Afirmação de gênero afeta a saúde mental de pessoas trans e não-binárias - Pesquisa inédita mostra que fator está ligado à melhora da ansiedade, da depressão, do orgulho e da positividade

Foto: Unsplash

Apesar do gênero binário ter sido considerado o “normal” e “aceitável” por muito tempo pelo imaginário social de parte da população, a pluralidade da identidade humana é muito mais ampla. Possibilitar acesso ao processo de afirmação de gênero pode ser considerado uma estratégia para reduzir sintomas de depressão e de ansiedade entre jovens trans e não-binários brasileiros. É o que mostra uma pesquisa inédita no País e uma das primeiras no mundo.

O estudo A afirmação de gênero está associada à melhoria da saúde mental de jovens não-binários e transgêneros foi desenvolvido por pesquisadores e pesquisadoras dos Programas de Pós-Graduação (PPGs) em Psicologia e Ciências Sociais da PUCRS. “Embora muitos jovens trans se identifiquem como ‘homens’ e ‘mulheres’, o reconhecimento de identidades não-binárias é essencial para nos adequarmos às demandas do nosso tempo”, explica a pesquisadora idealizadora do projeto Anna Fontanari, que realiza o estágio de pós-doutorado na PUCRS.

É bom permitir que jovens não binários transexuais e de gênero acessem os processos de afirmação de gênero. 

O objetivo principal foi avaliar o impacto de ter acesso às diferentes etapas do processo de afirmação de gênero na saúde mental de jovens trans e não-binários brasileiros. Entre elas, social, jurídica, médica e cirúrgica. Esse grupo não necessariamente busca recorrer à todas essas etapas, contam os/as pesquisadores/as. O envolvimento nesses processos ajudou a reduzir os sintomas de depressão e ansiedade dos/as jovens, a desenvolver um senso de orgulho e positividade sobre sua identidade de gênero, além de fazer essas populações se sentirem socialmente aceitas.

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A discussão sobre gênero

Afirmação de gênero afeta a saúde mental de pessoas trans e não-binárias - Pesquisa inédita mostra que fator está ligado à melhora da ansiedade, da depressão, do orgulho e da positividade

Foto: Priscilla Du Preez/Unsplash

Participaram da pesquisa 350 pessoas, de 16 a 24 anos: 149 (42,64%) se identificaram como meninos transgêneros, 85 (24,28%) como meninas transgêneros e 116 (33,14%) como jovens não binários de gênero.

“Embora a maioria das pessoas se identifique de uma forma binária, para outras essa não é uma opção e nem um desejo. O direito à identidade precisa ser reconhecido enquanto um direito humano, e demonstramos que esse reconhecimento tem repercussão positiva para a saúde mental de jovens”, explica Brandelli, coordenador do grupo de pesquisa sobre Preconceito, vulnerabilidade e processos psicossociais do PPG em Psicologia da PUCRS.

População trans e não-binária

“Entre as situações de estigma e discriminação mais comuns, comentários discriminatórios, principalmente por membros da família, é o que mais afeta a população trans: ao menos 80,6% das pessoas relataram já ter passado por essa situação. Assédio verbal (74,2%), exclusão de atividades familiares (69,4%) e agressão física (56,5%) também aparecem como as situações de violência relacionadas à identidade de gênero que mais afetam essa população”, destaca o relatório do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids(UNAIDS), divulgado pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Mesmo com as conquistas da população trans no Brasil nos últimos anos, como direito ao nome social e representatividade na mídia e no esporte, o País segue os debates sobre políticas públicas e o combate à violência. Isso porque o Brasil tem o maior índice de assassinatos de pessoas trans no mundo, segundo pesquisa realizada pela ONG Transgender Europe, em 2018.

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Uma pesquisa, várias visões

O estudo iniciado por Anna Fontanari, publicado na LGBT Health, também contou com a participação de Felipe Vilanova, Maiko Abel Schneider, Itala Chinazzo, Bianca Machado Soll, Karine Schwarz e Maria Inês Rodrigues Lobato e Angelo Brandelli Costa.

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Foto: Camila Cunha

Brandelli, Soraia e Favaretto / Foto: Camila Cunha

Uma tecnologia capaz de detectar, por meio de sequência de vídeos, traços da personalidade, emoções e até mesmo a origem cultural de um grupo de pessoas. O que parece roteiro de filme de ficção científica é resultado da ampla investigação interdisciplinar em parceria dos pesquisadores Soraia Raupp Musse, da Escola Politécnica, Angelo Brandelli, da Escola de Ciências da Saúde, e o doutorando em Ciência da Computação, Rodolfo Favaretto, responsável pelo desenvolvimento do software GeoMind.

A tese, realizada nos últimos quatro anos, utilizou dados geométricos, como a posição e o distanciamento entre uma pessoa e outra, para obter respostas a questões que, na psicologia, são alcançadas por meio de resposta a questionários ou observações. O projeto demonstra, entre suas propostas, que a personalidade de uma pessoa não diz respeito apenas a como ela se autoavalia, mas também em como ela se desloca no espaço em relação às outras. E isso tudo levando em conta a cultura de origem do indivíduo, seja ele brasileiro, alemão ou indiano.

Leia a reportagem completa na edição 190 da Revista PUCRS

posto de saúde, UBS

Aulas buscam maior esclarecimento na luta contra a discriminação
Foto: Cesar Lopes/PMPA

A maior incidência de câncer de colo do útero e de mama em mulheres lésbicas pode ser explicada pelo fato de evitarem o monitoramento da sua saúde, temendo o preconceito. O dado, revelado pelo professor Angelo Brandelli, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia, mostra a necessidade de maior esclarecimento dos profissionais e dos gestores para que se vença a luta contra a discriminação. O problema do acesso aos serviços, a violência física e psicológica até mesmo na assistência, suas necessidades específicas e boas práticas fazem parte da Formação EAD em Saúde da População LGBT, realizada pela PUCRS em conjunto com a UFRGS e a Secretaria de Estado da Saúde. Neste segundo semestre, começará a quarta edição do curso on-line, com mais 200 pessoas capacitadas – o total chega a 800 de todas as regiões do Estado. O início das aulas está previsto para outubro. Informações pelo telefone (51) 3353-7745. As inscrições são gratuitas.

Participam gestores de políticas públicas, médicos, residentes, enfermeiros, psicólogos e professores. Um dos coordenadores, Brandelli informa que o conteúdo programático passou por discussão em fóruns envolvendo as duas universidades, o governo e representantes de movimentos sociais, além de usuários. “Muitas vezes a discriminação faz com que os profissionais prescrevam o tratamento de forma inadequada, inconscientemente, para a população LGBT. Avaliamos o curso com os frequentadores e notamos que diminuíram o preconceito.”

Oito mestrandos e doutorandos e quatro alunos da graduação em Psicologia da PUCRS atuam como tutores, auxiliando os participantes da formação na compreensão de conteúdos mais específicos.

 

Capacitação para trans

Durante cinco meses, outro projeto do Programa de Pós-Graduação em Psicologia ofereceu capacitação a sete pessoas trans para facilitar a entrada no mercado formal de trabalho. Coordenada pela professora Kátia Rocha, a iniciativa teve a parceria de Dell, SAP e ADP, que apresentaram a demanda de inclusão de grupos minoritários na área de TI. Três alunos de graduação e um de pós participaram.

A formação envolveu interessados em ingressar nesse campo. Aprenderam a elaborar currículo, fizeram oficinas e visitaram as empresas. “Puderam perceber que há espaço no mercado. Muitas vezes não enviam currículo por terem medo de não serem aceitos. Isso ajuda a replanejar a carreira”, afirma o professor Angelo Brandelli, um dos envolvidos no projeto.