Marieta e para a Phoebe. É um trabalho lindo e só podemos agradecer”, reflete Marilene Pasqualotti, filha de Marieta. De acordo com a enfermeira Roberta Marco, coordenadora do projeto, existem estudos científicos que comprovam os benefícios psicológicos e fisiológicos do contato com os animais para pessoas hospitalizadas. “No HSL, as experiências vêm sendo muito positivas. Temos inúmeros relatos das equipes médicas sobre casos em que a ação trouxe uma grande evolução e melhora de estado”, analisa.