adriana calcanhotto, Coisas Sagradas Permanecem

Foto: Giordano Toldo

Gal Costa, ainda criança, aprendia a cantar escutando o retorno da própria voz numa panela. E foi com uma panela, posicionada ao lado do rosto, que Adriana Calcanhotto subiu ao palco do Salão de Atos da PUCRS na última quinta-feira, 27 de abril, diante de um público de mais de mil pessoas. A artista entoava Recanto Escuro, música à qual pertence o verso que dá nome à turnê: coisas sagradas permanecem. “Noite de fortes emoções”, disse Adriana, que também afirmou que Porto Alegre foi escolhida de propósito para a realização da estreia nacional: “Porque é a minha terra”.

O último show de Gal Costa na capital gaúcha (As várias pontas de uma estrela) ocorreu também na PUCRS, em dezembro de 2021, encerrando um ciclo que, pela voz de Adriana, pôde ser retomado ainda uma vez, fazendo com que, em tempos diversos, ambas as artistas dividissem o mesmo palco.

O emocionante repertório do espetáculo atravessou diferentes momentos da carreira da homenageada, que faleceu em novembro do último ano. De Baby, canção de Caetano Veloso que jamais saiu dos shows de Gal, passando por Esquadros (de Adriana Calcanhotto) e indo até o bis com Noite de Domingo (de Michael Sullivan e Paulo Massadas) e Dê um rolê (de Moraes Moreira e Luiz Galvão), foram contemplados diversos outros compositores, como Roberto e Erasmo Carlos, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Lupicínio Rodrigues, Mallu Magalhães e a própria Gal Costa – que, com Gil e Caetano, compôs Quando. A presença da artista baiana foi convocada por cada elemento do show, seja pelo cenário de Omar Salomão, que fez de seus icônicos lábios vermelhos uma pétala de rosa, seja pelos músicos da banda, que tocaram com ela em seus trabalhos mais recentes: Limma nos teclados, Fabio Sá no baixo e Vitor Cabral na bateria e nas percussões.

Dando um tom intimista e afetivo ao espetáculo, Adriana Calcanhotto costurou as canções com histórias sobre a vida e a trajetória artística de Gal Costa. Falou, por exemplo, sobre Sim, foi você, música que Caetano ensinou para Gal na primeira vez em que se encontraram, em 1963, após descobrirem a adoração comum por João Gilberto.

adriana calcanhotto, Coisas Sagradas Permanecem

Foto: Giordano Toldo

Falou sobre Caras e Bocas, música com melodia de Caetano e letra de Bethânia, feita para a voz de Gal e falando sobre a voz de Gal. Além disso, trouxe relatos pessoais: “Quando ouvi Gal Costa cantando Lupicínio Rodrigues, mais especificamente Volta, no piano, nunca mais minha vida foi a mesma”, disse Adriana, antes de entoar a canção, também ao som do piano. Volta, vem viver outra vez ao meu lado, diz um verso da letra, uma entre as tantas canções do repertório que falam de saudade, numa noite em que a saudade de Gal Costa se fez tributo e oração, podendo ser cantada, compartilhada e profundamente sentida por cada uma das pessoas presentes.

Um show de amor, da cabeça aos pés

Estirada em uma poltrona no centro do palco, Adriana cantou, brincando com as palavras: I am the laziest gal in town, […] é que eu sou a moça mais va-Gal. De momentos de langor até a euforia do rock and roll, que pôs em destaque a performance da banda, a artista gaúcha soube equilibrar a memória de Gal Costa com as marcas de seu próprio estilo. Surpreendeu com elementos originais, como ao tocar gaita de boca ao final de Negro Amor, mas também repetiu gestos da homenageada, como ao desabotoar a camisa em Dê um rolê, ecoando a ousadia de Gal em seu show O sorriso do Gato de Alice, de 1994.

Marcus Preto, que assina a direção do espetáculo junto de Adriana Calcanhotto, conta que a turnê nasceu a partir do desejo da equipe de Gal de homenageá-la, em um show com os mesmos músicos, a mesma iluminadora, o mesmo roadie: “E Gal amava Adriana”, afirmou, ao explicar, para além de outras afinidades artísticas, o porquê de ter pensado imediatamente na gaúcha para estar à frente do projeto. “Gal, eu te amo”, falou Adriana nos agradecimentos da noite de estreia, com a banda ainda tocando Bloco do prazer para um público arrebatado, que permaneceu de pé, cantando e dançando ao longo das canções finais e também do bis.

Leia também: Adriana Calcanhotto abre turnê com show no Salão de Atos da PUCRS

Sobre a artista 

Adriana Calcanhotto é compositora, cantora, escritora, ilustradora, professora e embaixadora da Universidade de Coimbra. Desde o início de sua trajetória como artista de palco e estúdio, demonstrou paixão pela palavra, pelos livros e pela poesia. Musicou alguns de seus poetas prediletos, fez parcerias com poetas contemporâneos, realizou saraus e performances.  

Ganhou dois Grammy Latino e lançou algumas antologias de poesia para adultos e para crianças. Suas canções têm enorme apelo popular, tocam nas rádios do mundo todo e nas telenovelas brasileiras. Suas composições vêm sendo gravadas pelos maiores intérpretes da música popular brasileira. 

Gal Costa participa de evento da série Ato CriativoNo dia 20 de maio, quinta-feira, às 21h, a PUCRS Cultura promove um bate-papo com a cantora e compositora brasileira Gal Costa. A mediação será realizada pelo professor Ricardo Barberena, diretor do Instituto de Cultura. A conversa é transmitida através do perfil PUCRS Cultura no Facebook e do Canal da PUCRS no YouTube – onde fica disponível para acesso posterior.

Além de falar sobre o começo da sua trajetória artística, Gal também abordará os 50 anos do Long Playing Record gravado em 1971, o Gal A todo vapor (Gal Fatal). O LP, que foi o primeiro disco duplo do País, segundo a biografia da cantora, também foi a primeira gravação ao vivo. Com direção do poeta baiano Waly Salomão, o repertório vai desde novos compositores, como Luiz Melodia, aos consagrados, como Luiz Gonzaga.

O LP também foi eleito em uma lista da versão brasileira da revista Rolling Stone como o 20º melhor disco brasileiro de todos os tempos. Entre as interpretações, então Pérola Negra, de Luiz Melodia; Vapor Barato, de Jards Macalé e Waly Salomão; Como Dois e Dois, de Caetano Veloso; e Sua Estupidez, de Roberto e Erasmo Carlos.

A série Ato Criativo tem como objetivo aproximar o público de pessoas que criam em diversas áreas da cultura, proporcionando espaços de bate-papo com artistas. Nesse episódio, a conversa será sobre a trajetória da artista ao longo de seus mais de 55 anos de carreira.

Sobre Gal Costa

Maria da Graça Costa Penna Burgos, conhecida também como Gal Costa, nasceu em Salvador, no ano de 1945. É atriz, compositora e cantora com grande influência no tropicalismo e na MPB. Trabalhou em uma loja de discos em Salvador, onde conheceu o cantor de bossa nova, João Gilberto. Também amiga de Sandra e Dedé Gadelha, em 1963 a cantora é apresentada a Caetano Veloso, então marido de Dedé.

Em 1964, Gal participou da inauguração do Teatro Vila Velha (Salvador) ao lado de artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Tom Zé e outros através do espetáculo Nós, Por Exemplo… Ainda com o grupo, Gal Costa apresentou os espetáculos Arena Canta Bahia e Em Tempo de Guerra (1965), além de gravar Eu Vim da Bahia e Sim, Foi Você.

Uma característica marcante da cantora é a capacidade que sua voz tem de perambular aos diversos gêneros musicais. Gal gravou duas músicas do álbum do Tropicália ou Panis et Circencis (1968), lançado por ela, Caetano, Gilberto Gil, Nara Leão, Os Mutantes e Tom Zé. Em 1968, a cantora esteve presente no 4º Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com a música Divino Maravilhoso, a qual lhe concedeu o 3º lugar. No ano seguinte, mais dois álbuns foram lançados, Gal Costa e Gal, com músicas de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

Durante o período de Ditatura Militar no Brasil, Gal Costa virou representante do tropicalismo no país. Com o álbum Fa-Tal: Gal a Todo Vapor gravado ao vivo, a cantora reforça a sua representatividade dentro do Tropicalismo, enquanto os seus parceiros Caetano e Gil estavam exilados. Ao longo de seus mais de 55 anos de carreira, Gal lançou 43 álbuns, tendo 12 DVDs gravados e 16 participações especiais na televisão. Já foi indicada cinco vezes ao Grammy Latino e foi vencedora do Prêmio da Música Brasileira (2016) na categoria de melhor cantora.

Sobre o mediador

livro, Ariano Suassuna, Dom Pantero, Ricardo Barbarena, Delfos

Professor Ricardo Barberena
Foto: Camila Cunha

Ricardo Barberena nasceu em Porto Alegre, em 1978. Possui graduação (2000), doutorado (2005) e pós-doutorado (2009) na área de Letras pela UFRGS. É Diretor do Instituto de Cultura da PUCRS, Coordenador Executivo do DELFOS/Espaço de Documentação e Memória Cultural e professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS. Coordena o Grupo de Pesquisa Limiares Comparatistas e Diásporas Disciplinares: Estudo de Paisagens Identitárias na Contemporaneidade e é membro do Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea (GELBC).

Serviço