Poetas são reconhecidos como artistas escritores, que utilizam sua criatividade, imaginação e sensibilidade para escrever, em versos, aquilo que aborda o cotidiano, a vida urbana, o amor, a solidão, as relações humanas e assuntos do momento. No Brasil, o mês de outubro celebra estes profissionais com o Dia do Poeta (20 de outubro) e com o Dia Nacional da Poesia (31 de outubro). Em Porto Alegre, neste mês também acontece a tradicional Feira do Livro da cidade, já em sua 68ª edição.
Na PUCRS, pesquisadores e professores do Programa de Pós-Graduação em Letras e do Curso de Escrita Criativa se dedicam ao gênero lírico da literatura, como o pesquisador da Escola de Humanidades Altair Teixeira Martins. O docente é autor dos livros Labirinto com linha de pesca (Diadorim, 2021) e A paisagem presa na coleira (Patuá, será publicado em 2023), além de ter publicado diversos contos, romances e peças de teatro, como o espetáculo Hospital-Bazar, em cartaz nos dias 19, 20 e 21 de novembro no Teatro Bruno Kiefer, com o apoio do Instituto de Cultura da PUCRS.
Martins coordena o Grupo de Pesquisa “Intersemioses criativas”, onde são exploradas as possibilidades de criação entre a Literatura e as outras artes, combinando campos semânticos distintos. Os alunos e pesquisadores desenvolvem projetos que buscam leitura e compreensão dos diversos campos artísticos, a fim de fomentar a criação literária.
De acordo com o professor, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Hilda Hilst, Cecília Meireles, Jorge de Lima, Manuel Bandeira e Murilo Mendes foram as vozes poéticas do período áureo da lírica brasileira nos anos de 1950. Para Martins, foram eles os que melhor conjugaram a alternância de tom e de silêncio tão caras à poesia. Além disso, foram capazes de converter, no verso, a interpretação de seus tempos – o que, convenhamos, é uma bela forma de contemporaneidade.
1) As impurezas do branco, por Carlos Drummond de Andrade
Publicado pela primeira vez em 1973, As impurezas do branco é um livro singular na vasta e aclamada carreira do autor mineiro. O poeta se mostra atento aos acontecimentos do seu tempo, observando, com ironia e até alguma malandragem carioca, o cotidiano do Brasil e do mundo. Grandes notícias, fait divers, o verão na Cidade Maravilhosa, papel da publicidade em nossas decisões – nada escapa ao olhar crítico do autor.
2) Poemas esparsos, por Vinícius de Moraes
O livro apresenta uma longa e minuciosa pesquisa em livros, jornais, revistas, arquivos e manuscritos que revelam esboços, exercícios, textos inacabados ou recusados pelo autor. No final, o leitor encontrará também, agrupados na seção “Arquivo”, um estudo do percurso poético de Vinicius de Moraes assinado por Ferreira Gullar, crônicas de Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade que festejam e recordam o amigo, bem como um longo depoimento, inédito em livro, de Caetano Veloso.
3) Viagem, por Cecília Meireles
O livro é composto por 99 poemas, sendo que 13 deles são epigramas (poema curto originário da Antiguidade Clássica, e caracterizado por ser mordaz, picante ou satírico). Os temas tratados nos poemas são o amor, a felicidade, a morte, e o próprio fazer poético.
Além destes autores, o professor também indica os livros “Cantares do sem nome e das partidas”, da Hilda Hilst; “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima; “Estrela da vida inteira”, do Manuel Bandeira e “Janela do caos”, de Murilo Mendes.
O espetáculo Hospital-Bazar esteve em cartaz entre 8 e 12 de outubro, no Teatro Bruno Kiefer, na Casa de Cultura Mário Quintana, em Porto Alegre. O texto foi assinado pelo pesquisador Martins e contou com direção de Isaque Conceição. As próximas datas em cartaz são nos dias 19, 20 e 21 de novembro. A primeira edição recebeu o reconhecimento de Melhor Texto Original, Ator Coadjuvante (o professor Altair Martins) e Trilha Sonora Original no 16º Festival de Teatro da Região Carbonífera (FestCarbo).
Hospital-Bazar propõe uma visão crítica acerca do desmanche da educação pública e da conversão da saúde em mercadoria. A partir de um projeto distópico, salas de aula deficitárias são realojadas em hospitais lucrativos. Se uma Professora-Mestra, que se mantém lecionando sozinha, torna-se o bastião da resistência, o Interventor e o Desmontador, em nome da Higiene, precisam desmontá-la. Todos os recursos mais sórdidos são disponibilizados para que a professora se renda e a escola, à força, se transforme num hospital: acusações falsas, chantagem emocional, assédio, machismo e manipulação da justiça e do próprio sistema educacional.
O festival Primavera Literária Brasileira proporcionou três dias de debates, oficinas e performances. Realizado pela primeira vez no País, o evento recebeu, na tarde de segunda-feira (dia 22 de outubro), o escritor chileno Alejandro Zambra, que à noite participou do Fronteiras do Pensamento, e o escritor e cineasta marroquino Abdellah Taïa. A influência das questões históricas e culturais na literatura foi o ponto em comum entre os dois convidados.
Na conversa com o diretor do Instituto de Cultura, Ricardo Barberena, e o escritor Reginaldo Pujol Filho, Zambra comentou sobre a presença do período do governo do ditador Pinochet nos seus textos. Ao falar na infância, não consegue deixar de mencionar a ditadura. “Os adultos pareciam mal-humorados, sérios, silenciosos. Depois me dei conta de que havia medo.” Ao mesmo tempo, tentavam mostrar um Chile sem conflitos, em paz, através de notícias falsas. “Os mortos que não são de tua família te doem. Passa-se à experiência social e civil. Ser parte de um país se supõe estar em relação com essa dor coletiva.”
Pela primeira vez no Brasil e no Hemisfério Sul, Taïa começou sua fala dizendo ser quase um milagre ver seus livros produzidos e traduzidos. Conhecido por assumir publicamente sua homossexualidade, considerada um crime no seu país natal, o Marrocos, apontou que sua condição dá origem a vários conflitos e se propõe a reforçá-la em vez de escondê-la. O fato de morar na França, mais tolerante às diferenças, não o faz iludido perante à prometida liberdade, quase um slogan publicitário. A própria proibição à homossexualidade é uma herança do colonialismo, depois assumida pelos reinos marroquinos. “E hoje os países europeus apontam: ‘Veja, oprimem os homossexuais!’”, reforçou. Para ele, é preciso pensar sob o ângulo dos países periféricos.
À sua fala de desesperança, lembrou que às vezes as coisas acontecem. “A Primavera Árabe, de 2010, impôs algo novo. As pessoas acordaram.” Taïa reforçou que a homossexualidade é política. “Você está sozinho e o mundo contra você. Quem não quer mudar é porque pode perder o poder.”
Quando ingressou na universidade, em 1992, vagava pela capital Rabat sem condições nem de almoçar. Um dia entrou em um órgão de atendimento do governo e uma senhora analfabeta o pediu que escrevesse uma carta ao rei contando seus pesares desde o tempo do colonialismo. Naquele momento entendeu o que é se tornar voz de uma pessoa. Começou então a escrever cartas que resultaram em livros.
A conversa com Taïa teve como mediadores o professor e poeta Leonardo Tonus e a escritora Natalia Borges Polesso. Ao final, ele autografou o romance Ele que é digno de amar, lançado no Brasil pela editora Nós.
Entre performances e leituras, poetas brasileiros conversaram sobre seus livros, processos de criação e temas abordados nas suas obras durante a 1ª Jornada de Poesia Contemporânea, na sexta-feira (dia 19 de outubro). Em uma das mesas, dividiram o palco Tonus, Marco de Menezes e Ana Martins Marques, situando lugares, memórias e afetos em seus textos. Trataram da necessidade de escrever, da estranheza do ser poeta e da capacidade que a literatura tem de mostrar caminhos. Instigados pela mediadora, professora da Escola de Humanidades Moema Vilela Pereira, comentaram sobre a ideia de Paul Celan da poesia como regresso à casa. Depois de ler um trecho da sua experiência em Berlim, em que aborda os muros, os medos e os silêncios da humanidade, e com a vivência de 30 anos fora do Brasil, Tonus disse que várias línguas o atravessam e se sente também sem um lugar próprio. “A literatura não é espaço de conforto. Quero dizer algo e busquei uma forma que se aproximasse mais da poesia.”
Ana comentou que “escrever é como uma atividade doméstica”. Nos seus textos, cita objetos domésticos e espaços da casa, mas, ao mesmo tempo, esse espaço se abre. Começou a se expressar ainda criança e se sentia acolhida. Ao publicar livros, a casa está à mostra e provoca desconforto.
“O poeta é filho da criança”, complementou Marco. Da infância vem a inspiração. A composição das “coisas ordinárias do mundo” gera o escritor. “Quando leem o nosso texto ou nós mesmos lendo em voz alta há uma clivagem (fragmentação) que resulta em desamparo”, define o poeta.
Professor de Literatura, Tonus se sentiu “obrigado” a escrever ao ouvir o relato de uma escritora síria em Berlim. Estava fazendo uma pesquisa sobre refugiados quando ela repetiu uma ladainha por meia hora: “Da casa que deixei que já não existe já não me lembro. Da rua… Do filho… De uma coisa eu me lembro – dos gritos das mulheres que me ensurdecem até hoje”. De bicicleta chorando pelas ruas berlinenses, teve vontade de levar essa voz para a literatura. “O que vivi foi um tapa na cara e acho que o leitor deve acordar, ainda mais na situação que o Brasil e o mundo vivem hoje”, destacou Tonus.
Ana disse não gostar do discurso da literatura como redentora, mas “me ajudou a descobrir o que eu pensava e é um convite para ver em outras perspectivas”.
O estar em comum proporcionado pela sala de aula é um momento de respiro para Tonus. “Como professor alguém espera algo de mim”.
O evento também ofereceu oficinas distribuídas por três lugares de Porto Alegre: Multipalco do Theatro São Pedro, Aldeia e Fora da Asa.
A Primavera Literária Brasileira foi idealizada pelo professor de Literatura Brasileira da Sorbonne e poeta Leonardo Tonus e estreou em 2014. Desde então, o evento ocorre anualmente em Paris e já levou mais de cem escritoras e escritores, artistas plásticos, quadrinistas, dramaturgos e coreógrafos brasileiros para palestras, debates, saraus, leituras, oficinas e lançamentos de livros.
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