A internet mal existia e algumas mulheres já pavimentavam o caminho da educação a distância
quarta-feira, 10 de julho | 2024A internet mal existia e algumas mulheres já pavimentavam o caminho da educação a distância
As docentes foram precursoras na modalidade. / Foto: Giordano Toldo
A educação a distância (EaD) está consolidada no Brasil. De acordo com o último Censo da Educação Superior, elaborado com base nos dados de 2022, a oferta de cursos EaD cresceu 700% em dez anos. Por consequência, o número de matrículas também aumentou. Dos 4,7 milhões que começaram cursos de graduação, cerca de 3,1 milhões optaram pela modalidade virtual – quase dois terços (65%) do total. Na PUCRS, são aproximadamente 67 mil estudantes matriculados em cursos a distância. Um cenário que não seria possível sem o árduo trabalho da pesquisa.
Antes mesmo de a internet existir, vários profissionais da PUCRS desenvolviam estudos na área da educação mediada por tecnologia. E, ao longo dessa jornada, as mulheres sempre tiveram papel de destaque. A seguir, você vai conhecer as histórias de algumas dessas pioneiras da educação online. Elas falam sobre a evolução da informática na educação, o desenvolvimento da EaD e os desafios que enfrentaram na carreira pelo simples fato de serem mulheres.
Débora Conforto foi responsável por implementar a Coordenadoria de Disciplinas Online da Graduação Presencial. / Foto: Giordano Toldo
Formada em Ciências Biológicas, a professora Débora Conforto mudou de área quando, em 1995, leu um cartaz que divulgava uma especialização em Informática na Educação na PUCRS. Esse passou a ser seu campo de pesquisa, com duas especializações e um mestrado (com passagem direta para doutorado). “Tenho esse momento muito presente na memória”, diz a educadora de 62 anos.
“Percebi que os computadores poderiam possibilitar a construção de algumas respostas para o descompasso que já se percebia entre as propostas pedagógicas e o mundo, cada vez mais complexo e desafiante. Eu estava certa.”
Em 2019, Débora foi responsável por implementar a Coordenadoria de Disciplinas Online da Graduação Presencial, que atualmente conta com um portfólio de 55 disciplinas. Algo inimaginável em 1997, quando a internet recém começava a ganhar força nos espaços educacionais. Quase três décadas depois, a educação agora debate os impactos da Inteligência Artificial (IA), o que pode permitir processos mais personalizados de aprendizagem e qualificar a prática docente para além dos ambientes presenciais.
Com tantas possibilidades e recursos digitais à disposição, deslocar-se presencialmente para uma instituição de ensino superior deve ter como premissa a possibilidade de realizar práticas efetivamente autorais. Esses devem ser espaços coletivos de criação, de mão na massa. É hora da prática – já que, em tese, a pluralidade de conteúdos digitais libera o docente da tarefa de “fornecer” a informação exclusivamente em sala de aula.
“A web facilita o acesso a diferentes abordagens de um mesmo conteúdo, colocando para o professor o desafio da curadoria e da problematização dessa informação. Isso propicia uma otimização do tempo pedagógico para construções cognitivas mais desafiadoras”, acredita.
Cabe dizer que, em vez de “educação a distância”, a educadora prefere o termo “educação não presencial”. Ela defende:
“O uso da palavra ‘distância’ é problemático. Com os recursos tecnológicos que temos, podemos experienciar qualificadas práticas educacionais com distanciamento físico, mas com a garantia de comunicação e interação. Ou seja, com a efetiva presença humana”. Segundo Débora Conforto, o período de pandemia ensinou que a presencialidade assume novas configurações. “Não são piores ou melhores, e sim configurações mais efetivas.”
“A web facilita o acesso a diferentes abordagens de um mesmo conteúdo, colocando para o professor o desafio da curadoria e da problematização dessa informação.”
Lucia Maria Martins Giraffa atua como docente na Escola Politécnica da PUCRS. / Foto: Giordano Toldo
Lucia Maria Martins Giraffa, 67, não só testemunhou as transformações na PUCRS como participou ativamente delas. Formada em Matemática e Ciências, teve uma breve passagem pela Universidade no início dos anos 1980, regressando em 1986 para atuar como pesquisadora e professora da Escola Politécnica. Começou na docência em EaD, em 1987, quando os sistemas não eram integrados. “Foi quando percebi o quanto poderia ser promissora esta abordagem, desde que pautada pela interação e presencialidade no virtual.” Em 2006, foi chamada pela Reitoria para coordenar a PUCRS Virtual.
“A experiência foi maravilhosa, construída a várias mãos. A PUCRS Virtual já tinha um nome e uma reputação de pioneirismo e prestava importantes serviços com seu sistema de satélite e arquitetura pedagógica”, destaca.
Especialista em Análise de Sistemas, mestra em Educação e doutora em Computação na área de Inteligência Artificial na Educação, a professora considera que a EaD evoluiu junto com as tecnologias digitais, a internet e as aprendizagens proporcionadas pelos diferentes modelos pedagógicos – exitosos ou não.
“Eu acredito na EaD do jeito como pensamos aqui na PUCRS: alicerçada em interação, materiais de qualidade, professores preparados e um cuidado para o estudante se sentir presente mesmo a distância”, sintetiza Lucia.
Se ainda há resistência à modalidade, diz ela, é pelo oportunismo de grupos interessados apenas nos ganhos financeiros. “Na PUCRS, buscamos ofertar algo que acompanhe os valores da Universidade. É um desafio, pois a pressão do mercado é enorme – e oferecer educação de qualidade tem custo.”
Terezinha Pereira Claudio de 76 anos é professora emérita da PUCRS. / Foto: Giordano Toldo
No final da década de 1960, internet era coisa de ficção científica. Mesmo no ambiente acadêmico, um simples computador individual era artigo de luxo. “Foi só em 1974 que a universidade recebeu um IBM 1130, que tinha apenas 64 kilobytes”, relembra Iára Terezinha Pereira Claudio, 76 anos, professora emérita da PUCRS. A título de comparação, a memória de um smartphone atual tem dezenas de gigabytes.
A educadora testemunhou os primeiros passos da Universidade rumo à informatização – e também ajudou a estabelecer os parâmetros do que seria o ensino conectado às novas tecnologias. Sua trajetória, no entanto, começou na Matemática.
Iára se graduou na instituição em 1969 e, a partir do ano seguinte, já lecionava em diversos cursos. Certo dia, ao encerrar uma aula, foi avisada pelo então superintendente acadêmico, Alfredo Steinbruch, que seu nome havia sido indicado para o mestrado em Ciência da Computação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Mas eu sou da Matemática”, respondeu. Steinbruch argumentou: “Vamos iniciar uma formação na área, e a universidade precisa de pesquisadores”.
Desde 1971, a Informática da PUCRS era um dos departamentos do Instituto de Matemática. O objetivo era ampliar esse escopo de atuação para atender à crescente demanda do setor produtivo. Um convênio com a gigante IBM estava a caminho para viabilizar a tecnologia. Faltava capacitar docentes para a nova graduação. Iára não hesitou e assentiu ao convite.
Em 1976, defendeu a dissertação no campo da Informática na Educação. No ano seguinte, a Informática da PUCRS ganhou um instituto próprio, posteriormente transformado em faculdade (Facin), sempre com atuação ativa de Iára, inclusive como diretora. “Trabalhamos com diversos projetos, incluindo a universidade virtual junto à IBM, sementeira do Tecnopuc”, diz a professora.
A PUCRS, de fato, tornou-se um polo promotor de novas iniciativas, o que fundamentou todo um projeto de pós-graduação, com laboratórios e bolsas de pesquisa para centenas de alunos.
“É característico da PUCRS estar na vanguarda, porque sempre investiu na capacitação dos professores e em tecnologia”, explica Iára.
Ela lembra que, no princípio da EaD, havia muita desconfiança no setor, mas a pandemia revelou o potencial do formato. “E a universidade, sempre um passo à frente, já estava preparada.”
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Além do amor pelo que fazem, as pesquisadoras ouvidas nesta reportagem compartilham o desafio de atuar em ambientes onde os homens predominam.
A professora Iára Claudio lembra que, ao prestar vestibular, sua mãe ficou orgulhosa pelo fato de a filha ser a primeira mulher da família a fazer faculdade. “Ela me dizia: ‘Uma mulher precisa ser independente, e a chave para a independência é o conhecimento’”, recorda, emocionada.
Anos depois, precisou conciliar a maternidade com a jornada profissional. O cuidado dos quatro filhos foi dividido com o marido, mas ela reconhece que isso não é regra.
“Apesar de a minha caminhada ter sido suave, o julgamento é pesado. Você tem que provar [que é capaz] o tempo todo. Se o seu trabalho for excelente, o gênero não importa. Mas se for mediano, vão dizer que é porque você é mulher.”
Também conciliando o papel de mãe e pesquisadora, Lucia Giraffa percebe muito mais respeito ao protagonismo feminino hoje em dia. Quando estava na graduação, havia bastante preconceito.
“Lembro de várias situações ruins com alguns (poucos) professores machistas e abusivos que desafiavam a gente para desistir da área exata. No entanto, na PUCRS nunca senti isso”, diz.
Débora Conforto também se vê em situação de privilégio em relação às gerações que a antecederam. Mas acredita que ser mulher, mãe, trabalhadora e pesquisadora continua sendo “um difícil quebra-cabeça”. Para completá-lo, diz, é preciso uma rede de apoio – o que fez toda diferença para a professora Adriana Kampff. “Fiz o doutorado com meus filhos ainda pequenos, trabalhando e sem bolsa. Felizmente, tive apoio familiar para seguir minha carreira profissional”, conta ela.
A pesquisadora busca estender isso para as mulheres de sua equipe, mostrando empatia e dando suporte.
“Na área da computação, ainda somos minoria. E geralmente a mulher se preocupa quando vai ter filhos ou eles ainda são pequenos e requerem cuidados especiais. É preciso compreender esse contexto laboral, inclusive para termos melhor produtividade”, argumenta Kampff.
Adriana Justin Cerveira Kampff é Pro-Reitora de Graduação e Educação Continuada. / Foto: Giordano Toldo
De outra geração, Adriana Justin Cerveira Kampff, 49, concluiu a graduação em Informática pela PUCRS em 1995.
“Ainda era uma época em que precisávamos estar na universidade para estudar. Só no último ano da graduação fizemos um investimento para ter computador em casa, pois era caro”, lembra ela, que depois fez mestrado em Ciência da Computação e doutorado em Informática na Educação.
Adriana atua como professora na universidade desde 2017 e, há três anos, é pró-reitora de Graduação e Educação Continuada. Antes disso, tinha trabalhado na Rede Marista, com vários projetos ligados à área de tecnologia educacional.
“Entendi que a internet tinha o potencial de nos estimular a aprender mais, por meio das ferramentas digitais. Para mim, virou uma meta oferecer essa oportunidade para mais pessoas.”
Por isso, a pró-reitora defende o papel da EaD na democratização do ensino, alicerçada em bons parâmetros de qualidade, materiais pedagógicos adequados, ferramentas de comunicação eficazes e, claro, um quadro docente capacitado. “A interação com nossos professores é um elemento essencial para a eficácia desse processo”, ressalta.
A PUCRS oferece diferentes modelos de educação EaD, incluindo presencial com disciplinas online, graduação virtual e educação continuada.
“A Universidade sempre foi pioneira nessa área. E, graças a uma série de experiências anteriores, conseguimos alcançar o grau de maturidade que temos hoje”, conclui Adriana Kampff.
*Texto originalmente publicado na edição 194 da Revista da PUCRS, lançada no mês de março de 2024. A produção foi cocriada com a República Conteúdo e a edição completa está disponível para download neste link.
GRADUAÇÃO PRESENCIAL