Professor do curso de Produção Audiovisual da PUCRS explica o fenômeno
quinta-feira, 23 de janeiro | 2025O longa, que foi o quinto filme mais assistido do Brasil em 2024, esta correndo ao Oscar em três categorias. / Foto: Divulgação/Sony Pictures
Depois de vencer o prêmio de Melhor Atriz de Cinema – Drama no Globo de Ouro pelo seu papel no filme Ainda Estou Aqui (2024), do diretor Walter Salles, no início de janeiro, Fernanda Torres está mais próxima de levar para a casa a estatueta mais cobiçada do mundo. A atriz carioca, que na trama vive Eunice Paiva, esposa do deputado Rubens Paiva, assassinado durante a ditadura militar brasileira, foi indicada ao Oscar na categoria de Melhor Atriz. O longa, que conta, ainda, com o ator Selton Melo no papel de Rubens, recebeu também as indicações de Melhor Filme e Melhor Filme Estrangeiro.
Ainda Estou Aqui vem se tornando um sucesso de público e crítica nacional e internacional. Lançado em setembro de 2024, no Festival de Veneza, um dos maiores festivais de cinema do mundo, o filme ganhou muito prestígio ao colecionar críticas elogiosas e premiações, como o de melhor roteiro (Veneza). Ao chegar no Brasil, foi recebido de braços abertos e sua bilheteria comprova isso. Em 2024, ele foi a quinta maior bilheteria do País. O estrondoso sucesso do longa levanta uma questão: o cinema brasileiro está sendo mais valorizado pelo público?
O professor do curso de Produção Audiovisual da PUCRS Kiko Ferraz explica que, para além do fato do longa possuir um grande investimento financeiro, parte do seu sucesso é fruto da sua própria excelência cinematográfica. O professor ressalta que todos os elementos do filme funcionam muito bem, e isso inclui a direção, as atuações, o roteio, a direção de arte, entre outros.
“Ainda Estou Aqui tem uma direção de arte exuberante. Eles conseguiram trazer uma textura de imagem que nos joga para a década de 1970 sem ter uma cara de filme velho. O filme consegue ter uma estética que nos transporta para aquela época de uma forma muito bonita. As atuações são incríveis e não falo apenas da Fernanda Torres. Se você prestar atenção na família, as crianças estão incríveis e a atuação delas te prende desde o primeiro minuto do filme. E isso tem a ver com um apuro de pré-produção, de juntar esse elenco, de fazer com que esses atores se transformem numa família. O roteiro também é muito legal, com diálogos muitíssimo bem escritos, e uma trilha sonora com canções que te emocionam”, explica.
O docente da Escola de Comunicação, Artes e Design – Famecos da PUCRS também ressalta que os elementos que constroem um bom filme se mostram presentes em Ainda Estou Aqui, e destaca que trazer para as telas uma trama tão recente e real da história do Brasil contribui para trazer o público para o cinema.
“O filme está tendo um ótimo retorno financeiro, mas ele também está levando o nome do Brasil para os outros cantos do mundo. Além de servir como um alerta sobre a história recente do nosso País. Então, tudo isso vai levar as pessoas para o cinema e que bom que as pessoas estão indo assistir Ainda Estou Aqui. Infelizmente, existem muitos filmes incríveis sobre histórias super relevantes e urgentes que as pessoas acabam não vendo. Esse, as pessoas viram e continuam vendo”.
A ida do público brasileiro ao cinema em busca de filmes feitos aqui aumentou. De acordo com a Agência Nacional de Cinema (Ancine), em 2024, o número de espectadores de produções brasileiras dobrou em relação a 2023, e filmes como Ainda Estou Aqui são responsáveis por esse número. Em menor escala, os longas “O Auto da Compadecida 2” e “Nosso Lar 2” também apresentaram números expressivos de interesse e de bilheteria.
Kiko Ferraz acredita que apesar de Ainda Estou Aqui representar um ponto fora da curva, o seu sucesso está acontecendo num momento de retomada do cinema nacional depois de alguns anos difíceis não só para os filmes brasileiros, mas para cultura também: de acordo com a Unesco, o setor foi o mais atingido pelo isolamento social durante a pandemia.
Agora, o cinema está contando com investimentos e um maior reconhecimento por parte do governo. No entanto, o docente pondera que isso não significa necessariamente que o mercado audiovisual brasileiro vai crescer de forma absurda, mas que a perspectiva atual é positiva.
“Eu sou um profissional brasileiro, trabalho fazendo filmes e séries, e já vejo a situação apontando para uma melhora. Foram quatro anos difíceis, mas agora tem muito projeto sendo filmado. Quando a gente consegue olhar para cima e ver o Walter Salles e Fernanda Torres arrebentando com um filme incrível, a gente consegue ver um espelho: olhamos para as pessoas, lemos os créditos e dizemos ‘essa pessoa eu conheço’. São pessoas nossas, brasileiras, que estão despontando no mundo. E isso nos deixa com uma sensação de ‘vamos trabalhar com esse negócio porque ele que vale a pena’”.
A valorização do cinema nacional também passa por regulamentações. Em 2024, o governo brasileiro assinou o decreto que restitui a Cota de Tela para as salas de cinema brasileiras. A lei estipula a exibição de filmes brasileiros proporcionalmente ao número total de sessões de cada complexo ou rede. Em redes menores, esse percentual é de 7,5%. Já nas maiores, a obrigatoriedade chega a 16%. Esse tipo de iniciativa é global e, embora vários países tenham porcentagens diferentes sobre a Cota de Tela, todos buscam valorizar suas produções locais.
O professor do curso de Produção Audiovisual da PUCRS explica que ir ao cinema é ritual fundamental para conseguirmos nos conectar com o filme. No cinema, a nossa experiência é diferente porque na sala escura conseguimos mergulhar completamente na história. Por esse motivo, Kiko Ferraz ressalta que a Cota de Tela é necessária, não só para o espaço ser um pouco mais justo entre grandes produções de Hollywood, mas também para possibilitar que brasileiros e brasileiras consigam se ver na tela grande.
“Se a política da Cota de Tela se mantém, a tendência é que a gente vá melhorando esse desequilíbrio. E se a gente conseguir aperfeiçoar esse processo, vamos poder ter mais filmes com o sucesso de Ainda Estou Aqui. E aqui eu não estou falando só de filmes de arte. Falo também de comédia popular, como é o caso do Minha Mãe é Uma Peça. Eu trabalhei no longa SOS Mulheres ao Mar 2, não é o tipo de filme que eu assisto, mas é o tipo de filme que vai levar os brasileiros para a frente das telas e eles vão ver o filme, vão rir e vão se enxergar lá. Eu posso questionar as piadas do filme? Posso, mas a comédia popular tem um papel fundamental na cultura brasileira”, sintetiza.
A atriz esteve na PUCRS em 2018. / Foto: Camila Cunha
Apesar de outras atrizes brasileiras já terem sido indicadas como Melhor Atriz de Cinema – Drama no Globo de Ouro (inclusive Fernanda Montenegro, pelo filme Central do Brasil, de 1998), a estatueta recebida por Fernanda Torres é inédita no Brasil. Agora, Fernanda busca a estatueta mais prestigiada do cinema. E, se vencer o Oscar por sua atuação como Eunice Paiva, irá se tornar a primeira brasileira a vencer nessa categoria.
Para o diretor do Instituto de Cultura da PUCRS, Ricardo Barberena, o prêmio significa uma possibilidade de maior circulação e conhecimento da arte e da cultura brasileira, pois muitas vezes nos encontramos isolados devido à língua portuguesa.
“Não resta dúvida de que podemos desenvolver muitas conexões e trocas com outras culturas tanto no âmbito da américa latina quanto nos outros continentes. Acredito que a cultura é a arte do encontro e do cultivo da vida. Nada melhor que a visibilidade de Fernanda e do filme de Walter Salles para que possamos realizar novos diálogos e intercâmbios de significados e sentidos”.
A cultura tem o poder de aproximar e emocionar pessoas distintas, e através do Instituto de Cultura da PUCRS, diversos artistas nacionais e internacionais conseguiram se conectar e mostrar a sua arte. Sendo um polo de cultura no Rio Grande do Sul, a PUCRS já recebeu Fernanda Torres em 2018. Além disso, a Universidade homenageia todos os anos, através o Mérito Cultural, um artista que tenha transformado a sua vida numa trajetória de defesa da cultura, enquanto instrumento de humanização e educação. Já foram homenageados Fernanda Montenegro (2018), Maria Betânia (2019), Lima Duarte (2020), Alcione (2021), Alceu Valença (2022), Martinho da Vila (2023) e Tony Ramos (2024).
O audiovisual faz parte do nosso dia a dia e é difícil viver sem ele. O curso de Produção Audiovisual da PUCRS prepara o estudante para atuar em diversos formatos, seja televisão, redes sociais ou cinema. Pioneiro na área e prático desde o primeiro semestre, no curso o estudante aprende a atuar na produção, na direção, no roteiro, na montagem e no som de projetos nos mais variados perfis.