Em meio a diferentes conflitos na Europa, o primeiro turno das eleições na França aconteceu neste domingo (10). O atual presidente francês Emmanuel Macron venceu com 27,6% e disputará o segundo turno em 24 de abril com Marine Le Pen que recebeu 23,41% dos votos. Os candidatos se enfrentam em um dos contextos mais conturbados para o país, frente às consequências causadas pela Guerra da Rússia com a Ucrânia. A coordenadora do curso de Relações Internacionais da PUCRS, Teresa Cristina Schneider Marques, que pesquisa as relações internacionais francesas, explica como funciona o sistema eleitoral francês e qual o impacto destas eleições para o continente europeu.
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Na dimensão ideológica, as eleições francesas também ganham relevância frente ao atual cenário internacional marcado pelo fortalecimento de um chamado internacionalismo reacionário, que segundo Marques visa questionar processos que se fortaleceram após a queda do Muro de Berlim, como os processos de integração. Para compreender esse cenário na França, cabe lembrar que Emmanuel Macron foi eleito em 2017, com discurso de neutralidade ideológica, afirmando não se posicionar nem à direita, nem à esquerda no espectro político.
Anteriormente, o político foi ministro da economia de François Holande, do partido socialista, mas de acordo com a docente, ao assumir a presidência, Macron colocou em andamento um governo de direita que aprovou duras medidas para a classe trabalhadora. Com efeito, entre as medidas aprovadas entre 2017 e 2022, merecem destaque: a aprovação do fim dos impostos sobre grandes fortunas; a finalização de programas de apoio social (habitação social, por exemplo); a aprovação de complementação à reforma trabalhista que foi aprovada em 2016, mesmo diante de protestos massivos em várias cidades francesas (nuit débout).
A pesquisadora explica ainda que no plano internacional, Macron procurou manter uma imagem de distanciamento da extrema direita, dentre as quais destaca-se o presidente Bolsonaro. Porém, de acordo com a pesquisa Democracias e participação política: Brasil e França em perspectiva comparada, desenvolvida pela docente, as relações entre Brasil e França não foram abaladas nesse período, no ponto de vista econômico, o que indica que Macron visa angariar votos à esquerda e apoio internacional à sua reeleição, que se dá em um contexto interno de fortalecimento dos extremos.
Já a principal rival, a candidata Marine Le Pen, do partido de extrema direita Rassemblement National, assume uma posição negativa quanto à acolhida de fluxos migratórios, contra os debates sobre nacionalidade e identidade francesa, bem como a adesão à uma agenda econômica neo-liberal. Le Pen aparece como forte candidata para vencer no segundo turno, com apenas quatro pontos abaixo de Macron (Segundo o Institut français d’opinion publique – IFOP). Jean Luc Mélenchon, por sua vez, candidato do partido La France Insoumise, de extrema esquerda, apareceu em terceiro.
Teresa Marques pontua que Macron se mantém em um frágil primeiro lugar como um governo de direita, porém candidato da esquerda, tal como ironicamente é apontado pela mídia e as redes sociais francesas. “Assim, temas muito importantes pautam a eleição francesa e, dado as diferentes e extremas posições dos principais candidatos quanto à Rússia, percebe-se que os debates ultrapassam a política doméstica, podendo dar pistas sobre o futuro do internacionalismo reacionário”, comenta.
A pesquisadora desenvolve pesquisas sobre a França nas temáticas de ativismo transnacional, ação coletiva, democracia e movimentos políticos. Atualmente conta com dois projetos em andamento: Democracias e participação política: Brasil e França em perspectiva comparada, com financiamento da BPA/PUCRS e FAPERGS nas Bolsas de Iniciação Científica e Padrões de ativismo transnacional migrante em tempos de ascensão da direita: a atuação política de migrantes brasileiros na Argentina, Estados Unidos e França, com financiamento de boas de IC CNPq.
A pesquisadora explica que as eleições na França impactam em diferentes cenários já que o País ocupa posições centrais em instituições internacionais e blocos regionais que têm grande peso no cenário internacional. O país europeu é um dos fundadores da Organização das Nações Unidas (ONU), e ocupa uma das cinco cadeiras permanentes do Conselho de Segurança, o que lhe garante poder de veto nas decisões do grupo. Além disso, a França ocupa o cargo de presidência da União Europeia (UE). A professora explica que, por conta disso, a forma como o futuro presidente se posicionar vai impactar o cenário europeu.
“As eleições de 2022 são ainda mais importantes no presente contexto, marcado pela Guerra na Ucrânia, dado que atualmente a França ocupa a presidência da UE. Embora o bloco tenha vivido uma crise há poucos anos com o Brexit, ele volta ao centro dos holofotes com o conflito”, destaca a docente.
Ela pontua ainda que os riscos causados pela Guerra forçam um fortalecimento da UE como um bloco, sobretudo para fazer frente aos desafios comuns que agora emergem, tais como a dependência do gás russo e a acolhida do fluxo massivo de refugiados vindos da Ucrânia. “A posição de liderança de um bloqueio contra a Rússia foi ocupada por Macron, sobretudo após a emergência de denúncias de massacres contra civis. Por mais este motivo, a eleição na França pode ter um peso para o desenrolar do conflito e na forma como os europeus lidarão com as suas consequências”, complementa a pesquisadora.
Marques ressalta que, desde a Segunda Guerra Mundial, a França participa ativamente da construção da ordem internacional e que foi fundamental para a validação da chamada diplomacia dos Direitos Humanos europeia. “A partir de uma perspectiva das Relações Internacionais, que assume que as ideias importam, acredito que a França tem grande importância como promotora de agendas globais. Do ponto de vista ideológico, as eleições na França também importam, haja vista que elas podem indicar tendências de fortalecimento da esquerda ou da direita perante o eleitorado”, finaliza.
O sistema eleitoral da França é uma democracia semi-presidencialista ou semi-parlamentarista e o voto não é obrigatório no país. A eleição acontece em dois turnos, o presidente tem um mandato de cinco anos e ele pode ser eleito para dois mandatos.
Conforme explica a pesquisadora, é um regime no qual o presidente é eleito por sufrágio universal direto, para se tornar chefe de estado com prerrogativas próprias. Em teoria, neste regime as responsabilidades são divididas entre o chefe do governo à frente do parlamento e o chefe de estado, mas na prática o chefe de Estado tem mais força visto que ele nomeia o chefe do governo.