De acordo com dados de 2016 da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), 54,73% dos estudantes brasileiros que concluem o 3º ano do ensino fundamental apresentaram desempenho insuficiente no exame de proficiência em leitura. O relatório também concluiu que 33,95% dos alunos e alunas tiveram níveis insuficientes em escrita.
Para tentar mudar esse cenário, pesquisadores do Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), localizado no Campus da Saúde da PUCRS, lideram uma rede de pesquisa para o desenvolvimento da versão em português do jogo GraphoGame. Criado a partir de estudos com crianças em idade de alfabetização na Finlândia, o jogo será implementado pelo Ministério da Educação (MEC) como parte da Política Nacional de Alfabetização. Foram investidos R$ 100,5 mil pelo MEC para a adaptação do jogo feita pelo InsCer.
Segundo o professor da PUCRS e pesquisador do InsCer Augusto Buchweitz, que lidera os estudos, a metodologia do GraphoGame abrange o desenvolvimento de fundamentos da consciência fonológica (a habilidade de identificar e associar os sons da língua) e o conhecimento alfabético, que envolve reconhecer, escrever letras e identificar seus sons. “Esses fundamentos são trabalhados em um ambiente de jogo muito divertido e atrativo. A mera exposição a palavras escritas e textos não leva à aprendizagem alguma a não ser que a criança seja, explicita e simultaneamente, ensinada sobre o que são letras e palavras escritas e sua relação com os sons. Trata-se de um jogo que ajuda nessa sistematicidade e, portanto, auxilia a desenvolver conhecimento e aquisição de familiaridade com o sistema alfabético”, explica Buchweitz.
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Gratuito e utilizado sem a necessidade de conexão com a internet, o GraphoGame também visa contribuir para reduzir as dificuldades de ensino e alfabetização de crianças durante o período da pandemia de Covid-19, principalmente àquelas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. “Esta ferramenta é importante pois o Brasil tem uma dificuldade imensa de alfabetizar suas crianças, principalmente as mais desfavorecidas socioeconomicamente. Alfabetizamos muito mal, mas as crianças de classe média e alta têm recursos adicionais e as escolas, prontamente, direcionam essas crianças com dificuldades para o atendimento especializado. Já as famílias mais pobres dificilmente têm opção fora da escola, e como a educação patina na alfabetização, essa criança perde a sua melhor e talvez única oportunidade de aprender a ler”, salienta o pesquisador do InsCer.
Buchweitz destaca que o jogo não substitui o papel dos professores, mas que possui caráter de apoio à alfabetização. “Sozinho o GraphoGame não irá alfabetizar a criança e não resolve esse imenso problema; não é esse o objetivo e nem poderia ser. Mas ele pode ser uma ferramenta muito útil para ajudar os professores e as famílias, e tem se mostrado eficaz no apoio à alfabetização em estudos em diferentes idiomas”, comenta.
Presente em diversos países, a adaptação do GraphoGame para novos idiomas é realizada em colaboração entre os cientistas finlandeses e universidades parceiras, como a PUCRS. “A parceria com a GraphoGame não foi por acaso. Desde 2013 o estudo da neurociência da aprendizagem da alfabetização faz parte do DNA das pesquisas do InsCer, com o projeto ACERTA e seus desmembramentos”, conta Buchweitz. Os pesquisadores do InsCer também integram de uma rede de cientistas da leitura do mundo todo, a Haskins Global Literacy Hub.
Habilidades essenciais para o desenvolvimento humano, a leitura e a escrita estão diretamente relacionadas ao processo de alfabetização. A construção dessas competências auxilia na formação socioemocional e sociocultural e, principalmente na infância, depende de estímulos externos, geralmente de pais e professores. Celebrado na última terça-feira, 8 de setembro, o Dia Internacional da Alfabetização busca refletir sobre a importância desse aprendizado para a formação.
Em mensagem publicada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Audrey Azoulay enfatizou direito à alfabetização. “Ao celebrarmos essa data, lembramos o direito fundamental de todas as pessoas de desenvolver as habilidades básicas para ler o mundo e escrever seu futuro. Porque, como disse Kofi Annan, ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, a alfabetização é a chave para realizar o potencial de cada ser humano, a chave para alcançar um mundo cheio de liberdade e esperança”, destacou a Diretora–Geral da Unesco.
De acordo com o pesquisador do Instituto do Cérebro (InsCer) Augusto Buchweitz, professor da Escola de Medicina da PUCRS, alfabetização envolve o desenvolvimento da capacidade de associar os sons da língua aos símbolos (associar fonemas e grafemas). “Os estudos da neurociência cognitiva mostram que o aprendizado da leitura envolve adaptação de redes do cérebro, originalmente programadas para a linguagem oral e processos visuais. Em crianças em idade de alfabetização e em adultos, a adaptação de partes do cérebro para novas funções e a unificação entre processos de compreensão na leitura e na oralidade representam marcos de aprendizagem”, aponta.
Segundo o pesquisador do InsCer, a leitura exige um processo cognitivo não natural para o cérebro, necessitando de estímulos externos constantes. “A criança, em qualquer cultura, naturalmente balbucia, engatinha, começa a andar e falar, reconhece pistas de visuais, orais que traduzem emoções, e assim por diante. Em suma, algumas habilidades se desenvolvem naturalmente; mas ler e escrever, não”, comenta Buchweitz.
Para a professora Rochele Fonseca, docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida, uma das principais formas de estímulos à leitura e escrita está relacionada a inspiração entre as gerações. “A influência ou modelagem oportunizada pelos pais ou avós é fundamental para que os hábitos de leitura e de escrita sejam experimentados, adquiridos e depois enraizados nas crianças. O livro deve ser introduzido junto com os demais brinquedos como mais um objeto de prazer, de exploração do mundo, sendo assim emparelhado com todas as possibilidades de se divertir e de conhecer o mundo”, orienta.
A professora ainda salienta que ler é uma atividade cognitiva complexa e desafiadora. Por isso, em geral, se os pais não incentivarem, poucas serão as crianças e os adolescentes que espontaneamente terão “o gosto” pela leitura. “Todos hábitos que demandam maior motivação intrínseca e tarefas mais difíceis deve ser repetido mais vezes até que seja dominado”, reforça.
Única pesquisadora brasileira a revisar e ser consultora técnico-científica do Programa Conta pra mim, promovido pelo Ministério da Educação, Rochele aponta que a interação gerada pela leitura em família é benéfica para o cérebro. “Ler em conjunto com as crianças é o melhor remédio para dificuldades cognitivas e/ou socioemocionais. Ao ler e contar histórias para seus filhos, netos ou sobrinhos, estará ajudando a criança a desenvolver linguagem (vocabulário), inteligência, abstração, imaginação, criatividade, habilidade de teoria da mente (se colocar no lugar do outro e mudar seu jeito de pensar, sentir e agir pelo outro), entre outros tantos ganhos cada vez mais evidenciados por pesquisas”, enfatiza.
Coordenadora do Grupo Neuropsicologia Clínico-Experimental e Escolar (GNCE), Rochele destaca que os dados e estudos demonstram o potencial do hábito de leitura como um neuroprotetor. “Crianças, adolescentes, adultos e idosos que leem/escrevem com maior frequência têm menos impacto ou consequências cognitivas e socioemocionais de quadros clínicos como depressão, transtorno bipolar, comprometimento cognitivo leve a demência do tipo Alzheimer, dificuldades de aprendizagem”.
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A estudante Laura Machado, de 10 anos, aluna do Colégio Marista Rosário, é uma leitora ativa. Para ela, ler é uma forma de aprender e se divertir. “Eu gosto de ler sobre curiosidades do mundo. Acho muito divertido, porque eu aprendo palavras e desenvolvo a fala e a escrita”, conta.
A estudante também comenta sobre os benefícios da leitura em família. “Me sinto muito bem quando os meus pais leem para mim, porque eu aprendo a ouvir. Na escola, por exemplo, temos que saber ouvir os professores e os colegas, mas tem gente que não sabe fazer isso. Escutando os meus pais lendo eu aprendo isso”.
Além de Laura, o pequeno Inácio Machado, de 7 anos, também aluno do Colégio Marista Rosário, adora se aventurar nos livros. “Ler me ensina coisas, como matemática para saber o número de páginas que faltam, e me ajuda a escrever certo”, relata Inácio.