A terceira noite do Fronteiras do Pensamento 2018 trouxe a escritora e crítica literária francesa Catherine Millet, que, pela primeira vez, falou ao público sobre o editorial publicado no jornal Le Monde contra a campanha #MeToo, sobre violência sexual exercida contra mulheres e que ganhou força em 2017 quando dezenas de atrizes de Hollywood passaram a contar casos de assédio. Catherine é uma das coautoras do manifesto que defende a “liberdade de importunar para assegurar a herança da revolução sexual”.
Catherine inicia a conferência esclarecendo que fala a partir de sua experiência pessoal, de um “ponto de vista burguês, parisiense, do meio intelectual e privilegiado”. Explica que resolveu se posicionar contra o movimento #MeToo após a imprensa francesa publicar dois artigos de denúncia de assédio sexual, sendo que em um dos casos as mulheres retiraram a queixa, mas o jornal não se retratou com o acusado e, no outro, a notícia teve destaque maior que um grande atentado ocorrido no dia anterior. “Os jornais ficam satisfeitos em repetir o que encontram nas redes sociais sem ouvir os acusados e raramente conduzem suas próprias investigações, que é o trabalho de um jornalista”, diz.
Catherine destaca que os casos apresentados pelo movimento #MeToo têm naturezas diferentes e muitos não deveriam ser considerados assédio, mas apenas gestos equivocados que acabam sendo veiculados de forma desproporcional. Para ela, a superexposição midiática é extremamente perigosa, uma vez que casos replicados por inúmeras pessoas passam a impressão de serem mais frequentes do que realmente são.
Redes sociais e imprensa
Catherine reconhece os benefícios das redes sociais, mas ressalta seus perigos por permitir que as pessoas julguem outras sem conhecimento dos fatos, usando o anonimato para crucificar outros em praça pública. “Vão contra os princípios democráticos quando os sentimentos de uns impõem o comportamento para todos”, ressalta. Para ela, a imprensa desempenha um papel com sérios danos à democracia ao julgar as pessoas expostas. “Sem passar pelas leis, a informação sai das redes sociais para os jornais. No passado, quando se falava de censura os inimigos eram de extrema direita. Hoje, são do mundo intelectual e universitário, de jornais e até da esquerda política”, complementa.
Vocabulário
Além do tratamento igual a casos graves de violência sexual e outros que, para a escritora francesa, nem seriam assédio, o vocabulário usado no movimento na França é outro fator que a levou a escrever o editorial. No país, o #MeToo é conhecido por balance ton porc. O termo, segundo Catherine, carrega significados perigosos. “Balance pode ser entendido como denúncia, termo usado na segunda guerra pelos nazistas incentivando a denúncia de judeus. Porc também era usado por nazistas para se referir aos judeus. Não podemos ignorar que a história faz parte desses temas”, afirma.
Desvios do feminismo
Catherine preocupa-se com os riscos de difamação das pessoas expostas em “denúncias” que nem sempre são reais casos de assédio ou violência sexual. “As militantes feministas radicais seguem a lógica de que os fins justificam os meios”, critica. As autoras do manifesto contra o movimento #MeToo foram repreendidas por falta de sororidade, termo que está em alta na França para indicar empatia e união entre as mulheres. “Recusei a ideia de ser irmã de todas as mulheres e tive a impressão de ser vista como traidora. Nosso posicionamento contra o movimento não quer dizer que ignoramos os crimes cometidos pelos homens”, conta.
Durante a palestra, Catherine destaca pedidos de censura que surgiram em consequência ao movimento, como a leitura do conto A bela adormecida para crianças pelo fato do príncipe beijar a princesa sem pedir autorização a ela e a retirada de alguns quadros de exposições. “Felizmente a opinião pública riu de alguns pedidos”, comenta. Ainda, Catherine avalia que o movimento #MeToo responde à utopia do homem ideal, que controla seus impulsos. “É um sonho perigoso querer transformar alguém para ser como desejamos”, alerta.
Sobre Catherine Millet
Catherine Millet é fundadora de uma das revistas de arte francesa mais influentes, a Art Press, criada em 1972. Autora de livros de arte contemporânea e reconhecida na França e na Europa, Catherine é especialista nas obras do pintor espanhol Salvador Dalí e do artista plástico francês Yves Klein. É autora dos livros A vida sexual de Catherine M e A outra vida de Catherine M. Em em 2016 recebeu o Prêmio François Morellet e, em 2018, foi uma das coautoras do manifesto publicado no jornal Le Monde contra a campanha #MeToo, sobre violência sexual exercida contra mulheres. Tal documento foi assinado por cem personalidades francesas e liderado pela atriz Catherine Deneuve, defendendo a “liberdade de importunar” para assegurar a herança da revolução sexual. A faixa etária entre as autoras do texto vai de 35 a 88 anos.
Fronteiras do Pensamento
A PUCRS é parceira cultural do evento. Professores, técnicos administrativos, mestrandos, doutorandos e alumni (diplomados) da Universidade contam com 50% de desconto para as conferências. Podem também comprar ingresso para um acompanhante com o mesmo desconto. Os diplomados devem portar a carteira Alumni na hora da compra. É obtida na sala 109 do prédio 1, de segunda a sexta-feira, das 8h30 às 18h30. Contatos: Rede Alumni. Os estudantes de graduação têm meia-entrada, se portarem carteira de identificação estudantil, conforme legislação.
A próxima conferência do Fronteiras do Pensamento será em 6 de agosto com o escritor angolano indicado ao prêmio Man Booker, José Eduardo Agualusa. Será no Salão de Atos da UFRGS (Av. Paulo Gama, 110), às 19h30min. O mundo em desacordo: democracia e guerras culturais é o tema da temporada de 2018.