Espaços costumeiramente lotados de crianças e jovens estão atipicamente esvaziados nas últimas semanas por medo de supostos ataques armados em escolas e universidades. Assistimos a um crescente efeito de paralisação social e pânico generalizado diante da disseminação massiva do medo.
O medo sempre foi a grande arma do terrorismo em diferentes circunstâncias históricas e momentos midiáticos. Qual é a dinâmica que sustenta as iniciativas de ataque? Com uma força reduzida e condições objetivas precárias, quem ataca conta com a reação do alvo para obter sucesso.
Explico melhor: um jovem armado que adentra uma escola solitariamente, por exemplo, teria pouquíssimas condições objetivas de ter êxito. Caso o alvo reagisse apenas racionalmente, ele certamente seria interceptado e o dano mitigado.
Entretanto, quem ataca conta com o pânico e o despreparo de uma reação completamente emocional das vítimas que são surpreendidas por um inédito absurdo que não encontra referência anterior para saber como reagir adequadamente. Assim acontece tanto em um ataque isolado em uma cidade de Santa Catarina como em uma grande capital de países do hemisfério norte quando são vítimas de grupos organizados ou de lobos solitários com distintas motivações para o ataque.
No contexto que assistimos nas últimas semanas no Brasil há um agravante que caracteriza o comportamento social contemporâneo. As construções do medo encontram um superaliado nas plataformas de mídia social. Em diferentes épocas, diferentes mídias causaram o mesmo efeito. Há um episódio ocorrido nos Estados Unidos em 1938, quando uma transmissão de radioteatro realizada por Orson Welles, interpretando trechos do livro A Guerra dos Mundos foi apresentado como um episódio de uma série de Halloween, na Rádio CBS. Parte significativa da população acreditou na invasão de marcianos interpretada por Welles e espalhou-se o pânico e a confusão generalizada.
Hoje, a promoção contagiante do medo acontece em plataformas como TikTok, Twitter e, especialmente, nos grupos de comunicadores instantâneos como o WhatsApp. No caso das plataformas das Big Techs que estão por trás das mídias sociais, há um grande negócio sendo sustentado pelos algoritmos que promovem esses conteúdos e têm ganhos diretos com a viralização do medo. Um tema árduo que governos e sociedade precisam enfrentar com rigor e celeridade, afinal, a comunicação gerenciada pelos algoritmos nas mídias sociais não é nem livre, nem democrática. É um negócio com fins lucrativos que usa os conteúdos dos indivíduos como matéria-prima e produto.
Trata-se de uma verdadeira pandemia de problemas de saúde mental sendo gerada pela lógica dos algoritmos que adoece com mais intensidade a parte sensível da nossa sociedade: crianças, adolescentes e pessoas emocionalmente frágeis. O medo e a vertigem se instalam de uma forma tão consistente que passam a definir reações e comportamentos criando a realidade de caos.
O que vemos hoje? Famílias e escolas em guerra de responsabilidade, estudantes e universidades se enfrentando por medidas concretas e impossíveis que façam desaparecer o medo, expressões de raiva que atendam a necessidade emocional de construir a potência para enfrentar os ataques, enfim, o caos instalado. Ainda, um sem-fim de conteúdos falsos de baixíssima qualidade sendo compartilhado atendendo exatamente o que buscam os “frágeis terroristas”. Com esse comportamento, nos tornamos os grandes divulgadores, colaboradores e viabilizadores dos ataques bem-sucedidos.
Quem ganha com o caos? Os grupos e pessoas que estão promovendo os ataques. Desestabilizar os eventuais alvos, desorganizar a reação e esgarçar o tecido social a partir da desunião dos cidadãos já é um resultado concreto, afinal, representa ganho de atenção e de poder do terrorismo sobre a sociedade que se fragiliza pelo medo e abandona sua capacidade de reagir.
No horizonte das esperanças possíveis, há uma pista concreta para compreender como o medo assume esse lugar tão significativo na sociedade, especialmente no caso brasileiro. Não temos mecanismos de cuidado e prevenção. Nos sentimos desprotegidos porque nossa cultura reativa não permite que tenhamos um sistema de proteção confiável. Governos e organizações de todos os portes e todas as naturezas não investem em conhecimento e capacitação das pessoas para o cuidado de si e da coletividade.
Não sabemos como agir quando nos defrontamos com ameaças. Escolhemos não mapear riscos, não falar em prevenção para não causar pânico, preferimos imaginar que nada de ruim vai acontecer e se acontecer não será com a gente.
Essa chave precisa virar. Se nossas crianças souberem qual a rota de fuga em uma situação de perigo, seja ele de causa natural, humana ou estrutural; se identificarmos sinais coletivamente conhecidos para reagir a esses momentos; se nossos professores e trabalhadores da educação estiverem treinados física e emocionalmente para agir; se pais e mães se alfabetizarem digitalmente e protegerem seus filhos e filhas dos perigos e riscos das mídias sociais e de todo ambiente digital, entre tantas outras atitudes preventivas possíveis, vamos enfrentar momentos difíceis com efetividade e segurança.
Construir uma cultura do cuidado não vai impedir as mazelas sociais, os desastres e as tragédias, mas vai economizar vidas e saúde mental coletiva. Vai viabilizar que trabalhemos com cenários complexos e que possamos agir com serenidade e assertividade. Já passou da hora de começar a revolução fundamental do cuidado para evitar a barbárie social.
Sobre a autora
Rosângela Florczak é Doutora em comunicação pela PUCRS. Pesquisadora do projeto Risco e Crise no contexto da Comunicação (UFRGS e PUCRS), pesquisadora do PPGCOM/PUCRS com a linha de pesquisa Prevenção e gestão de crise na ambiência digital. É especialista em prevenção de crise em organizações educacionais, tendo atuado em situações de risco em escolas de educação básica e universidade de todo o País.