Pesquisa

Reflexões sobre o lugar da comunicação e da sua interdisciplinaridade no contexto das emergências climáticas

quinta-feira, 28 de novembro | 2024

Durante o Seminário Internacional da Comunicação da PUCRS, o painel Comunicação e Emergências Climáticas: desafios e transformações reuniu Dakir Larara Machado da Silva, doutor em Geografia pela UFRGS e professor adjunto da mesma instituição; Diego Wander, relações-públicas, professor e pesquisador da Fabico/UFRGS; Márcia Soares, fundadora e diretora-executiva da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos; Rosângela Florczak, doutora em Comunicação e decana da Escola de Comunicação da PUCRS; e Roberto Vilar, jornalista, professor da UniRitter, especialista em Jornalismo Ambiental e doutor em Comunicação. Entre os temas abordados, destacaram-se o racismo ambiental e a crise climática; a comunicação pública e organizacional em desastres; a comunicação e a cultura do cuidado na gestão de riscos e crises; e a formação de comunicadores na área socioambiental. A partir das discussões, destacamos reflexões temáticas sobre o lugar da comunicação no contexto das emergências climáticas.  

Uma sociedade de risco  

Sociedade de Risco: Rumo a uma Outra Modernidade é um livro do sociólogo alemão Ulrich Beck, publicado em 1986, que apresenta a teoria da sociedade de risco. A teoria sugere que a sociedade se organiza em resposta a novos riscos, gerados por ela mesma, e que desafiam a humanidade. Sob essa perspectiva, a decana da Escola de Comunicação da PUCRS, professora Rosângela Florczak, destacou em sua fala que, embora o tema seja debatido há décadas, os últimos meses trouxeram maior conscientização, especialmente após as enchentes no Rio Grande do Sul. Como exemplo adicional, Florczak mencionou as enchentes recentes na Espanha, que evidenciam cenas semelhantes às vividas no Brasil – mesmo sendo um país europeu, com recursos e estruturas organizacionais mais avançadas. Para ela, esses eventos reforçam a urgência de (re)pensar o cenário atual. Este, segundo Florczak, é o ano em que tomamos consciência e situamos a responsabilidade. 

Reorganizando pressupostos: a co-criação com a comunidade  

Florczak enfatizou que a responsabilidade no contexto das emergências climáticas não é apenas um campo de pesquisa, mas uma exigência prática. Ela questionou: O que mudou no nosso jeito de pesquisar? A professora argumentou que, diante de eventos extremos, as pesquisas precisam incidir diretamente na vida das pessoas e influenciar políticas públicas, integrando a comunicação em toda a sua complexidade. 

Ela destacou que a dimensão informativa isolada já não é suficiente para organizar a racionalidade do mundo contemporâneo. É necessário repensar os pressupostos comunicacionais e reconhecer o poder das emoções compartilhadas e midiatizadas, que frequentemente têm mais impacto na sociedade do que informações racionais. Para isso, Florczak defende uma comunicação co-criada com as comunidades vulneráveis, baseada no diálogo e no cuidado. Essa abordagem requer estratégias planejadas antes dos desastres, em vez de respostas reativas durante os eventos críticos. 

A co-criação com a comunidade, para Florczak, é essencial para desenvolver metodologias que integrem a comunicação de risco e considerem os sentidos compartilhados, dialogando com os contextos e emoções que marcam as situações de vulnerabilidade. 

Rosângela Florczak, decana da Famecos PUCRS / Foto: Lab Foto

Como ajudar quem ajuda? A comunicação na prática  

A comunicação pública e organizacional em desastres foi abordada pelo professor e pesquisador da Fabico/UFRGS, Diego Wander, que compartilhou uma experiência prática desenvolvida em colaboração com outros comunicadores. Eles criaram os Guias Rápidos para Ajudar quem Ajuda, um projeto colaborativo voltado para facilitar o trabalho de agentes de impacto atuantes no voluntariado. O objetivo foi produzir e disseminar conteúdos de qualidade baseados em fontes confiáveis, utilizando uma metodologia que combinava a percepção de quem está na linha de frente com o olhar técnico de especialistas. Dessa forma, os conteúdos foram validados e orientados para qualificar a atuação dos voluntários. 

Entre os guias produzidos, destacam-se: 

  • Comunicação e sinalização em espaços de voluntariado; 
  • Comunicação responsável no combate à desinformação; 
  • Comunicação eficaz em grupos de WhatsApp no voluntariado; 
  • Comunicação para colaboração em iniciativas de voluntariado; 
  • Comunicação para Diversidade, Equidade e Inclusão no contexto do voluntariado. 

Wander explicou que o processo envolveu mapear os pontos frágeis nos abrigos, formular questões relevantes com os agentes de impacto e fortalecer um olhar plural. Os dados coletados embasaram os guias, que foram divulgados para a sociedade como um serviço para fortalecer ações voluntárias. 

Outro exemplo de atuação destacado foi a pesquisa realizada sobre as maiores empresas brasileiras e gaúchas em resposta às enchentes no Rio Grande do Sul. Wander relatou que a iniciativa surgiu nos primeiros dias da emergência, com o objetivo de mapear esforços de ajuda, mobilizar agentes sociais e enriquecer o debate público sobre o papel das organizações nesses contextos. 

A pesquisa incluiu as 50 maiores empresas brasileiras, conforme a premiação Maiores e Melhores da Revista Exame (2023), e posteriormente foi ampliada para considerar também as 15 maiores empresas gaúchas. O estudo abordou tanto os impactos sofridos pelas empresas quanto suas iniciativas de enfrentamento, resultando em dois relatórios divulgados ao longo do mês de maio. A coleta de dados e a elaboração dos relatórios foram realizadas por um grupo de estudantes de Relações Públicas, sob a orientação de Wander. O relatório mostrou que, das 50 maiores empresas brasileiras, 39 adotaram e visibilizaram iniciativas para mitigar os impactos das enchentes no RS; a atuação predominante das empresas focou no apoio inicial aos desabrigados e na participação em campanhas de arrecadação de recursos financeiros promovidas por outras entidades. Campanhas promovidas por ONGs se destacaram como referência no incentivo à doação de recursos financeiros pelas empresas. Das 15 empresas gaúchas analisadas, 11 detalharam os impactos das enchentes em suas operações e na vida dos funcionários, e apenas uma não divulgou iniciativas de enfrentamento. 

Para finalizar, Wander evidenciou alguns aprendizados: 

  • Registrar os aprendizados e constituir memória sobre as ações e vivências durante as enchentes é essencial. Isso permite não apenas refletir sobre as práticas adotadas, mas também aprimorar estratégias futuras de resposta a crises. 
  • O sucesso das iniciativas decorreu do tempo de reação ágil combinado com uma abordagem colaborativa, que envolveu diferentes atores e recursos de forma integrada. 
  • Em relação à atuação das organizações, é fundamental implementar estratégias sistemáticas de monitoramento e garantir a visibilidade das informações. Essas ações permitem avaliar o compromisso real com as comunidades e incentivá-las a adotar práticas mais consistentes. 
  • As universidades têm se mostrado agentes fundamentais no enfrentamento das mudanças climáticas, evidenciando sua força, potencial e compromisso com a promoção de soluções e o apoio às comunidades impactadas. 

Diego Wander, professor na Fabico UFRGS/ Foto: Lab Foto

A vulnerabilidade feminina nas emergências climáticas 

Márcia Soares, fundadora e diretora-executiva da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos, iniciou sua fala destacando que as emergências climáticas não apenas reproduzem, mas ampliam todas as desigualdades sociais, afetando de maneira específica as questões de gênero e raça. Segundo ela, não é possível pensar em respostas a emergências climáticas sem considerar esses marcadores, pois os eventos climáticos afetam desproporcionalmente as mulheres. Esse impacto desigual, de acordo com Soares, exige uma atenção especial à violação dos corpos femininos e ao trabalho histórico de cuidado. 

Soares enfatizou que a possibilidade de estupros como armas de guerra é uma realidade histórica, presente desde os tempos de conflitos bélicos, e que esses desastres e crises têm, na violação dos corpos femininos, um elemento central. Ela afirmou que, em contextos como os de abrigos provisórios, onde as comunidades deslocadas se encontram em situações de caos, a vulnerabilidade das mulheres é amplificada. Quando as pessoas são deslocadas para esses espaços, elas levam consigo tanto os aspectos positivos quanto negativos de suas realidades. Dentro desses abrigos, há mulheres em situações de proteção, mas também agressores. A falta de redes de proteção comunitária, a ausência de paredes físicas e a quebra dos códigos sociais existentes nas comunidades geram um cenário em que as mulheres ficam ainda mais vulneráveis a essas formas de violência. 

O trabalho de cuidado  

Além disso, Soares ressaltou o trabalho das mulheres no cuidado dos enfermos, idosos, crianças e animais. Esse trabalho também se desloca para os abrigos provisórios, mas sem as redes de proteção adequadas, sem serviços de saúde, pois esses espaços estavam alagados, sem apoio, sem medicamentos, sem acessibilidade. As mulheres, em situações de grande aflição, precisam continuar desempenhando o lugar de cuidadoras, mesmo sem as ferramentas necessárias para isso. Segundo ela, essas mulheres seguem nesse papel porque as crianças estão ali e os pais não têm acesso a seus remédios. Soares destacou a fragilidade do estado em responder a essas questões de forma rápida e eficaz.  

Sobre informação e comunicação, Soares destacou como algo essencial, ressaltando que a informação que chega aos ambientes vulneráveis costuma ser incompleta. Ela demonstrou o lugar central dos líderes comunitários nesse contexto, exemplificando a comunicação sobre serviços básicos, como: “Como refazer documentos? Como fica a situação dos imigrantes, também afetados? Qual a estratégia de comunicação dos poderes públicos?” Segundo ela, a informação, na maior parte das vezes, era transmitida por meio do Instagram e do WhatsApp, mas apontou que a população que mais precisa dessa informação, muitas vezes, fica sem celular, sem bateria, sem condições e sem acesso à luz. Portanto, é necessário repensar estratégias de comunicação adequadas para essas situações. 

Márcia Soares, fundadora e diretora-executiva da Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humano / Foto: Lab Foto

A formação de comunicadores na área socioambiental 

O jornalista e professor Roberto Villar Belmonte trouxe a perspectiva da formação de comunicadores na área socioambiental, destacando três pilares essenciais. O primeiro pilar, Sociologia Ambiental, aborda a análise das interações entre a sociedade e o meio ambiente, enfocando as questões sociais e culturais que envolvem o uso e a preservação dos recursos naturais. Esse pilar destaca a importância de compreender as dinâmicas sociais que influenciam a relação com o ambiente. O segundo pilar, Economia do Meio Ambiente, foi destacado por Belmonte ao analisar a lógica do processo de acumulação de capital, caracterizado pela criação incessante de novas necessidades de consumo. A crescente percepção do risco global tem colocado o meio ambiente na agenda pública mundial, exigindo uma reflexão crítica sobre as interações entre economia e meio ambiente. O terceiro pilar, Gestão Ambiental, envolve a prática de gestão ambiental, com ênfase nas diretrizes da ABNT PR 2030, uma prática recomendada de ESG (Environmental, Social, and Governance) da Associação Brasileira de Normas Técnicas, que orienta as empresas sobre como integrar questões ambientais, sociais e de governança em suas estratégias. 

O professor também ressaltou a noção de risco, destacando que, ao longo do tempo, a percepção sobre ele mudou. Ele enfatizou a importância de reunir todas as esferas da justiça climática para ampliar continuamente esse debate. Segundo ele, o risco não foi inicialmente construído na sociedade, o que pode ser um problema de comunicação. No entanto, essa mudança na percepção do risco representa uma oportunidade para novas abordagens. Quanto à formação de repórteres e comunicadores socioambientais, ele destacou que deve ocorrer diretamente nos locais afetados, sempre que possível, para uma compreensão mais profunda e realista das questões. 

Roberto Villar Belmonte, professor na UniRitter / Foto: Lab Foto

O racismo ambiental e a crise climática 

Dakir Larara Machado da Silva, Doutor em Geografia pela UFRGS e professor adjunto na mesma instituição, explicou que as mudanças climáticas alteram a composição química da atmosfera, fazendo com que o planeta — a atmosfera do planeta — absorva mais calor. Como consequência, a maior quantidade de energia no sistema climático desequilibra a dinâmica das chuvas, dos eventos e de outros aspectos da dimensão climática. Tudo isso se ajusta a um planeta mais quente. Um exemplo disso são a região Norte e o Pantanal, áreas com grandes volumes de água, que, nos últimos dois anos, enfrentam escassez hídrica. Com mais calor, essas áreas, que antes funcionavam como grandes reservatórios, começam a mudar suas características em condições meteorológicas e climatológicas específicas. A mudança climática tem causas naturais, relacionadas à variabilidade natural dos fatores que influenciam as dinâmicas climáticas, mas também resulta da ação humana, que, por meio da estruturação social e do uso de recursos naturais, altera a química da atmosfera e, consequentemente, aumenta a temperatura média do planeta. Isso reordena e intensifica os fenômenos climáticos, como é o caso deste ano. 

Sobre racismo ambiental, o professor explica que o termo foi inicialmente usado durante um conjunto de protestos nos Estados Unidos, em 1982. Na ocasião, o ativista Benjamin Chavis reuniu pessoas para se oporem à instalação de um aterro sanitário destinado a resíduos tóxicos em uma área habitada majoritariamente por população negra. Dessa forma, o professor reforça a necessidade de discutir como os impactos das mudanças climáticas e dos eventos extremos não ocorrerão de maneira uniforme em todas as áreas. Territórios periféricos, com baixa infraestrutura, serão mais afetados por ondas de calor, períodos de frio e enchentes, devido à sua estrutura defasada. Assim, o racismo estrutural se manifesta de forma desproporcional nos passivos ambientais negativos. 

Dakir Larara Machado da Silva, professor na UFRGS / Foto: Lab Foto

Janis Linda, Lara Ely, Rafaela Redin Rubert, Silvia Marcuzzo, Tiara Vaz, Cláudia Campos, Ana Carolina Oliveira Pinheiro, Filipe Speck e Julia Machado organizaram o evento discente realizado como parte do Seminário Internacional da Comunicação da PUCRS. A partir de uma iniciativa dos estudantes e em sintonia com essa temática, ocorreu o Grupo de Trabalho “Comunicação e Emergências Climáticas”, que contou com pesquisas abordando temas como incêndios florestais, direitos humanos, comunicação pública, desastres, enchentes e impacto socioambiental. 

Organizadores e painelistas / Foto: Lab Foto