Impacto Social

Redução das desigualdades de acesso ao Ensino Superior perde fôlego, mostra pesquisa da PUCRS 

Tendência de democratização do acesso havia se iniciado no início do século, mas perdeu força desde 2015, aponta o estudo

segunda-feira, 10 de março | 2025
Estudo foi coordenado pelo professor André Salata, do PUCRS Data Social. / Foto: vgnk por Pixabay

No Brasil, a renda média dos trabalhadores com ensino superior é 168% maior do que profissionais sem esse nível de escolaridade. Apesar de, nas últimas décadas, ter havido uma melhora nos números, o acesso ao Ensino Superior ainda é um privilégio no País: apenas 23% da população com idade entre 23 e 34 anos concluiu o Ensino Superior – uma porcentagem abaixo da média de 47% dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).   

Em um país desigual como o Brasil, as chances de ingressar em uma universidade não são distribuídas igualmente entre jovens de diferentes estratos socais: em 2022, a probabilidade de um jovem de classe média alta chegar ao ensino superior era 3,5% maior do que as de um proveniente de uma classe baixa urbana. 

Desde o início do século 20, existe uma tendência de redução das desigualdades de acesso ao Ensino Superior. A partir de 2015, no entanto, esse movimento perdeu força. Essa é a principal conclusão de um estudo conduzido por pesquisadores da PUCRS, recentemente publicado na “Dados: revista de Ciências Sociais” – um dos mais tradicionais e prestigiados jornais acadêmicos da área no País.

O estudo tem como fonte de informações os microdados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD e PNADc), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e cobre um período de três décadas (1992-2022). O recorte utilizado é o de jovens com idade entre 18 e 24 anos, que estivessem no papel de filhos em suas casas. Os dados receberam tratamento estatístico a partir de modelos de regressão multivariada.  

O foco do estudo é dirigido à transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior, ou seja, às desigualdades de acesso às universidades entre os jovens que conseguiram completar o ensino básico. Em 2002, as chances de um jovem oriundo de classe média alta chegar ao ensino superior era de 5,8% maior do que de um jovem procedente de classe baixa urbana. Em 2015, essa vantagem havia diminuído para 2,4%. Até 2022, essa porcentagem havia subido para 2,6%. Segundo os pesquisadores, a tendência desde 2015 é de estagnação. 

Para o professor Andre Salata, coordenador do estudo, há diversas razões que ajudam a explicar o movimento observado: 

“Foi somente em um contexto muito específico que as barreiras de acesso ao Ensino Superior foram reduzidas. Tal contexto pode ser caracterizado por três fatores que julgamos fundamentais; forte expansão do ensino superior; fortalecimento das políticas voltadas à democratização do acesso ao ensino superior; e redução das desigualdades econômicas entre os estratos sociais. Com o arrefecimento dos três fatores acima mencionados, o processo de redução das barreiras sociais na transição entre o ensino médio e o ensino superior foi interrompido.” 

O estudo também testou outros indicadores de origem social dos jovens, como renda domiciliar e o nível de escolaridade dos pais. Em relação à variação utilizada, as conclusões principais permaneceram inalteradas: em 2004, jovens nascidos em famílias que constituíam as 20% mais ricas do País possuíam uma probabilidade de 4,2% maior de atravessar a barreira do ensino médio ao ensino superior do que aqueles nascidos entre os 20% mais pobres. Em 2015 essa vantagem caiu para 2,5 vezes. Porém, até 2022 havia subido novamente para 3,4%. 

Quando comparamos jovens com responsáveis que tiveram acesso ao ensino superior com aqueles em que os pais haviam somente completado os anos iniciais do ensino fundamental, a tendência segue o mesmo padrão – o risco relativo era de 3,9% em 2003, chegou a 2,4% em 2014 e subiu para 2,9% em 2022. 

De acordo com Salata, a desigualdade nas chances de ultrapassar a barreira que separa o ensino médio do ensino superior são esperadas:

“As famílias dos estratos mais altos contam com um aporte significativamente maior de capital econômico e, principalmente, cultural, que contribuem para aumentar a probabilidade de seus filhos chegarem à universidade”, argumenta o professor. 

No entanto, a maior novidade, como analisam os pesquisadores, está na variação do tamanho dessa desigualdade ao longo dos últimos anos. Segundo o coordenador do estudo, “entre os primeiros anos desse século, e aproximadamente 2015, assistimos um importante movimento de redução dessas desigualdades. A partir daí, porém, essa tendência desaparece, e o que passamos a verificar é uma constância ou mesmo certa elevação das desigualdades de acesso ao ensino superior”. 

Os cientistas ainda ressaltam que os dados não permitem mensurar quais fatores foram mais ou menos responsáveis por aquele período de redução das desigualdades. Destacam-se elementos como a forte expansão do ensino superior, as políticas de democratização do acesso, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), Programa Universidade para Todos (Prouni) e o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), assim como a redução das desigualdades econômicas naquele período:

“Foi uma conjunção de políticas, somadas a um contexto econômico muito positivo, que nos permitiu fazer aquela reta descer. Fazer isso novamente vai depender, portanto, do fortalecimento das políticas de acesso, da redução das desigualdades econômicas e, também, de uma melhora da qualidade do ensino básico”, conclui Salata.