Na noite de segunda-feira (22 de outubro), os escritores Javier Cercas e Alejandro Zambra foram os convidados do Fronteiras do Pensamento. O tema central das duas apresentações foi a literatura, suas definições e magia, a identidade como autores e a necessidade de não se calar, visto que ambos vêm de países marcados por ditaduras.
Traduzido em mais de 30 idiomas, o espanhol Cercas acredita que um romance genial carrega uma ambiguidade permanente e tem como legado ser “um antídoto contra a visão totalitária e dogmática do mundo”. As lacunas deixadas pelo escritor convidam o leitor a encontrar um labirinto e entrar a fundo em um território que só esse tipo de texto pode explorar. “O livro é uma partitura que cada um interpreta à sua maneira.”
Cercas citou três clássicos que perduram no tempo: Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes, Moby Dick, de Helman Melville, e O processo, de Franz Kafka. Em comum, trazem perguntas que levam a respostas contraditórias, gerando mais complexidade. Afinal, Dom Quixote era louco? Por que Ahab está obcecado pela baleia branca, Moby Dick? Qual crime baseia o processo de Josef K.?
O mesmo ponto cego que é o centro do romance moderno aparece no premiado registro histórico Soldados de Salamina. Na obra, Cercas conta o episódio de 1939, no final da Guerra Civil Espanhola, em que Rafael Mazas escapou da morte em um fuzilamento coletivo. Por que foi poupado pelo soldado que o encontra depois? Teórico da Falange Espanhola, Mazas seria mais tarde ministro do ditador Franco.
“O bom político reduz os problemas, resolvendo-os. O bom escritor enfrenta as questões, complicando-as. O genial cria problemas onde não havia. Complicando a vida, a enriquece”, percebe Cercas.
Zambra começou referindo Cercas como um dos escritores que mais admira, “um péssimo político”. A estreia de sua carreira foi como poeta, para ele, um mito chileno. “Temos dois campeonatos mundiais e a Argentina nenhum”, brincou com a plateia, referindo-se a Pablo Neruda e Gabriela Mistral, que conquistaram o Prêmio Nobel de Literatura. “Não que as pessoas lá estejam escrevendo por todo lado, mas é algo plausível.”
Passou para a prosa em um momento de ceticismo e solidão em que nenhuma busca fazia sentido e, ao mesmo tempo, não podia renunciar à luta. De Clarice Lispector segue o conselho de desconfiar do texto. “No Chile há um divórcio entre o falado e o escrito. Muitas frases não podem estar no papel.” Zambra vê o romance como “o eco de um poema reprimido”. “Poetas chilenos se esqueceram de Neruda, mas nós, narradores, não.”
Na sua casa recebiam como brindes coleções de livros, divididas por cores. “Crescemos lendo os chilenos mortos, pois o restante estava no exílio”, conta Zambra, lembrando o período Pinochet. A partir dos anos 90, liam chilenos como estrangeiros e vice-versa. Zambra acredita que a literatura é pessoal e nacional, uma falha, uma luta.
No final do evento, o mediador Sergius Gonzaga reuniu perguntas em torno do tema democracia e situação brasileira. Aos gritos de #elenão, vindos da plateia, Cercas demonstrou preocupação com as eleições presidenciais, lembrando que o país não está distante do que ocorre no ocidente, a exemplo da ascensão de Donald Trump nos EUA. “O nacional-populismo é uma máscara pós-moderna do totalitarismo dos anos 30. A história não se repete. Nós repetimos nos erros. A busca de líderes carismáticos e de culpados entre mexicanos, árabes. Não estamos conscientes dos riscos à democracia.” Zambra disse não poder crer que “alguém a favor da ditadura e contra minorias sexuais vença”.
Respondendo a outro questionamento do público, Cercas vê o termo “leitura obrigatória” como contraditório. “Ler é um prazer. Daria Júlio Verne e Stevenson para um jovem de 15 anos e não Dom Quixote.” Causou risos na plateia ao dizer que essa obra prima não ganharia o Prêmio Cervantes, pois na época era “de segunda categoria”, reforçando que literatura é entretenimento. “Não é para gente séria e professores, é para o povo.”
Zambra recomenda que os docentes escolham livros que não conheçam. “Não devem ter medo de horizontalizar o assunto, permitir o diálogo.”
A PUCRS é parceira cultural do evento. Professores, técnicos administrativos, mestrandos, doutorandos e Alumni (diplomados) da Universidade contam com 50% de desconto no pacote de ingressos para as conferências, abatimento válido também para um acompanhante. Os diplomados, para terem acesso ao valor diferenciado, devem portar a carteira Alumni na hora da compra. Informações sobre as carteiras podem ser obtidas pelos contatos da Rede Alumni. Estudantes de graduação têm meia-entrada, se portarem carteira de identificação estudantil, conforme legislação.
Para reservar (no máximo dois ingressos), é preciso ligar para o telefone (51) 4020-2050 ou enviar um e-mail para [email protected], informando nome completo, telefone e modalidade de desconto. O pagamento e a retirada das entradas são feitos no dia da conferência, na bilheteria do Salão de Atos da UFRGS.
A próxima conferência do Fronteiras do Pensamento, em 19 de novembro, terá um novo debate especial com o cientista político e historiador Mark Lilla e o filósofo Luiz Felipe Pondé. O evento ocorre no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110), às 19h30min. O mundo em desacordo: democracia e guerras culturais é o tema da temporada de 2018.
O festival Primavera Literária Brasileira proporcionou três dias de debates, oficinas e performances. Realizado pela primeira vez no País, o evento recebeu, na tarde de segunda-feira (dia 22 de outubro), o escritor chileno Alejandro Zambra, que à noite participou do Fronteiras do Pensamento, e o escritor e cineasta marroquino Abdellah Taïa. A influência das questões históricas e culturais na literatura foi o ponto em comum entre os dois convidados.
Na conversa com o diretor do Instituto de Cultura, Ricardo Barberena, e o escritor Reginaldo Pujol Filho, Zambra comentou sobre a presença do período do governo do ditador Pinochet nos seus textos. Ao falar na infância, não consegue deixar de mencionar a ditadura. “Os adultos pareciam mal-humorados, sérios, silenciosos. Depois me dei conta de que havia medo.” Ao mesmo tempo, tentavam mostrar um Chile sem conflitos, em paz, através de notícias falsas. “Os mortos que não são de tua família te doem. Passa-se à experiência social e civil. Ser parte de um país se supõe estar em relação com essa dor coletiva.”
Pela primeira vez no Brasil e no Hemisfério Sul, Taïa começou sua fala dizendo ser quase um milagre ver seus livros produzidos e traduzidos. Conhecido por assumir publicamente sua homossexualidade, considerada um crime no seu país natal, o Marrocos, apontou que sua condição dá origem a vários conflitos e se propõe a reforçá-la em vez de escondê-la. O fato de morar na França, mais tolerante às diferenças, não o faz iludido perante à prometida liberdade, quase um slogan publicitário. A própria proibição à homossexualidade é uma herança do colonialismo, depois assumida pelos reinos marroquinos. “E hoje os países europeus apontam: ‘Veja, oprimem os homossexuais!’”, reforçou. Para ele, é preciso pensar sob o ângulo dos países periféricos.
À sua fala de desesperança, lembrou que às vezes as coisas acontecem. “A Primavera Árabe, de 2010, impôs algo novo. As pessoas acordaram.” Taïa reforçou que a homossexualidade é política. “Você está sozinho e o mundo contra você. Quem não quer mudar é porque pode perder o poder.”
Quando ingressou na universidade, em 1992, vagava pela capital Rabat sem condições nem de almoçar. Um dia entrou em um órgão de atendimento do governo e uma senhora analfabeta o pediu que escrevesse uma carta ao rei contando seus pesares desde o tempo do colonialismo. Naquele momento entendeu o que é se tornar voz de uma pessoa. Começou então a escrever cartas que resultaram em livros.
A conversa com Taïa teve como mediadores o professor e poeta Leonardo Tonus e a escritora Natalia Borges Polesso. Ao final, ele autografou o romance Ele que é digno de amar, lançado no Brasil pela editora Nós.
Entre performances e leituras, poetas brasileiros conversaram sobre seus livros, processos de criação e temas abordados nas suas obras durante a 1ª Jornada de Poesia Contemporânea, na sexta-feira (dia 19 de outubro). Em uma das mesas, dividiram o palco Tonus, Marco de Menezes e Ana Martins Marques, situando lugares, memórias e afetos em seus textos. Trataram da necessidade de escrever, da estranheza do ser poeta e da capacidade que a literatura tem de mostrar caminhos. Instigados pela mediadora, professora da Escola de Humanidades Moema Vilela Pereira, comentaram sobre a ideia de Paul Celan da poesia como regresso à casa. Depois de ler um trecho da sua experiência em Berlim, em que aborda os muros, os medos e os silêncios da humanidade, e com a vivência de 30 anos fora do Brasil, Tonus disse que várias línguas o atravessam e se sente também sem um lugar próprio. “A literatura não é espaço de conforto. Quero dizer algo e busquei uma forma que se aproximasse mais da poesia.”
Ana comentou que “escrever é como uma atividade doméstica”. Nos seus textos, cita objetos domésticos e espaços da casa, mas, ao mesmo tempo, esse espaço se abre. Começou a se expressar ainda criança e se sentia acolhida. Ao publicar livros, a casa está à mostra e provoca desconforto.
“O poeta é filho da criança”, complementou Marco. Da infância vem a inspiração. A composição das “coisas ordinárias do mundo” gera o escritor. “Quando leem o nosso texto ou nós mesmos lendo em voz alta há uma clivagem (fragmentação) que resulta em desamparo”, define o poeta.
Professor de Literatura, Tonus se sentiu “obrigado” a escrever ao ouvir o relato de uma escritora síria em Berlim. Estava fazendo uma pesquisa sobre refugiados quando ela repetiu uma ladainha por meia hora: “Da casa que deixei que já não existe já não me lembro. Da rua… Do filho… De uma coisa eu me lembro – dos gritos das mulheres que me ensurdecem até hoje”. De bicicleta chorando pelas ruas berlinenses, teve vontade de levar essa voz para a literatura. “O que vivi foi um tapa na cara e acho que o leitor deve acordar, ainda mais na situação que o Brasil e o mundo vivem hoje”, destacou Tonus.
Ana disse não gostar do discurso da literatura como redentora, mas “me ajudou a descobrir o que eu pensava e é um convite para ver em outras perspectivas”.
O estar em comum proporcionado pela sala de aula é um momento de respiro para Tonus. “Como professor alguém espera algo de mim”.
O evento também ofereceu oficinas distribuídas por três lugares de Porto Alegre: Multipalco do Theatro São Pedro, Aldeia e Fora da Asa.
A Primavera Literária Brasileira foi idealizada pelo professor de Literatura Brasileira da Sorbonne e poeta Leonardo Tonus e estreou em 2014. Desde então, o evento ocorre anualmente em Paris e já levou mais de cem escritoras e escritores, artistas plásticos, quadrinistas, dramaturgos e coreógrafos brasileiros para palestras, debates, saraus, leituras, oficinas e lançamentos de livros.
Confira mais fotos do festival:
Dois grandes nomes da literatura contemporânea fecham a programação da primeira edição da Primavera Literária Brasileira realizada no País. O cineasta e escritor marroquino Abdellah Taïa e o escritor espanhol Alejandro Zambra estão na PUCRS, nesta segunda-feira, 22 de outubro, para bate-papos nos quais falarão sobre suas carreiras e obras. Os encontros começam às 14h, no auditório da Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos (Av. Ipiranga, 6.681 – Porto Alegre/RS), com entrada gratuita. As conversas com escritores têm vagas limitadas e recebem inscrições gratuitas neste link.
A partir das 14h
A partir das 16h
Local: Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos
Av. Ipiranga, 6.681 – prédio 7 – 2º andar – Porto Alegre/RS
Nasceu em Sale, no Marrocos, em 1973, em um ambiente bastante modesto. Estudou literatura francesa em Rabat e em Genebra. Concluiu seu doutorado na Sorbonne. Vive na França desde 1999. Tem publicadas, entre outras, as obras Meu Marrocos (2000), Le rouge du tarbouche (2004), O Exército da Salvação (2006) e Uma melancolia árabe (2008). Taïa também é conhecido por assumir publicamente sua homossexualidade (considerada um crime em Marrocos) através de seus livros autobiográficos ou através de fóruns na imprensa.
Zambra é considerado um dos mais relevantes autores da literatura latino-americana contemporânea. Aclamado pela crítica e pelo público, foi eleito pela revista britânica Granta como um dos 22 melhores jovens escritores hispano-americanos. Licenciado em Literatura Hispânica na Universidade do Chile e com doutorado em Literatura pela Universidade Católica do Chile, atua como poeta, romancista e ensaísta. Ele estará à noite no Fronteiras do Pensamento em um debate com o escritor espanhol escritor Javier Cercas.
Por influência da homenagem que a França fez ao Brasil em 2005, com o Ano do Brasil na França, o professor brasileiro na Sorbonne, Leonardo Tonus, pensou em criar um movimento que repercutiu na Primavera Literária Brasileira. “Recebi autores brasileiros e portugueses em sala de aula com o intuito de divulgar a literatura mais recente como atividade pedagógica, para que os estudantes se interessassem por ela. Com o aumento dessas visitas e uma dinâmica própria decidi, em 2014, realizar uma semana Brasil na universidade, convidando alguns autores. Houve boa recepção dos estudantes e, então, criei o chamado Festival ou Primavera Literária com um formato pedagógico em parceria com os estudantes e em prol deles, pois eles participam na organização, na escolha e no acompanhamento dos autores”, destaca Tonus.
* Com informações de Paulo Jorge Pereira.