Ir. Evilázio Teixeira, Reitor da PUCRS
O inédito se apresenta à sociedade gaúcha em forma de caos. Numa crise como esta, emerge do ser humano aquilo que ele possui de melhor e de pior. Felizmente, a solidariedade tem sido vitoriosa. É natural que surjam expectativas e um sentimento de esperança sobre o futuro. Temos algo grande a (re)fazer, porém, está faltando um. Não qualquer um. Tem que ser um que ame a vida com uma paixão irresistível. Um que não esteja conformado com o mundo tal como está, que tenha desejos de criar algo novo. Alguém que esteja disposto ao trabalho, que queira chegar a tantas solidões quanto existem. Um que saiba que a felicidade de um ser humano não pode consistir em ter mais botões a fazer funcionar; que empregue seu tempo e suas forças a fim de fazer possível a justiça e a fraternidade.
O ser humano é o único ser na natureza que é consciente da sua própria finitude. E “ser finito” quer dizer limitado no espaço e no tempo. Somos seres da passagem e da contingência. O presente nos convoca, e nos incita a uma mudança de perspectiva, em que a tentação de procurar soluções cosméticas não vai dar conta. Em geral não vemos as coisas como elas são, mas como nós somos. Trata-se de uma mudança não de óculos, mas mudança de olho – mudança do nível de consciência: do estágio racional para o estágio transpessoal. Mudança no modo de conhecer: do modo dualista ao não-dual.
Está faltando um. Não importa o gênero, tampouco a cor, muito menos a religião e a condição social. O importante é que queira fazer algo grande com sua vida, com desejo de superar-se e chegar ao mais alto. Está faltando um que seja muito humano, terrivelmente humano, loucamente humano, capaz de fazer surgir a amizade no coração das pessoas, capaz de alegrar-se e admirar-se. Um que queira compartilhar a sorte dos demais com desejos de criar a grande família humana.
A memória precisa ser sempre reavivada para que a justiça desprezada e o sofrimento tenham como horizonte a verdadeira justiça e a esperança. Momentos históricos como o que estamos vivendo no RS impedem que o esquecimento faça o seu trabalho e nos mantêm críticos e vigilantes em relação às ideologias políticas e práticas humanas que reduzem o ser humano, que o classificam por razões forjadas na mentira e no desamor.
Lembro-me das palavras de um homem que sobreviveu ao campo de concentração da segunda guerra mundial e nos deixou um legado imensurável; um homem que esteve em nossa Universidade para receber o título de Doutor Honoris Causa em 1984: Viktor Frankl. Diz ele: “pode-se tirar tudo de um homem, exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a própria atitude em qualquer circunstância. Se percebemos que a vida realmente tem um sentido, percebemos também que somos úteis uns aos outros. Ser um ser humano é trabalhar por algo além de si mesmo. “
A solidariedade, portanto, exige reciprocidade e se mostra como condição para a nossa própria existência como seres de relação. Solidariedade e fraternidade, portanto, são valores construídos a partir das experiências e das aprendizagens. As lições que iremos tirar de toda essa tragédia serão nosso novo norte se aceitarmos sermos este “um” que ainda falta.