Diante das enchentes no Rio Grande do Sul, é fundamental reconhecer a gravidade deste cenário e oferecer solidariedade às comunidades mais impactadas, que necessitam urgentemente de assistência e cuidado. É igualmente essencial aprofundar a análise dessa crise, refletindo sobre suas causas relacionadas às dinâmicas da intervenção humana no meio ambiente. No quinto painel das Rodas de Conversa da Escola de Comunicação, Artes e Design — Famecos da PUCRS, foram explorados temas como sustentabilidade, mudanças climáticas e outros fenômenos dentro do contexto do antropoceno. Abaixo, compartilhamos algumas reflexões.
A bióloga Letícia Azambuja Lopes introduz o tema destacando a necessidade de refletirmos sobre nossas ações e suas consequências no mundo. Ela enfatiza que essa reflexão não deve ser apenas individual, pois isso pode não ser suficiente, mas também coletiva e multidisciplinar. Para ela, o antropoceno é a era em que os humanos ultrapassaram o uso sustentável dos recursos naturais do planeta. “Nós erodimos esse planeta”, comenta a bióloga e pesquisadora em ecologia e evolução da biodiversidade.
Ela também explica que, na era geológica anterior, conhecida como holoceno, a vida no planeta mantinha uma condição saudável que se desenvolveu ao longo de milhares de anos, permitindo o surgimento dos primeiros organismos vivos. Com a chegada do Homo sapiens, os recursos começaram a se esgotar, sendo um alerta tanto para a nossa subsistência quanto para a de outros organismos vivos. Essa é a era dos humanos, o antropoceno, um conceito utilizado para designar uma nova época geológica caracterizada pelo impacto do homem na Terra.
Letícia Azambuja Lopes, bióloga
Existe um descompasso entre a forma como nos organizamos em termos de planejamento e projetos futuros e o que o planeta como um todo nos demanda. Como podemos nos tornar mais sistemicamente semelhantes à forma como o planeta se organiza, que é relacional, e plural, diversificada. Essas são as considerações do pesquisador em planejamento urbano e regional, Christiano Pozzer. O pesquisador também trouxe as ideias de antropoceno e capitoloceno. Pozzer comenta que o contexto antropoceno não nos diz sobre o que precisamos fazer após as enchentes, por exemplo. Pois as alternativas que temos são negativas ou vão se sobrepor à natureza. Por isso, reflete que talvez não possamos considerar individualmente o antropoceno, pois nem todos os seres humanos representam esse mesmo sistema de dominação da natureza, indicando que não é somente o humano, mas sim o capital, no ponto de vista da interferência. Além disso, ele considera qual era, qual tipo de filosofia e pensamento de futuro podemos ter para desconstruir a persistência e os efeitos do capitoloceno no planeta.
Christiano Pozzer, pesquisador em planejamento urbano
O pesquisador em planejamento urbano e regional Yuri Rezende Taraciuk trouxe ao diálogo a concepção de paisagem, argumentando, a partir de reflexões de Michel Foucault e Georg Simmel, que no século XVIII o homem começou a se distinguir da natureza. Nesse contexto, a filosofia da paisagem emerge como uma contraposição entre a lógica dialética e a lógica estratégica, ajudando a entender as conexões que delimitam espaços para administrar e gerir o outro, destacando a importância de refletir sobre o presente e o futuro. Um exemplo prático dessa reflexão é como a paisagem é utilizada estrategicamente pelas cidades e estados, especialmente no contexto das enchentes. Nos espaços de poder, discute-se se a paisagem deve ser protegida, embelezada ou desenvolvida, como visto em discursos e imagens como o letreiro “I love POA!”. O pesquisador destaca a necessidade de entender os efeitos dessas imagens e como elas limitam o espaço a ser construído.
No futuro, em que as enchentes terão um papel estratégico no planejamento urbano, as camadas mais ricas provavelmente se adaptarão, enquanto os mais vulneráveis não terão a mesma sorte. Portanto, é essencial pensar na paisagem hoje, não apenas como um retrato, mas como um instrumento estratégico que circunscreve o espaço administrado por relações de poder. Taraciuk nos instiga a nos engajar nesse conflito para compreender a visão estratégica do outro lado e como essas forças estão lendo a paisagem e planejando o futuro, questionando qual é a leitura estratégica atual da paisagem e como podemos pensar taticamente sobre essas forças para garantir um futuro mais equitativo. A roda de conversa sobre a temática pode ser conferida na íntegra, no Youtube da Famecos.