Colaboração da PUCRS com instituições de Moçambique e dos EUA promovem formação internacionalizada aos estudantes/ Foto: Divulgação

Entre as várias experiências que ajudam a compor a formação acadêmica de um estudante, a internacionalização é uma das mais enriquecedoras: além do contato com uma cultura e idioma estrangeiros, há o benefício do contato com a área de conhecimento/atuação do aluno em outro país, em um contexto social, cultural e econômico diferente. Essa é a proposta da Escola de Medicina da PUCRS, que possui um programa de colaboração internacional com duas instituições no exterior: o Hospital Central de Maputo, em Moçambique, e a Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), nos Estados Unidos. O objetivo da iniciativa, que existe desde 2017, é fortalecer a formação humanizada dos estudantes, ampliar sua visão sobre os sistemas de saúde e promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais de diferentes países. 

Além dos benefícios para os alunos, a proposta é de melhorar, juntamente com a formação médica, as condições de saúde pública em locais extremamente necessitados. O decano da Escola, Leonardo Araújo Pinto, destaca a relevância do impacto social de iniciativas como essa: 

“Os estudantes têm a oportunidade de vivenciar desafios da saúde em contextos distintos, contribuindo para uma compreensão mais ampla das necessidades e realidades em diferentes países. Esses intercâmbios também trazem benefícios para a assistência médica local, ao trazerem perspectivas e conhecimentos internacionais que podem contribuir para a melhoria dos serviços de saúde oferecidos à população”, pontua. 

Como funciona o projeto 

As inscrições para o programa de colaboração internacional são realizadas por meio de editais internos. Os alunos/as da Escola de Medicina que desejarem participar devem estar cursando entre o 4º e o 6º ano da graduação, além de terem que passar pelos seguintes critérios de seleção: classificação por Coeficiente de Rendimento, avaliação do Currículo Lattes e uma entrevista. 

Os estudantes podem escolher o destino que desejarem, o intercâmbio na Califórnia ou em Moçambique – há um processo distinto para cada um dos dois. “Isso permite que os estudantes personalizem sua experiência de intercâmbio de acordo com seus interesses, objetivos e preferências individuais”, acrescenta Leonardo.  

Ao chegarem ao destino escolhido, são recepcionados pelo setor de internacionalização da PUCRS, onde são apresentados aos aspectos da cultura local e às oportunidades disponíveis na instituição em que atuarão. Então, são recebidos por um professor que irá orientá-los na prática observacional assistida.  

Estudantes brasileiros têm muito a aprender com a medicina dos Estados Unidos e de Moçambique/ Foto: Divulgação

Trocas internacionais de vivências e conhecimentos

Sendo Estados Unidos e Moçambique países tão distintos em aspectos culturais e socioeconômicos, não seria diferente com relação à Medicina. Tanto em termos de exercício da profissão quanto de sistemas de saúde, ambas as nações têm muito a ensinar aos estudantes da PUCRS. 

Os Estados Unidos são conhecidos pela adoção de tecnologias médicas avançadas, o que proporciona aos alunos um aprendizado sobre o impacto dessas inovações na prática clínica. Além disso, o sistema de saúde americano enfatiza a importância da abordagem no paciente, envolvendo-o na tomada de decisões e promovendo a medicina personalizada. Isso ensina aos estudantes sobre a importância da comunicação efetiva e do respeito às preferências e necessidades individuais dos pacientes. Há ainda o fato de que os EUA são líderes em pesquisa médica e desenvolvimento de tratamentos inovadores. “Os estudantes podem aprender sobre a condução de pesquisas clínicas de alta qualidade e como aplicar descobertas científicas na prática médica”, diz o decano. 

Moçambique representa um aprendizado relacionado a desafios. 

“O país enfrenta desafios relacionados a recursos limitados, infraestrutura e acesso a cuidados de saúde. Os estudantes podem aprender sobre como os profissionais médicos lidam com essas limitações e desenvolvem soluções criativas para fornecer cuidados adequados em ambientes com recursos limitados”, explica Leonardo. 

Outro aspecto importante é a valorização da medicina comunitária no país e a importância dada ao atendimento das necessidades de saúde da população local. Medicina preventiva, educação em saúde e engajamento comunitário estão entre os fatores que muito podem acrescentar aos estudantes em termos de aprendizagem. Além disso, Moçambique enfrenta desafios relacionados à saúde pública em geral, como doenças infecciosas e acesso limitado a serviços básicos de saúde. Nesse contexto, os estudantes podem aprender sobre estratégias de saúde pública, como vacinação em massa, controle de doenças endêmicas e programas de promoção da saúde. 

Se os estudantes da PUCRS podem aprender com a medicina americana e moçambicana, a recíproca é verdadeira: os alunos destes países também têm muito a aprender com a medicina brasileira. O principal ensinamento, talvez seja relacionado ao nosso sistema de saúde universal, mais conhecido como Sistema Único de Saúde (SUS). Os alunos estrangeiros têm a chance de aprender sobre os desafios da organização e implementação de um serviço de saúde que seja acessível a todos os cidadãos. 

Há outros aspectos que se destacam na medicina do nosso País. O Brasil é lar de uma série de doenças tropicais, como dengue, malária e febre amarela. A chamada medicina tropical, focada no diagnóstico, prevenção, tratamento e gestão dessas enfermidades, constitui importante aprendizado para os estudantes estrangeiros.  

Muitos aspectos da medicina brasileira são exemplo no exterior/ Foto: Divulgação

A integração entre a medicina tradicional e complementar também é uma longa tradição no Brasil – com a união entre a medicina indígena e a medicina popular, por exemplo. O professor explica que os alunos de Moçambique e dos EUA podem aprender ainda sobre a importância, benefícios e limitações da integração dessas práticas com a medicina moderna. 

Outro ramo da medicina que coloca o Brasil em destaque é o da cirurgia plástica. Nosso País é reconhecido internacionalmente por sua expertise em cirurgia plástica e estética. “Alunos e alunas podem aprender sobre as técnicas e abordagens utilizadas nessa área, bem como sobre a ética e os aspectos psicológicos envolvidos”, ressalta o decano. 

Leonardo frisa, por fim, a forte cultura de pesquisa do Brasil:  

O Brasil possui uma comunidade científica ativa e produtiva, com contribuições significativas em várias áreas da medicina. Os estudantes podem aprender sobre a importância da pesquisa científica, como desenvolver projetos de pesquisa e como aplicar os resultados na prática clínica.” 

Internacionalização é apenas um dos diferenciais da PUCRS 

O projeto de internacionalização traz uma série de benefícios para a carreira médica: experiências clínicas diversificadas, aprendizado multicultural, desenvolvimento pessoal e profissional, pesquisa e colaboração internacional e ampliação da rede profissional. Além de tudo isso, a Escola de Medicina da PUCRS possui uma série de outros diferenciais que contribuem para uma formação integral e multidisciplinar de seus estudantes: 

A estudante Laura Fillmann, da Escola de Medicina, passou três semanas em Los Angeles, atuando em dois estágios diferentes/ Foto: Arquivo pessoal

A aluna Laura Fillmann, realizou dois estágios durante as três semanas que passou nos Estados Unidos: o primeiro foi no centro obstétrico do hospital Cedars-Sinai, em Beverly Hills; o segundo foi com a equipe de cirurgia colorretal no hospital Ronald Regan, no campus da UCLA em Westwood. Ela afirma ter tido uma ótima experiência, destacando a oportunidade de atuar em excelentes hospitais e ver de perto o sistema de saúde americano. 

“Tive a oportunidade de ver coisas que aqui no Brasil eu não teria tanto acesso, como inúmeras cirurgias robóticas: hemicolectomia, retossigmoidectomia, amputação abdominoperineal, herniorrafia inguinal, gastrectomia. Também gostei muito de comparar as práticas estadunidenses com as que havia presenciado aqui no Brasil, às vezes chegando inclusive à conclusão de que fazemos certas coisas melhor! Outro ponto a destacar do estágio foi a universidade em si, fiquei muito impressionada com o campus da UCLA. Os prédios são lindos e a biblioteca parecia ter saído de um filme”, relata a estudante. 

Laura conta que um dos maiores desafios de adaptação para ela foi a questão das diferenças culturais – mas que pode contornar isso observando as ações de seus colegas da UCLA. “Percebia que existiam certos costumes em relação às práticas no hospital que eram diferentes das exigidas aos estudantes de medicina aqui no Brasil”. Segundo ela, os estudantes de lá recebiam uma exigência maior, além de ser um ambiente mais rígido e competitivo. 

Apesar disso, Laura exalta os aprendizados e boas experiências. 

“Tive a oportunidade der ver muitas coisas, considerando que eram dias longos e movimentados, com um grande volume de pacientes. Sempre que voltamos de um lugar tão prestigiado e competitivo, temos a nossa motivação renovada para estudar e nos dedicar ainda mais. Foi uma ótima experiência no geral, apesar de não isenta de dificuldades. Acho que muito mais do que a medicina em si, fui exposta a várias coisas fora da minha zona de conforto, que exigiram certas habilidades que eu percebi que não tenho, mas que me permitiu crescer como estudante e como pessoa”, pontua. 

Augusto Bressanim, participou do programa de colaboração internacional e visitou Maputo e Los Angeles/ Foto: Arquivo pessoal

Ao final de seis anos de curso, o aluno Augusto Bressanim, que participou do programa e visitou os dois países, afirma que foi a experiência mais transformadora de sua vida acadêmica. Em Moçambique, ele acompanhou o trabalho do Dr. Christopher Buck, pediatra americano que há mais de 10 anos trabalha junto ao governo moçambicano na criação de protocolos e estratégias em saúde pública. 

“Pude notar que o heroico trabalho do Dr. Chris mudou o rumo da vida muitas crianças por todo o país ao longo dos últimos anos. Quando voltei para o Brasil, percebi que a história dele, as crianças que acompanhei e a calorosa recepção por parte dos alunos, residentes e professores me ajudaram a encontrar o meu caminho na medicina: fazer pediatria, ajudar populações carentes e caso algum dia tiver a oportunidade, trabalhar com Global Health também”, conta Augusto. 

Sua estadia em Los Angeles também foi de muito aprendizado e novas amizades, além da honra por ter sido ensinado pela excelente equipe de professores da UCLA. 

“Durante meus quase três meses na UCLA, pude atender crianças de diversas origens, inclusive descendentes de brasileiros. Procurei fazer o meu melhor para contribuir com o andamento dos serviços de pediatria que me receberam e para ajudar os pequenos pacientes que ainda têm um longo futuro pela frente. Voltei com saudade e extremamente grato pelo suporte das pessoas que conheci. Trouxe também um sonho de continuar minha formação médica em território americano.” 

Augusto diz que educação de qualidade sempre foi uma prioridade em sua carreira – por essa razão ele escolheu a PUCRS, onde ele pode trabalhar com pesquisa, publicar artigos, escrever capítulos de livros, ministrar monitorias, realizar trabalho voluntário e participar de estágios internacionais. 

“Hoje vejo que essas valiosas experiências moldaram minha forma de pensar e meu futuro como médico. Atualmente sigo estudando com o objetivo de revalidar meu diploma e fazer residência médica em pediatria nos EUA e assim, continuar contribuindo com essa importante ponte que existe entre a PUCRS, UCLA e Moçambique”, conclui. 

Estude Medicina na PUCRS

Vivenciar novas experiências é sempre enriquecedor. Ter a oportunidade de conhecer realidades diferentes e, ao mesmo tempo, aprender e desenvolver habilidades é algo que não só valoriza o currículo como também muda visões de mundo e deixa marcas para toda a vida. Em janeiro deste ano, três doutorandos da Escola de Medicina puderam vivenciar um pouco disso. Durante intercâmbio realizado em Moçambique, na África, Mathias Kunde, Julia Monteiro de Oliveira e Paula Bastos atuaram na enfermaria do Hospital Central de Maputo (HCM).

De acordo com o professor Leonardo Araújo Pinto, coordenador do Núcleo de Pediatria da Escola, é importante que os alunos possam ter a experiência de conviver e trabalhar em locais de realidades diferentes. “O Brasil é um país rico em diversos cenários. Porém, quando vamos para longe, sempre existem rotinas de trabalho e costumes que são distintos, gerando aprendizado profissional e pessoal”, afirma.

Alguns dos problemas relacionados à saúde encontrados pelos doutorandos no país africano também se diferem daqueles com os quais estão mais acostumados a ver em seu dia a dia profissional. A desnutrição, que atinge 821 milhões de pessoas no mundo, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), é um deles. “Este é um problema relevante em Moçambique e incomum no Sul do Brasil. Além disso, a elevada incidência de HIV e tuberculose em crianças também torna a realidade diferente, o que multiplica as possibilidades de auxílio e de aprendizado”, diz Pinto.

O professor ressalta que essa é uma cooperação tripla, que inclui a PUCRS; a Universidade da Califórnia em Los Angeles (Ucla), nos Estados Unidos; e o HCM, em Moçambique. “Tudo começou com a parceria com Christopher Buck, que é professor da Ucla, infecto pediatra e trabalha em um projeto de auxílio e ensino da universidade no HCM. Isso tem ajudado na possibilidade de intercâmbio com Moçambique e também com a Ucla”, conta Pinto. Alunos que tenham interesse em fazer intercâmbio no HCM podem entrar em contato pelo e-mail [email protected].

A vivência em Maputo

Um povo acolhedor, receptivo e sempre disposto a ajudar. Essa foi a descrição dos moçambicanos feita pelos doutorandos da Escola de Medicina que estiveram no país. Segundo Julia Monteiro, foi lindo ver a alegria deles, apesar de tantas dificuldades e privações. “Eles têm uma energia única, sorriso sincero e coração puro”, conta.

Para Mathias Kunde, passar um mês no HCM proporcionou uma vivência acadêmica engrandecedora. “Tive a oportunidade de acompanhar uma equipe médica que realiza atendimento voluntário em um orfanato que fica no interior de um dos bairros mais pobres de Maputo”, lembra. Todos os residentes têm histórias de vida associadas a extrema pobreza, doenças infecciosas (particularmente HIV), deficiências físicas e/ou metais, abandono e mendicidade. “Para mim, foi o momento mais marcante. Senti que tinha muito na vida”, afirma.

De acordo com Paula Bastos, a experiência de aprender na prática a rotina médica em pediatria em um hospital grande foi memorável. “Aprendi sobre outras doenças, que são raras no Brasil ou que, pelo menos, não existem na nossa região, como a Malária; e algumas que já são pouco incidentes no Brasil devido a avanços na saúde, como as síndromes de desnutrição infantil e a Aids em crianças, que é muito prevalente. Sem dúvidas me ajudou a crescer muito como profissional”, afirma.

Na mala, muito conhecimento e aprendizado

Para Mathias Kunde, o intercâmbio ampliou seus conhecimentos culturais. Volto para casa trazendo na mala a sensação de não só ter evoluído como estudante, mas também como humano”, afirma o doutorando.

Com uma grande parte da população de Moçambique em extrema pobreza, Paula trouxe consigo um melhor olhar sobre o aspecto social que está por trás de cada paciente. “Lá, muitos estão em situação precária, e isso, somado à cultura e alguns tabus existentes, contribui para o adoecimento ou para o curso que a doença vai tomar, que geralmente é uma progressão até que se procure assistência médica”, explica.

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Yolanda está em Porto Alegre desde abril de 2019 / Foto: arquivo pessoal

Para Julia, esse intercâmbio aumentou sua bagagem cultural e o conhecimento médico. Alguns detalhes curiosos e bem regionais também chamaram a atenção da estudante, como a forma de lidar com a doença para o povo moçambicano. “Muitos buscam os curandeiros antes de procurar o médico. Tive várias experiências memoráveis”, comenta.

O olhar de quem é de lá, aqui

A moçambicana Yolanda Monteiro fez o inverso dos três estudantes. Em abril de 2019, veio de Moçambique para Porto Alegre, onde realiza estágio na área de gastropediatria do Hospital São Lucas da PUCRS (HSL). “Fui recebida muito bem. Os preceptores estão sempre dispostos a ensinar e nos guiar, e a relação e o trabalho com os residentes também é excelente. Esse período aqui no Brasil está sendo muito bom, conheci pessoas, fiz amizades, visitei lugares novos e aprendi um pouco da cultura do Rio Grande do Sul”, destaca. Yolanda retorna a Maputo na última semana de março.