Eleição do novo Papa é um dos momentos mais simbólicos da Igreja Católica, repleto de rituais centenários e significados espirituais profundos. Professor da PUCRS explica os bastidores e detalhes dessa tradição milenar
quarta-feira, 07 de maio | 2025Com a morte ou renúncia de um Papa, os olhos do mundo se voltam para o Vaticano. A fumaça branca que sai da chaminé da Capela Sistina anuncia que a Igreja Católica tem um novo líder. Mas o que acontece nos bastidores desse processo tão emblemático? Para compreender essas questões, conversamos com o padre Rafael Martins Fernandes, coordenador do curso de Teologia da PUCRS, que detalhou as etapas, símbolos e significados de um dos eventos mais solenes da tradição cristã.
O Conclave, como é chamado a reunião secreta para a eleição do Papa, é uma tradição que remonta ao século 11. Antes disso, a escolha do líder da Igreja Católica era feita pelo clero e pelo povo da diocese de Roma.
“Com o tempo, para evitar interferências políticas, especialmente de famílias romanas influentes, a Igreja passou a determinar regras mais rígidas sobre quem poderia votar, tornando o processo cada vez mais reservado”, explica o padre Rafael.
Hoje, o Conclave é uma reunião fechada do Colégio de Cardeais – cardeais com menos de 80 anos – que permanecem isolados no Vaticano até a definição do novo Papa.
“Conclave vem do latim cum clave, que significa ‘com chave’. É uma referência ao isolamento rigoroso dos cardeais, que ficam sem acesso à internet, celulares ou qualquer meio de comunicação com o mundo externo durante os dias de votação”, completa o professor.
A preparação para o Conclave começa com a reunião de todos os cardeais em Roma, que participam dos ritos fúnebres do Papa falecido ou se preparam para a sucessão, no caso de renúncia. Depois disso, realizam-se as chamadas Congregações Gerais, encontros em que os cardeais – com o auxílio dos dicastérios da Santa Sé – avaliam os desafios atuais da Igreja e traçam um perfil do líder que será necessário para enfrentá-los.
Somente após essa reflexão, os cardeais eleitores entram oficialmente no Conclave. O processo de votação ocorre na Capela Sistina, em clima de absoluto sigilo. São realizadas até quatro votações por dia, duas pela manhã e duas à tarde, e o escolhido precisa atingir dois terços dos votos, mais um. No atual Conclave, iniciado neste 7 de maio de 2025, são 133 cardeais eleitores, o que exige, no mínimo, 89 votos para eleger o novo pontífice.
Caso não haja consenso após três dias, é feita uma pausa para orações. Se a indecisão se mantiver, há uma nova pausa após mais sete votações. Em último caso, após 34 rodadas sem resultado, os dois mais votados disputam uma espécie de segundo turno – ainda assim, o eleito precisará alcançar os dois terços dos votos.
Dentro da Capela Sistina, reina o silêncio e a contemplação. Conforme o padre Rafael, pouco se sabe sobre o que acontece durante as votações, justamente por conta do juramento de sigilo feito por todos os participantes.
“Sabemos que os cardeais rezam intensamente, pedindo a iluminação do Espírito Santo para que a escolha seja conduzida segundo os princípios do Evangelho”, relata.
Quando alguém atinge os votos necessários, o eleito é questionado se aceita a missão. Em caso afirmativo, é então convidado a escolher o nome pelo qual será conhecido como Papa. Esse nome costuma representar o estilo pastoral e a inspiração do novo líder — João Paulo II, Bento XVI, Francisco, cada um carrega um símbolo e uma mensagem.
Do lado de fora da Capela Sistina, fiéis e jornalistas aguardam ansiosamente por um único sinal: a fumaça. Quando os votos não resultam na eleição de um novo Papa, as cédulas são queimadas com substâncias que produzem fumaça preta. Quando há um eleito, a fumaça é branca — sinal visível de que a Igreja tem um novo pastor.
“É apenas uma forma de comunicação com o mundo externo, mas o impacto é simbólico. A fumaça branca representa a esperança renovada dos fiéis”, comenta o professor.
Nos dois últimos conclaves, em 2005, com a eleição de Bento XVI, e em 2013, com a escolha de Francisco, a fumaça branca surgiu no segundo dia de votação, entre o fim da manhã e o fim da tarde, e foi seguida pela tradicional proclamação do Habemus Papam na sacada da Basílica de São Pedro.
Além do nome, o Papa eleito recebe uma série de símbolos que representam sua missão. O mais conhecido é o Anel do Pescador, que remete ao apóstolo Pedro, chamado por Jesus para ser “pescador de homens”. Há também o báculo, cajado pastoral que simboliza o cuidado com o rebanho, o crucifixo peitoral e o pálio, uma faixa de lã usada por arcebispos e pelo Papa como sinal de comunhão com a Igreja Católica.
“Cada novo Papa recebe essas insígnias de forma personalizada. São sinais espirituais profundos que expressam a missão de guiar a Igreja com amor, sabedoria e fidelidade ao Evangelho”, explica padre Rafael.
Além disso, sete cardeais brasileiros participam da eleição este ano, entre eles dom Jaime Spengler, chanceler da PUCRS, arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB, e dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo.
Na PUCRS, o curso de Teologia forma lideranças e estudiosos preparados para interpretar os grandes movimentos da Igreja com profundidade acadêmica e sensibilidade pastoral. Para padre Rafael, compreender o Conclave é também uma forma de refletir sobre o papel do Papa no mundo contemporâneo.
“Mais do que eleger um líder, trata-se de escutar o Espírito Santo, reconhecer os sinais dos tempos e renovar o compromisso da Igreja com o Evangelho. O estudo da Teologia nos ajuda a compreender que, por trás do evento midiático, há um ato profundamente espiritual. A Igreja é instituição, sim, mas também é mistério, como corpo de Cristo. O Papa é, por isso, sinal visível da unidade da fé cristã no mundo”, conclui o professor.
Enquanto o mundo aguarda a fumaça branca, dentro da Capela Sistina se desenrola um momento de oração, escuta e decisão. E quando o Habemus Papam ecoar novamente, não será apenas o anúncio de um novo nome — será, para muitos, a renovação da fé e da esperança.