Seriam as pessoas em situação de rua protagonistas de suas próprias vidas? Nos municípios em que não há estímulo a sua participação, não. Essa foi a resposta defendida por Rodrigo dos Santos Nunes, assistente social e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da PUCRS, em sua dissertação de mestrado. “Como eles serão protagonistas se não são convidados pelo poder público para falar sobre as causas e os problemas que enfrentam nas ruas?”, questiona. Estudioso do tema desde a graduação, Nunes explica que a maioria dos municípios brasileiros sequer faz mapeamentos ou possui indicadores que mensurem o número de pessoas que, fora de casa, encontram um local para sobreviver ou os motivos que as levaram a este extremo. A tese de doutorado, em execução, pretende avaliar a vigilância socioassistencial da região metropolitana de Porto Alegre, analisando a existência de medidas preventivas e executivas de auxílio à população em situação de rua e sugerindo possíveis estratégias para as gestões políticas.
Ao longo do mestrado, o assistente social identificou a existência de um fenômeno de rualização, processo que, por múltiplas causas, leva pessoas a encontrarem nas ruas uma nova identidade. Curiosamente, o desemprego não figura como um de seus motivos principais, mas sim a precariedade dos trabalhos oferecidos sem formalidade, sem garantias trabalhistas ou com remuneração insuficiente. Nunes aponta que essa situação costuma gerar conflitos domésticos, fragilizando os vínculos familiares e agravando a situação de vulnerabilidade. À multicausalidade, integram questões associadas a situações de morte na família, abuso de álcool e outras drogas e questões conjugais, por exemplo. Crianças também são atingidas. “Elas passam a frequentar menos a escola e buscam atividades para garantir a sobrevivência da família. Consequentemente, a proteção sanitária se reduz e a nutrição torna-se insuficiente, incapacitando a saída do ciclo de pobreza para várias famílias”. Em Alvorada, município estudado pelo pesquisador, 3,1% da população foi identificada em extremo caso de pobreza, com renda domiciliar abaixo dos R$ 70 por pessoa, mas apenas 1% do orçamento total do município foi destinado à assistência social.
Depoimentos de pessoas em situação de rua coletados pelo pesquisador identificam que aqueles que não possuem um endereço fixo têm restrita a possiblidade de conseguir um novo emprego. Ele explica que a ideia da perda do trabalho se relaciona com a perda da identidade, das condições de vida e da autoestima. A conclusão diante de tantas causas é enfática: não há protagonismo ao tratar sobre pessoas vulneráveis em situação de rua, exceto nas experiências em que há investimento em políticas inclusivas. Assim como as causas da rualização são múltiplas, as medidas necessárias para seu enfrentamento também devem se desenvolver em inúmeras áreas de ação. A primeira necessidade, e também tema da pesquisa de doutorado, é que haja estudos e indicadores que subsidiem o planejamento, assim como o monitoramento e avaliação das políticas sociais. Nunes complementa que são necessárias alternativas inovadoras para promover a efetiva participação das pessoas em situação de rua nas decisões que devem impactar em suas vidas, bem como a execução de mapeamentos e diagnósticos que desvendem vulnerabilidades e riscos sociais, possibilitando a proposição de estratégias intersetoriais.