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Luc Ferry aborda “a vida boa” no final da temporada do Fronteiras do Pensamento

terça-feira, 12 de novembro | 2019

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Foto: Luiz Munhoz

“O que é uma vida boa para os mortais?” Esse foi o questionamento que norteou a conferência do filósofo francês Luc Ferry nesta segunda-feira, 11 de novembro. O intelectual escreveu o último capítulo da edição de 2019 do Fronteiras do Pensamento. Com o Salão de Atos da UFRGS lotado, o conferencista conversou com o público gaúcho do Fronteiras pela segunda vez. Há 12 anos, Ferry esteve na capital para o evento inaugural do seminário. Na ocasião, falou da filosofia como ferramenta para que os pais possam projetar a educação dos filhos. Neste ano, foram oito conferências que giraram em torno do tema Sentido da Vida a partir de abordagens como astronomia, cinema e psicanálise. O evento tem apoio cultural da PUCRS.

O que é uma vida boa? Grandes respostas da humanidade
Para chegar a sua conclusão, Ferry retomou quatro grandes respostas da história da humanidade para o grande questionamento da noite. “O que elas têm em comum? Estão todas ligadas a ideia de harmonia”, explicou. A primeira tem relação com a Odisseia, de Homero, que serve de modelo para toda a filosofia grega. Ela conta a história de Ulisses, rei grego que vai da guerra de Tróia para a paz nos braços da família, do caos a harmonia. “O fio condutor da história é que ele vai da vida ruim para a vida boa. Vida boa para Ulisses é a colocação de si mesmo em harmonia com o mundo”, destacou.

A segunda grande resposta é aquela ligada às religiões. “A harmonia não mais com o cosmos, mas com os mandamentos divinos. Em troca, a salvação”, afirmou o filósofo. A terceira questão que buscou resolver a pergunta principal traz uma solução humanista. Ferry contou que com o iluminismo e a democracia, a resposta para uma vida boa foi humanizada, e não é mais a harmonia com o cosmos ou com Deus. “Ela está numa pequena frase conhecida mundialmente: a minha liberdade termina onde começa a do outro”, salientou. O sentido da vida nesta terceira fase é a harmonia com os outros. O francês complementa: “e, se possível, tenho que fazer algo a mais para acrescentar na humanidade”.

Foto: Luiz Munhoz

Foto: Luiz Munhoz

De acordo com o conferencista, a quarta resposta domina o mundo hoje. “Não gosto dela, mas vou contar: Nietzsche diz que faz filosofia com um martelo. Ele é um “desconstrutor”, rompeu com as transcendências passadas. Quebra as três respostas anteriores com esse martelo, pois pensa que elas são alienações que nos privam da nossa liberdade”, explicou. Ferry contou que, uma vez que tudo são ilusões, então só resta o umbigo de cada um, o individualismo, o narcisismo, a preocupação consigo mesmo. “E o que está atrás de si mesmo? A felicidade. O mundo inteiro está inundado de livros sobre lições de como ser feliz. E isso é o resultado destas desconstruções. Hoje ouvimos que temos que aprender a amar a nós mesmos como amamos nossos filhos. Para mim, isso é a definição de loucura”, expôs.

Mas afinal, qual resposta interessa a Ferry?
A quinta resposta é a que apaixona o filósofo. E ele a divide em duas revoluções: a do amor e a da longevidade.

A revolução do amor
Nos anos 50 e 60, os historiadores se interessaram por algo inédito até então: a história da vida privada. Ou seja, a rotina das pessoas comuns, o que elas comiam, como morriam, como se casavam, etc. “Com isso, eles nos ensinaram duas coisas: todos os casamentos eram arranjados, e o capitalismo inventou o casamento por amor”, explicou.

“O grande problema do casal moderno é transformar a paixão em algo como uma amizade amorosa, uma cumplicidade por amor”

“Antes, a mortalidade era baixa, então as pessoas não ficavam casadas por muito tempo. Hoje, elas vivem mais, e ficam casadas por 50, 60 anos, o que pode parecer uma eternidade”, disse o filósofo, arrancando risos da plateia. Sobre o capitalismo, Ferry relembrou que ele trouxe o trabalho assalariado, com isso, o proletariado e o mercado de trabalho. Essa transformação está intimamente ligada a história das mulheres: “Para elas, é uma formidável emancipação. Autônomas financeiramente falando, elas podem escolher com quem querem casar e, mais do que isso, escolher quem amam. Assim nasceu o casamento por amor”.

Foto: Luiz Munhoz

Foto: Luiz Munhoz

A revolução do transumanismo
Para Ferry, essa é uma revolução muito contemporânea. Para explicá-la, ele relembrou que quando os gregos, os chineses e os árabes inventaram a medicina, só existia um modelo: o terapêutico. O médico estava lá para tratar e cuidar do doente. “Os transumanistas dizem que chegou a hora de acrescentar a medicina da melhoria do ser humano. Fazer com o ser humano o que se faz com o milho transgênico, resistente à seca na África, por exemplo. Dizendo isso, já ouço meus amigos intelectuais criticando a ideia. E não se trata de criar super humanos, mas aumentar a longevidade humana”, defendeu o conferencista.

Ele ainda fez uma ressalva: “não confundam expectativa de vida e longevidade. A expectativa de vida aumentou ao longo da história, a longevidade não. O máximo que uma pessoa já viveu foi 122 anos”. O filósofo complementou: “os transumanistas dizem que chegou a hora de corrigir as falhas genéticas, por exemplo”.

Consequências das duas revoluções
O que os dois movimentos trouxeram está muito relacionado a ideia de pensamento alargado, de Kant. “Com os horizontes ampliados, entendendo outras culturas, você se humaniza mais. Isso nos permite encontrar mais pessoas que podemos amar. O que dá sentido à nossa vida são os horizontes ampliados”, respondeu.

Finalizando a linha de raciocínio, Ferry apontou que a velhice tem uma vantagem: “uma coisa que um jovem muito inteligente jamais conseguirá substituir é a experiência”.

“E, no fundo, essas duas revoluções dão sentido à nossa existência: o amor, que dá sentido à vida, e o aperfeiçoamento de si mesmo, não para olhar para o próprio umbigo, mas para alongar os horizontes e se relacionar mais com os outros”, completa.

Sobre o filósofo francês
Ferry tem 68 e é formado em Filosofia pelas universidades de Sorbonne e de Heidelberg e doutor em Ciência Política pela Universidade de Reims. Recebeu os graus de Cavaleiro da Legião da Honra e da Ordem das Artes e das Letras da República Francesa, além de prêmios como Droits de l’Homme e Ernest Thorel. Entre 2002 e 2004, foi titular do Ministério da Educação do governo de Jacques Chirac.

Luc Ferry esteve no Fronteiras nos anos de 2007, 2011 e 2015. É um dos filósofos franceses mais lidos da atualidade. Autor de dezenas de publicações sobre temas atuais e questões existenciais, foi com seu livro Aprender a viver que se tornou um best-seller conhecimento em todo o mundo. Na obra, ele mostra como a filosofia pode desempenhas o papel de uma alternativa laica à religião.

O Fronteiras do Pensamento Porto Alegre é apresentado por Braskem, com patrocínio Unimed Porto Alegre e Hospital Moinhos de Vento, parceria cultural PUCRS, e empresas parceiras Unicred e CMPC. Universidade parceira UFRGS e promoção Grupo RBS.