A Doença de Parkinson é uma condição progressiva do sistema nervoso central, que atinge cerca de 200 mil brasileiros, de acordo com o Ministério da Saúde. Apesar de aparecer com mais frequência em pessoas com mais de 65 anos, existem diagnósticos em faixas etárias mais jovens. Estima-se, ainda, que 4% das pessoas que vivem com a doença são diagnosticadas antes dos 50 anos. O neurologista e especialista em distúrbios do movimento pelo Serviço de Neurologia do Hospital São Lucas da PUCRS, Yuri Felloni, explica que o Parkinson é uma doença neurológica crônica, associada à perda de células cerebrais (neurônios) produtoras de um neurotransmissor chamado dopamina.
De acordo com o médico, essa neurodegeneração ocorre a longo de vários anos. Porém, inicialmente, é mascarada por alguns mecanismos compensatórios do cérebro. Quando aproximadamente 80% dos neurônios estão comprometidos, os sintomas motores clássicos começam a aparecer.
“Cera de 25% dos pacientes com essa doença apresentam pelo menos um familiar de primeiro grau também afetado, porém apenas cerca de 15% de todos os pacientes de fato apresentam uma causa genética, que pode ou não ser transmitida para as próximas gerações, de acordo com o tipo de mutação”, destaca Felloni.
A Doença de Parkinson é muito heterogênea, por diversos fatores, podendo provocar apresentações clínicas leves com relativamente pouco impacto na qualidade de vida e funcionalidade das pessoas. Mas também pode apresentar sintomas muito graves e incapacitantes, em que as pessoas acometidas pela doença necessitam de auxílio para todas as atividades diárias. Felloni conta que os sintomas motores são os mais amplamente conhecidos pela população geral, envolvendo lentidão dos movimentos associada à rigidez muscular e/ou tremor de repouso, porém existem casos da doença sem manifestação de tremor.
Outros sintomas motores, que podem ser mais tardios, envolvem dificuldade para engolir, desequilíbrio e alterações da fala, postura e marcha. Os sintomas não-motores são principalmente as alterações do sono, memória, humor, disfunção sexual, ansiedade, depressão, comprometimento da visão de cores, comportamento, olfato, controle da pressão arterial, controle da bexiga e constipação intestinal. Alguns desses sintomas não-motores podem iniciar até 15 a 20 anos antes da instalação das manifestações motoras.
O professor e pesquisador da Escola de Ciências da Saúde e da Vida Régis Mestriner explica que nos estágios iniciais, as alterações funcionais podem ser mais facilmente superadas com o devido acompanhamento profissional e costumam envolver apenas um lado do corpo (unilateral), sem instabilidade postural evidente. Já nas fases intermediária e avançada da enfermidade, as dificuldades começam a ser maiores e frequentemente bilaterais (dos dois lados do corpo).
“Uma visão puramente biológica ou mecanicista da enfermidade não é capaz de explicar completamente todos os impactos da doença na vida das pessoas. Existem também fatores contextuais, pessoais e ambientais que podem ser facilitadores ou barreiras no enfrentamento da doença, a depender das características de cada pessoa. Por isso, é necessária uma avaliação interprofissional apropriada antes da realização de qualquer indicação dos tratamentos específicos e colaborativos”, enfatiza Mestriner.
O neurologista Felloni esclarece que todas as medicações utilizadas agem apenas no controle destes sintomas, sem interferir na progressão da doença. Porém, ainda assim podem promover um bom controle dos sintomas por vários anos, possibilitando que o paciente desfrute de uma boa qualidade de vida, mantenha sua funcionalidade e até atividade laboral.
O médico alerta que, além do tratamento medicamentoso, é extremamente importante que o paciente mantenha o acompanhamento com especialista adequado, tente manter uma vida ativa, com atividade física regular, evite uso de álcool e tabagismo, e mantenha o controle de outras doenças que possam contribuir para dano neuronal, como hipertensão, diabetes e dislipidemia.
De acordo com o pesquisador Mestriner, para garantir o melhor enfrentamento da doença, é essencial que haja um adequado conhecimento da enfermidade, tanto por parte da pessoa que convive com ela quanto de sua rede de apoio. Segundo o professor, a doença envolve um contexto amplo de questões que impactam na funcionalidade e na qualidade de vida dos indivíduos. Por isso, é fundamental que o tratamento seja individualizado e leve em conta a qualidade científica das evidências disponíveis, a experiência técnica do profissional de saúde e as preferências da pessoa em relação às opções terapêuticas disponíveis para cada queixa e/ou problema.
“Além de tratamentos médico farmacológicos, a doença de Parkinson geralmente requer abordagens não-farmacológicas, como suporte psicológico, participação em grupos de apoio, atividades de manutenção do bem-estar geral, nutrição adequada e a realização de exercícios físicos. A prática regular de exercícios físicos, por exemplo, pode ajudar a retardar a progressão motora da doença, melhorar sintomas não-motores e aliviar alguns efeitos musculoesqueléticos secundários à imobilidade”, complementa.
Dentre as intervenções, o docente cita Tai Chi, yoga, exercícios aquáticos e de resistência, de força muscular, de equilíbrio e de flexibilidade, que podem ser indicados conforme as necessidades individuais. Estratégias compensatórias de marcha (como o uso de pistas visuais ou auditivas), musicoterapia, dança e intervenções fonoaudiológicas também podem ser úteis a depender de cada caso.
No âmbito da reabilitação da doença, a PUCRS se destaca com pesquisas em prol da melhora na qualidade de vida de pacientes acometidos pela doença de Parkinson. Os estudos nesta área vêm investigando o uso de exercícios de força, resistência e equilíbrio como formas de tratamento e também propõem avanços na terapia orientada à tarefa, no uso da realidade virtual e no uso de intervenções físicas inovadoras, como a caminhada Nórdica.
Mestriner conta que o diagnóstico fisioterapêutico deve considerar, além das alterações neurológicas clássicas das estruturas e funções do corpo, as limitações de atividades funcionais e de participação, com base na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da Oranização Mundial da Sáude (OMS). A partir desse diagnóstico funcional, o profissional pode indicar intervenções fisioterapêuticas específicas para cada caso, como exercícios terapêuticos, terapia orientada a tarefas específicas, estratégias compensatórias de facilitação da marcha, equilíbrio estático e dinâmico, entre outras.
A pesquisadora e fisioterapeuta Anelise Ineu Figueiredo, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Gerontologia Biomédica da PUCRS, sob orientação de Mestriner, publicou um conjunto de exercícios terapêuticos domiciliares para a doença de Parkinson, que tem como base os princípios do Mat Pilates. A cartilha publicada pela Editora da PUCRS foi desenvolvida e distribuída gratuitamente para ajudar pessoas com Parkinson a praticar alguns exercícios simples em casa, com o objetivo de auxiliar pessoas no enfrentamento da doença. O Centro de Reabilitação da PUCRS também oferece programas de saúde específicos e individualizados para pessoas com as mais variadas afecções neurológicas, incluindo a doença de Parkinson.
Além disso, o grupo de Neuromodulação em Distúrbios do Movimento do Hospital São Lucas da PUCRS é um dos poucos do Estado que oferece tratamento cirúrgico (principalmente a Estimulação Cerebral Profunda) para casos moderados a avançados em que as medicações não estão sendo suficientes. O grupo é composto por uma equipe multidisciplinar altamente especializada em Doença de Parkinson e outros distúrbios do movimento, incluindo neurologistas, neurocirurgiões, neuropsicóloga, fonoaudióloga e psiquiatra. De acordo com o médico Felloni, essa avaliação multidisciplinar pré-operatória rigorosa possibilita uma indicação cirúrgica acurada e, consequentemente, melhores desfechos pós-operatórios.
Leia também: Pesquisa da PUCRS aponta os benefícios do exercício físico no tratamento da doença de Parkinson