Impacto Social

Direito climático: saiba mais sobre a área que busca um futuro legalmente sustentável 

Ramificação do Direito Ambiental, o Direito Climático tem como foco prevenir danos e prejuízos relacionados às mudanças do clima 

quinta-feira, 06 de fevereiro | 2025

A área do Direito Climático abrange desde a regulamentação de emissões de gases de efeito estufa ao cumprimento de acordos internacionais. / Foto: Governo do RS/Mauricio Tonetto/Secom

A medida que as catástrofes climáticas são mais frequentes, a Justiça passa a ter um papel importante para prevenir novas tragédias e mitigar prejuízos. Conhecido como Direito Climático, o conceito é uma ramificação do Direito Ambiental tradicional. A área abrange desde a regulamentação de emissões de gases de efeito estufa ao cumprimento de acordos internacionais. Também busca garantir que as ações de combate à crise climática sejam equitativas, levando em conta as necessidades das populações mais vulneráveis — geralmente as que menos poluem, mas que são as mais afetadas pela mudança do clima.  

Na PUCRS, as discussões em torno do tema vêm ganhando destaque crescente. No início do segundo semestre de 2024, por exemplo, o Direito Climático foi abordado em dois grandes eventos acadêmicos: a Semana PUCRS Sustentável, realizada em agosto, e o III Congresso de Direito Ambiental, no mês seguinte.  

Mas o que difere o Direito Climático do Direito Ambiental? O juiz federal Gabriel Wedy – um dos autores do pioneiro livro Curso de Direito Climático (Revista dos Tribunais, 2023), junto com o professor da Escola de Direito da PUCRS Ingo Wolfgang Sarlet e o defensor público Tiago Fensterseifer – explica que esse “novíssimo Direito” é uma disciplina independente.  

“Como o Direito Ambiental, que para fins didáticos e acadêmicos já pertenceu ao Direito Administrativo, ou o Direito Tributário, que pertenceu ao Direito Financeiro, o Direito Climático ganhou autonomia nos maiores centros de pesquisa no mundo, em especial nos Estados Unidos e na Europa”, diz o magistrado. É assim na Universidade Columbia, nos EUA, e na Universidade Heidelberg, na Alemanha, dois centros em que Wedy realizou pesquisas científicas com foco em litigância climática. 

Por meio das experiências como pesquisador visitante, Gabriel Wedy — que é pós-doutor em Direito pela PUCRS e professor — observou a necessidade da criação de disciplinas autônomas de Direito Climático. Nelas, são discutidos temas como novos contratos de energias renováveis e a jurisprudência que envolve a tutela do sistema climático. Mas o escopo é bem mais amplo, abrangendo políticas públicas, prevenção e resposta a desastres, refugiados climáticos, descarbonização da economia e a construção de cidades sustentáveis.  

“Depois do Acordo de Paris, da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável da ONU e da encíclica Laudato Sì (uma das primeiras publicadas pelo Papa Francisco), as instituições tomaram maior consciência de que é importante prevenir agora do que ter que lamentar depois”, complementa Wedy. 

De quem é a responsabilidade? 

Ingo Sarlet é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCRS. / Foto: Giordano Toldo

De acordo com o Global trends in climate change litigation: 2024 snapshot, relatório publicado em junho por um instituto de pesquisa em mudanças climáticas da London School of Economics and Political Science, a quantidade de processos movidos contra empresas por conta de questões climáticas cresce rapidamente. A pesquisa analisou 2.666 casos, concluídos entre 2016 e 2023, e constatou que cerca de 70% deles tiveram desfecho favorável aos reclamantes.  

Só que muitas vezes a responsabilidade por um determinado impacto climático não é de uma empresa, mas do poder público. No Brasil, o primeiro caso típico julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) foi em 2022 e envolvia a descontinuação e o contingenciamento dos recursos do Fundo Clima, do governo federal. Na mesma esteira veio o Fundo Amazônia. Em ambas as situações, o STF entendeu que houve omissão por parte do governo federal. Por isso, tomou decisões para a retomada do funcionamento desses instrumentos de preservação ambiental.  

O professor Ingo Sarlet, que foi desembargador e hoje coordena o Programa de Pós-Graduação em Direito da PUCRS, entende que os desafios climáticos devem ser enfrentados (e compartilhados) pelo Estado tanto quanto pela sociedade – conforme previsto no texto da Constituição Federal, com a promulgação da EC 123/2022.  

“O Direito Climático, em conjunto com os demais princípios e regras ambientais aplicáveis, pode contribuir ao oferecer parâmetros normativos a serem observados e servir de instrumental para a fiscalização, prevenção e mesmo repressão e sancionamento de quem descumprir tais parâmetros e obrigações”, diz. 

Outra preocupação do Direito Climático é com a justiça social. Afinal, a população submetida a diferentes formas de desigualdade (econômicas, sociais, de gênero, raça e etnia) é ainda mais vulnerável aos efeitos das mudanças pelas quais o planeta vem passando. E a razão é simples, segundo Wedy: essas populações têm menos espaço na sociedade, recebem menores salários e vivem em áreas de baixo custo imobiliário e alto risco de ocorrência de catástrofes.  

“Quem morre em ondas de calor e de frio em todo o mundo são majoritariamente os pobres e os excluídos. As elites econômicas e sociais sofrem bem menos com o aquecimento global”, afirma.  

O juiz acredita que uma nova ética ecológica e climática não admite decisões negacionistas ou comportamentos processuais contraditórios. Isso muitas vezes acontece por conta do rent seeking. O termo é usado para descrever quando um agente privado busca garantir seus interesses econômicos manipulando o ambiente a seu favor, supostamente em nome do coletivo, por meio de corrupção e lobby.  

“Comunidades carentes e a natureza não podem ser tratadas como meros instrumentos para a obtenção de fins pessoais, políticos e econômicos. Deve-se rejeitar que vantagens conferidas para poucos não beneficiem os mais desfavorecidos, entre estes incluída a própria natureza”, avalia Gabriel Wedy.  

Tragédia no RS 

A enchente que assolou o Rio Grande do Sul em maio gerou – e ainda gera – uma série de dúvidas. A tragédia era inevitável? De quem é a culpa? Houve omissão ou descaso do poder público? Conforme os especialistas ouvidos pela reportagem, o episódio ainda terá muitos desdobramentos — seguramente com importante repercussão para o Direito Climático.  

“A apuração de eventuais responsabilidades, que de longe se limita ao poder público, irá depender de efetiva investigação e dos seus respectivos achados. Estes, por sua vez, poderão resultar em medidas administrativas e judiciais, neste caso, tanto em nível de responsabilidade civil quanto administrativa e, a depender do caso, criminal”, argumenta Sarlet. 

Já Wedy lembra que, dez anos atrás, estudos da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e do governo francês apontavam claramente para o risco de aumento de enchentes em território gaúcho.  

“Entendo que a responsabilização pela catástrofe climática que atingiu o Rio Grande do Sul envolve em parte os municípios, o Estado e a União, pela falta de adoção de medidas de precaução e de prevenção, mas os maiores responsáveis pela crise climática são a indústria dos combustíveis fósseis e os desmatadores.” 

Seja como for, os juristas concordam que é preciso educar a população. E contar com um sistema jurídico preparado para lidar com a litigância climática. Nesse sentido, o Brasil estaria em vantagem, já que conta com um dos sistemas de responsabilidade civil ambiental e climática mais abrangentes do mundo. Isso não significa que o País tem tudo de que precisa. Na verdade, é preciso manter o Brasil em constante evolução para dar respostas adequadas quando a legislação não for observada ou quando a realidade mudar e novas leis se tornarem necessárias. Afinal, a responsabilidade – inclusive em nível constitucional – pela proteção do ambiente e a contenção do aquecimento global é do Estado e da sociedade.  

Ao fim e ao cabo, a Constituição e a legislação brasileira são bem avançadas no que se refere ao Direito Ambiental. Mas precisarão ir além em termos de Direito Climático. 

“O maior problema é fazer com que o Estado, no âmbito dos Três Poderes, e a cidadania cumpram esta normativa para que as gerações atuais e futuras possam gozar de um verdadeiro direito ao futuro ecologicamente sustentável e descarbonizado”, finaliza Wedy. 

*Texto originalmente publicado na edição 195 da Revista da PUCRS, lançada no mês de dezembro de 2024. A produção foi cocriada com a República Conteúdo e a edição completa está disponível para download neste link.