“Se você não consegue compreender o coração de um homem, não é possível ser um cineasta”. Com essa e outras frases de efeito, o alemão Werner Herzog encantou a plateia que lotou o Salão de Atos da UFRGS na noite desta segunda-feira, 23 de setembro, ao apresentar algumas de suas criações em uma trajetória de décadas de cinema autoral. Conhecido por fazer cinema de forma independente, ele brindou os presentes com trechos de materiais inéditos, ainda brutos, e enfatizou a experiência proporcionada a quem assiste, desde o aspecto estético até as sensações despertadas pela trilha sonora. “Tento criar uma conspiração entre o espectador e o que está na tela”, revelou. O cineasta foi o sexto conferencista da temporada 2019 do Fronteiras do Pensamento, evento com apoio cultural da PUCRS e que, neste ano, é guiado pelo tema Sentidos da Vida.
A forma de trabalho de Herzog é única, e ele faz questão de ressaltar isso a cada momento. Em uma recente produção, filmou com drone uma área desértica na Austrália onde houve a queda de um meteorito há milhares de anos. Esse é um tema que o encanta, pois remete aos mistérios da vida. “Meteoritos comprovam que fora do Universo existem formas que não deveriam existir, com mais de 3,8 bilhões de anos. Ao filmar isso, eu sigo o impulso da minha fantasia”, comentou, destacando a existência dos quase cristais, formas misteriosas que tem pesquisado.
“Tudo que tem a ver com cinema não me traz nada senão alegria. Todos os elementos surgem em uníssono para mim. Eu vejo o filme por inteiro, como se já estivesse na tela”
Embora tenha em suas produções atores conhecidos como Nicolas Cage, que estrelou o filme Vicio Frenético (2009), e Christian Bale, que protagonizou O Sobrevivente (2006), Herzog é enfático ao falar de sua independência em relação à indústria de cinema norte-americana. “Sou um bom contador de histórias. Conto histórias melhor que Hollywood, que é ótima em efeitos especiais, mas na contação fica em segundo plano. Não preciso de Hollywood, nem Hollywood precisa de mim”, disparou, arrancando risos da plateia.
Ao ser questionado sobre seu processo criativo, afirmou que não há uma fórmula clara, e que rechaça o uso de storyboards (sistema de construção gráfica, com desenho quadro a quadro das imagens que serão filmadas). “Esse é um instrumento de pessoas antigas, que não confiam em si mesmas. É uma ferramenta para os covardes”, enfatizou. Herzog também é crítico aos diretores que filmam centenas de horas e passam anos editando os filmes. E dá a dica: “o mercado lá fora não financia você por dois anos”, o que remete à necessidade de filmes enxutos e edições mais rápidas.
“Vocês precisam ler muito, muito mesmo. Senão, serão cineastas medíocres”
A Amazônia peruana foi cenário de um de seus filmes, Fitzcarraldo (1982), e o assunto, que está na pauta internacional, também foi alvo de uma das perguntas ao cineasta alemão. “Globalmente, o que ocorre é parte de uma catástrofe maior, ligada ao consumismo, ao consumerismo, à nossa autodestruição. A Europa ocidental eliminou todas as suas florestas para criar espaços para o gado. Por isso, é preciso muito cuidado ao adotar uma atitude imperialista de dizer o que o Brasil deve fazer. Os efeitos também se estendem para outros países, como a Bolívia, por exemplo”. Ele recomendou que os jovens não devem esperar soluções dos políticos para mudanças, precisando agir por conta própria em nome do que desejam.
Com filmes e documentários como Aguirre, Fitzcarraldo, Nosferatu e O homem-urso, Herzog é um diretor que retrata o misticismo, o desconhecido e a tragédia no mundo. A partir de uma abordagem autêntica e polêmica, tornou-se mundialmente conhecido por escrever, dirigir e produzir os próprios filmes com baixo orçamento, geralmente em cenários inóspitos.
Agraciado em premiações como o Festival de Cannes, o Bafta e o Globo de Ouro, estudou história, literatura e música em Munique e na Universidade de Pittsburgh. Produziu seu primeiro filme em 1961, aos 19 anos, e sua obra reúne mais de 60 produções.