Alexander Goulart é jornalista, licenciado em Ciências Sociais, doutor em Comunicação (PUCRS) e Chefe do Gabinete da Reitoria da PUCRS

O poeta gaúcho Carlos Nejar diz que “o ser só morre quando já morreram todas as suas palavras”. Talvez, por isso, alguns professores permaneçam sempre presentes em nossas lembranças, não importando quanto tempo já tenha se passado desde a última aula. Há educadores que marcam profundamente seus alunos: seres que nunca morrem, ganham vida a cada história que contamos e recontamos “do tempo da escola”, da universidade, de uma circunstância privilegiada em que um mestre tenha nos alcançado a mente e o coração.

O momento feliz, em educação, acontece quando professores e estudantes se encontram. Quando carregado de sentido para ambos, esse instante privilegiado se transforma em um momento feliz. Corações no mesmo compasso, mentes conectadas, vidas entrelaçadas pela experiência do compartilhamento de ideias e sensações. O saber se conjuga com o sabor e a sabedoria tem campo aberto para ser cultivada.  

É o sublime encontro humano entre professor e estudante que dá sentido aos dois ofícios: de educador e educando. Encontro feliz, carregado de intencionalidades, de desejo, curiosidade e confiança. Nas palavras de Rubem Alves, juntam-se as caixas de ferramentas e de brinquedos; há tempo para o saber aplicado (útil) e aquele voltado para o prazer. Ambas as formas de conhecimento são válidas e necessárias. O professor apaixonado por seu ofício e feliz na vocação não abre mão do prazer dos conhecimentos inúteis e dos conteúdos aplicados.

Ele desenvolve em seus alunos competências nas múltiplas dimensões do saber e do sabor. Num tempo em que tanto se pergunta “para que serve isso?”, o professor-educador tem a coragem de responder: “não serve para nada”. É justamente essa inutilidade que faz toda a diferença para o gostar de aprender e de ensinar, pois, em educação, saber e sabor andam juntos, independentemente da ordem em que apareçam. Nessa frágil liberdade de encaixe e desencaixe reside a felicidade do encontro entre professor e estudante, cada qual tecendo o seu jeito de aprender a ser feliz.    

Alexander Goulart
Professor e jornalista

*Conteúdo publicado originalmente no Correio do Povo.

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A disseminação do medo encontra um ambiente fértil nas plataformas de mídia social/ Foto: Soumil Kumar/Pexels

Espaços costumeiramente lotados de crianças e jovens estão atipicamente esvaziados nas últimas semanas por medo de supostos ataques armados em escolas e universidades. Assistimos a um crescente efeito de paralisação social e pânico generalizado diante da disseminação massiva do medo.

O medo sempre foi a grande arma do terrorismo em diferentes circunstâncias históricas e momentos midiáticos. Qual é a dinâmica que sustenta as iniciativas de ataque? Com uma força reduzida e condições objetivas precárias, quem ataca conta com a reação do alvo para obter sucesso.

Explico melhor: um jovem armado que adentra uma escola solitariamente, por exemplo, teria pouquíssimas condições objetivas de ter êxito. Caso o alvo reagisse apenas racionalmente, ele certamente seria interceptado e o dano mitigado.

Entretanto, quem ataca conta com o pânico e o despreparo de uma reação completamente emocional das vítimas que são surpreendidas por um inédito absurdo que não encontra referência anterior para saber como reagir adequadamente. Assim acontece tanto em um ataque isolado em uma cidade de Santa Catarina como em uma grande capital de países do hemisfério norte quando são vítimas de grupos organizados ou de lobos solitários com distintas motivações para o ataque.

No contexto que assistimos nas últimas semanas no Brasil há um agravante que caracteriza o comportamento social contemporâneo. As construções do medo encontram um superaliado nas plataformas de mídia social. Em diferentes épocas, diferentes mídias causaram o mesmo efeito. Há um episódio ocorrido nos Estados Unidos em 1938, quando uma transmissão de radioteatro realizada por Orson Welles, interpretando trechos do livro A Guerra dos Mundos foi apresentado como um episódio de uma série de Halloween, na Rádio CBS. Parte significativa da população acreditou na invasão de marcianos interpretada por Welles e espalhou-se o pânico e a confusão generalizada.

Hoje, a promoção contagiante do medo acontece em plataformas como TikTok, Twitter e, especialmente, nos grupos de comunicadores instantâneos como o WhatsApp. No caso das plataformas das Big Techs que estão por trás das mídias sociais, há um grande negócio sendo sustentado pelos algoritmos que promovem esses conteúdos e têm ganhos diretos com a viralização do medo. Um tema árduo que governos e sociedade precisam enfrentar com rigor e celeridade, afinal, a comunicação gerenciada pelos algoritmos nas mídias sociais não é nem livre, nem democrática. É um negócio com fins lucrativos que usa os conteúdos dos indivíduos como matéria-prima e produto.

Trata-se de uma verdadeira pandemia de problemas de saúde mental sendo gerada pela lógica dos algoritmos que adoece com mais intensidade a parte sensível da nossa sociedade: crianças, adolescentes e pessoas emocionalmente frágeis. O medo e a vertigem se instalam de uma forma tão consistente que passam a definir reações e comportamentos criando a realidade de caos.

O que vemos hoje? Famílias e escolas em guerra de responsabilidade, estudantes e universidades se enfrentando por medidas concretas e impossíveis que façam desaparecer o medo, expressões de raiva que atendam a necessidade emocional de construir a potência para enfrentar os ataques, enfim, o caos instalado. Ainda, um sem-fim de conteúdos falsos de baixíssima qualidade sendo compartilhado atendendo exatamente o que buscam os “frágeis terroristas”. Com esse comportamento, nos tornamos os grandes divulgadores, colaboradores e viabilizadores dos ataques bem-sucedidos.

Quem ganha com o caos? Os grupos e pessoas que estão promovendo os ataques. Desestabilizar os eventuais alvos, desorganizar a reação e esgarçar o tecido social a partir da desunião dos cidadãos já é um resultado concreto, afinal, representa ganho de atenção e de poder do terrorismo sobre a sociedade que se fragiliza pelo medo e abandona sua capacidade de reagir.

No horizonte das esperanças possíveis, há uma pista concreta para compreender como o medo assume esse lugar tão significativo na sociedade, especialmente no caso brasileiro. Não temos mecanismos de cuidado e prevenção. Nos sentimos desprotegidos porque nossa cultura reativa não permite que tenhamos um sistema de proteção confiável. Governos e organizações de todos os portes e todas as naturezas não investem em conhecimento e capacitação das pessoas para o cuidado de si e da coletividade.

Professora Rosângela Florczak, Famecos

Rosângela Florczak é especialista em prevenção de crise em organizações educacionais. / Foto: Arquivo pessoal

Não sabemos como agir quando nos defrontamos com ameaças. Escolhemos não mapear riscos, não falar em prevenção para não causar pânico, preferimos imaginar que nada de ruim vai acontecer e se acontecer não será com a gente.

Essa chave precisa virar. Se nossas crianças souberem qual a rota de fuga em uma situação de perigo, seja ele de causa natural, humana ou estrutural; se identificarmos sinais coletivamente conhecidos para reagir a esses momentos; se nossos professores e trabalhadores da educação estiverem treinados física e emocionalmente para agir; se pais e mães se alfabetizarem digitalmente e protegerem seus filhos e filhas dos perigos e riscos das mídias sociais e de todo ambiente digital, entre tantas outras atitudes preventivas possíveis, vamos enfrentar momentos difíceis com efetividade e segurança.

Construir uma cultura do cuidado não vai impedir as mazelas sociais, os desastres e as tragédias, mas vai economizar vidas e saúde mental coletiva. Vai viabilizar que trabalhemos com cenários complexos e que possamos agir com serenidade e assertividade. Já passou da hora de começar a revolução fundamental do cuidado para evitar a barbárie social.

Sobre a autora

Rosângela Florczak é Doutora em comunicação pela PUCRS. Pesquisadora do projeto Risco e Crise no contexto da Comunicação (UFRGS e PUCRS), pesquisadora do PPGCOM/PUCRS com a linha de pesquisa Prevenção e gestão de crise na ambiência digital. É especialista em prevenção de crise em organizações educacionais, tendo atuado em situações de risco em escolas de educação básica e universidade de todo o País.

Professora Bettina Steren/Foto: acervo pessoal

Estamos no dia 15 de outubro, período em que costuma mobilizar diferentes frentes no reconhecimento e valorização de uma profissão que contribui com tantas outras: Dia das Professoras e Professores.

Em 1994 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO em colaboração com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) versou sobre o Estatuto dos Professores e reconheceu o dia 5 de outubro como Dia Mundial dos Professores. Já, no Brasil, o dia 15 de outubro está relacionado às decisões tomadas desde o período Imperial com a criação do Ensino Elementar por D. Pedro I.

A pandemia de coronavírus veio reforçar os desafios enfrentados na constituição de milhares de docentes do país. Evidencia-se que as discussões sobre as incertezas e o destino da educação tornaram-se presentes nas diferentes regiões. No entanto, cabe destacar alguns aspectos que nos aproximam e nos distanciam em nossa própria profissão.

As condições do trabalho docente estão relacionadas com os fatores paradigmáticos, históricos, políticos, socioculturais e econômicos que envolvem a educação. Ou seja, se associam às concepções sobre o papel, valor e função da profissão às políticas públicas da educação, infraestrutura das instituições, formação, salários, gestão escolar, esferas pública e privada, modalidades de ensino, gênero, classe, identidades e questões socioafetivas.

Tanto tem se falado sobre o Burnout (FREUNDENBERG, 1974), a exaustão física e emocional, incentivando o debate sobre a saúde mental e o adoecimento de milhares de profissionais. Nesse sentido, é possível destacar o fenômeno do “mal-estar docente” cada vez mais presente no país e em seus diferentes contextos.

Professora Fernanda Silva do Nascimento/Foto: Acervo Pessoal

O “mal-estar docente” tornou-se objeto de estudo entre as décadas de 70 e 80 no Brasil. A natureza de seus fatores e indicadores fazem da temática uma questão complexa, das quais diferentes áreas podem contribuir com a reflexão sobre suas causas e possibilidades de enfrentamento. No entanto, é primordial a escuta e reconhecimento da pessoa-docente pela sociedade. Afinal, tratam-se de vidas, trajetórias, lutas, resistências e escolhas diárias que traçam como é ser, estar e tornar-se docente no Brasil.

As pesquisas realizadas pela doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Fernanda Silva do Nascimento, sob orientação da Dra. Bettina Steren dos Santos e parceria com o Grupo de pesquisa Promot (PUCRS) apontam que determinadas concepções de educação e das ciências têm reunido os aspectos afetivos, emocionais e psicológicos às questões cognitivas e sócio-históricas mostrando a necessidade de superar o pensamento disjuntivo e fragmentado por ideias mais abrangentes e dialógicas.

Os principais resultados apontam que o fenômeno do mal-estar docente está presente em escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul, assim como foram identificados elementos que contribuem com a promoção do bem-estar docente.

Observou-se que há uma correlação entre as esferas no que tange: a sobrecarga de trabalho, a percepção de desvalorização da profissão por parte da sociedade e os desafios relacionados às exigências e excesso de dedicação. Ademais, verificou-se que as relações interpessoais negativas, autoritárias e abusivas em certas instituições e os conflitos ideológicos contribuem com o desenvolvimento do mal-estar docente. Já os baixos salários, apontados com frequência, fazem com que docentes busquem mais de uma escola para trabalhar a fim de complementar suas rendas resultando em sobrecarga e estafa profissional.

Alguns desafios foram potencializados tendo em vista o ensino remoto emergencial: dificuldades no uso das tecnologias digitais, falta de recursos para melhor acessibilidade de docentes e estudantes e as incertezas e inseguranças geradas pelos altos índices de mortalidade, riscos de contaminação, precarização do trabalho, desigualdade econômica-social, negacionismo e medidas adotadas pelo atual governo do país.

As principais estratégias empregadas para enfrentamento pelos profissionais envolveram: o autoconhecimento (autoconceito, autoimagem, autoestima, imagem profissional), uso de recursos financeiros próprios ou familiares, exploração de metodologias de ensino criativas, formação continuada, parceria entre colegas de trabalho e apoio de profissionais da área médica e psicológica.

Enfatiza-se que o corpo docente deve ser escutado para que se possa compreender suas reais necessidades, os projetos pedagógicos e investigativos precisam ser construídos com a colaboração da comunidade educativa que somos convidadas a construir legitimando as propostas pedagógicas das instituições e reduzindo o distanciamento entre o que se diz, se inscreve nos textos normativos e o que se faz em nossa sociedade.

Além disso, o bem-estar docente se destacou orientado pela satisfação e valorização profissional, motivação e autorrealização. Não envolve somente às questões de saúde mental e deixa em evidência a necessidade de investimento das diferentes frentes e a relevância dos aspectos da resiliência, formação permanente, afetividade (do afetar-se), trabalho colaborativo e reconhecimento das iniciativas e instituições que contribuem com a promoção do bem-estar. Ainda que se considere seus traços subjetivos, se exibe o caráter político e a importância das relações dialógicas e coletivas em assegurar os direitos do professorado. O que temos feito?

Estamos diante de uma situação que envolve uma mudança de cultura, que implica o envolvimento de toda a sociedade para poder transformar a Educação e consequentemente a qualidade de vida dos cidadãos, milhares de professoras e professores.

Ma. Fernanda Silva do Nascimento (Doutoranda em Educação) e a Dra. Bettina Steren dos Santos.

Fachada Igreja Igreja Universitária Cristo MestreEstamos nos aproximando de mais um final de ano, que descortina um novo que ainda aguarda para nascer. Tanto o Natal quanto o ano-novo se complementam como tempo de espera e de esperança. Não celebramos propriamente um nascimento, tampouco um retorno no tempo, como espécie de um passado de inocência que não volta, um romantismo que busca seu alento no consumo de muitas coisas superficiais ou uma forma de compensação para minimizar a ansiedade.

O Natal, na verdade, é a festa da proximidade de Deus, desde a fragilidade e despojamento de uma criança, que se manifesta como cuidado e delicadeza para conosco, humanos. Emerge a consciência de que também nós somos seres frágeis, como o crepúsculo matutino escurecido pelas nuvens das nossas decepções e fracassos. Nossa humanidade é vestida de fragilidade e a levamos em nossas rugas e nos sinais de nossas limitações…

A única coisa que podemos tomar como certeza é de que tudo muda. Nossas necessidades básicas, no entanto, continuam as mesmas: de pertencer, de estar próximo, de ser cuidado e querido, e de um pouco de amor! O ser humano é, por sua natureza e essência, um ser de cuidado. Sente a predisposição de cuidar e a necessidade de ser, ele também, cuidado. O mesmo acontece com o amor. Todos necessitamos amar e sermos amados. O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim e eu me disponho a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de suas conquistas.

Cuidar significa, então, desvelo, solicitude, diligência, zelo, atenção, bom trato. Não habitamos o mundo apenas pelo nosso trabalho, onde interagimos e intervimos, tornando nosso modo de viver mais cômodo, adaptando o meio ao nosso desejo e conformando nosso desejo ao meio. Somos no mundo também pelo cuidado, que confere ao nosso trabalho uma modalidade diferente. Pelo cuidado, deixamos de ver como objetos a natureza e tudo que nela existe. A relação passa a ser de convivência e não de domínio, de comunhão e não de pura intervenção.

O grande desafio para o ser humano é combinar trabalho e cuidado. Eles não se opõem, mas se compõem. Dois terços da humanidade, na verdade, são condenadas a uma vida insustentável. Perdeu-se a visão do ser humano como ser-de-relações ilimitadas, ser de criatividade, de ternura, de cuidado, de espiritualidade, portador de um projeto sagrado e infinito.

O Natal e o novo ano se descortinam como proposta e promessa. Podem ser um convite para nos voltarmos para nós mesmos e descobrir nosso modo de ser-cuidado. Desacelerar para cuidar melhor… talvez seja disso que precisemos.

Liana Gross Furini

“É importante entendermos que, quando publicamos ou compartilhamos informações falsas, contribuímos para o caos generalizado”
Foto: Bruno Todeschini – Ascom/PUCRS

A informação é uma arma poderosíssima e, como toda arma, deve ser manuseada com cuidado. A internet permite que qualquer usuário seja capaz de produzir seu conteúdo e compartilhá-lo sem barreiras geográficas, dando voz a uma audiência que antes era entendida como passiva, e esse empoderamento é muito legal! Mas será que todos entendemos nosso papel enquanto “detentores da informação”?

Liana Gross Furini

Foto: Bruno Todeschini – Ascom/PUCRS

O poder que os usuários têm de criar e compartilhar conteúdo na internet, sem depender exclusivamente das grandes empresas de mídia, é bom, mas também perigoso se não tivermos cuidado. Se o conteúdo da internet é construído pelos próprios usuários, como saber se aquilo que vemos na internet é verdade? Precisamos cada vez mais nos preocupar com isso, principalmente frente ao cenário político que vivemos hoje. Os tempos são difíceis, a política do País está em crise (falo do sistema político como um todo, e não apenas um ou outro partido político), e é muito difícil entender o que está acontecendo. Sabemos que as empresas de mídia não são imparciais (situação agravada pela não-obrigatoriedade de diploma para exercer a prática jornalística) e que depender exclusivamente da informação transmitida por um único veículo é um tiro no pé. É uma ironia que, enquanto estamos cercados por tanta informação, ir atrás da informação correta seja uma tarefa difícil.

O País está em crise política. É importante entendermos que, quando publicamos ou compartilhamos informações falsas, contribuímos para o caos generalizado. Esse é o ônus que vem junto com o bônus da democratização da produção de conteúdo: todos somos responsáveis pelo conteúdo que compartilhamos. Comunicadores ou não, chegar à veracidade da informação antes de fazer com que ela chegue a mais pessoas é papel de todo mundo.

É importante ler muito e se informar bem sobre todos os lados e nuances. Vamos buscar sair da nossa zona de conforto e ler, assistir e ouvir conteúdos que contradizem aquilo o que pensamos, e não apenas os que endossam o nosso posicionamento frente ao cenário político. A desinformação é muito inconveniente, principalmente agora! Se muitas vezes condenamos a grande mídia por achar que a transmissão da informação de forma parcial é um desserviço, vamos tentar não fazer o mesmo?

 

Liana Gross Furini

Mestre em Comunicação Social

Professora da Famecos/PUCRS

 

* Este artigo expressa a opinião pessoal do seu autor.

Foto: Joana Berwanger/Famecos/PUCRS

Foto: Joana Berwanger/Famecos/PUCRS

Quando vemos fotografias de violência, como as de atentados terroristas, nos perguntamos, ou nos perguntam: é ético publicar cenas explícitas de violência?

A fotografia tem vocação testemunhal. Mesmo com a consciência da possibilidade de manipulação da imagem, vemos a fotografia, como as dos atentados em Jacarta em janeiro, de Ancara agora em fevereiro, com a convicção de que “isso aconteceu”.

Sobre a questão ética do uso dessas fotos, deveríamos pensar na condição da vítima que agoniza no asfalto da capital da Indonésia? Ou na integridade emocional de quem lê o jornal no conforto da sua casa?

A imagem da fotógrafa Nilüfer Demir do menino sírio Aylan precisava ser vista ou foi sensacionalismo, por conta de um intrínseco fetiche humano diante da dor dos outros, como aponta Susan Sontag em livro homônimo?

Sensacionalismo é fotojornalismo sem contextualização. É propagar estereótipos comuns. É combater extremismo religioso com nacionalismo patriótico. Um mundo globalizado deve ser no sentido amplo, solidário. Precisamos ser conscientes de que o consumo aqui influencia a qualidade de vida no outro lado do mundo. Basta olharmos as etiquetas de roupas vendidas em Porto Alegre ou em outra parte. Fabricadas na China, Vietnã, Índia, sem condições humanas de trabalho, como mostrou a fotografia de Taslima Akhter, da indústria têxtil desmoronada em Bangladesh, premiada no Word Press Photo 2014.

Se essas imagens incomodam, o acontecimento que as gera também tem que incomodar. A fotografia contextualizada cumpre a função social do jornalismo. O terrorismo em si é um ato de comunicação. Deixar essas fotografias propagarem medo sem informação de quem, por que e quem querem atingir especificamente é deixar que o fotojornalismo seja parte do ato terrorista, com maior alcance do que estilhaços. O ataque às Torres Gêmeas não queria atingir os prédios especificamente.

Queria a imagem do WTC em chamas caindo em Manhattan. Não depende de aceitar as imagens ou repudiá-las. Devemos utilizá-las como ferramenta de conscientização e nos perguntar com profundidade: por que isso está acontecendo?