Preocupado com as recentes agressões a bugios no RS, o professor da Faculdade de Biociências da PUCRS e especialista em Primatologia, Júlio César Bicca-Marques faz um alerta: os macacos não transmitem o vírus da febre amarela. A disseminação da doença é feita pelo mosquito fêmea. Por medo de contágio, moradores de regiões onde há bugio-preto e bugio-ruivo muitas vezes agridem e até matam esses animais, o que é crime ambiental e coloca em risco a saúde da população. “O bugio não é um reservatório do vírus. O vírus não fica na corrente sanguínea do animal após o curto período da doença, que dura, no máximo, cerca de 10 a 12 dias. Na maioria dos casos, o bugio morre de febre amarela. Quando não morre, desenvolve imunidade e o vírus não o prejudicará mais”, ressalta. Pelo contrário, o bugio alerta onde é necessária uma campanha de vacinação devido a essa baixa resistência à doença. “Sem eles, só saberíamos da existência de um surto da doença quando pessoas começassem a morrer. E isso aumentaria o risco de reurbanização da febre amarela”.
O macaco, assim como o humano, é infectado pelo vírus através do mosquito. Os bugios vivem sobre as árvores e evitam descer ao solo. Quando precisam descer em áreas descampadas, raramente percorrem distâncias pelo chão maiores do que 200 metros. Além disso, um animal infectado e com febre fica letárgico. Consequentemente, é impossível que bugios infectados sejam responsáveis pela dispersão do vírus entre áreas de floresta isoladas. “As pessoas, no entanto, podem ter um papel importante nessa disseminação, seja facilitando a dispersão de ovos, larvas e mosquitos adultos, seja como hospedeiras assintomáticas, carregando o vírus na corrente sanguínea, sem nenhum sintoma, e transmitindo através dos mosquitos”, destaca Bicca-Marques.
Em 2009, o professor lançou a campanha Proteja seu Anjo da Guarda, para esclarecer a população a respeito do papel dos bugios como sentinela da circulação do vírus. Agora, com as novas agressões aos macacos, ele retoma o projeto com colegas de outras instituições do RS. A equipe criou um perfil no Facebook para conscientizar as pessoas da importância de proteger o animal e de relatar às autoridades de saúde se algum macaco for encontrado morto.
Duas pesquisas de mestrado sobre o surto de febre amarela silvestre de 2008-2009, uma realizada no Programa de Pós-Graduação em Zoologia da PUCRS e outra no Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade Animal da Universidade Federal de Santa Maria, confirmaram que 80% dos macacos de áreas atingidas pela doença morreram. Os estudos foram orientados e co-orientados, respectivamente, pelo professor Bicca-Marques.
Dentre os resultados, destaca-se ainda que houve um aumento considerável na distância entre as populações de bugios-pretos sobreviventes em Bossoroca, local da primeira pesquisa, o que reduz as chances de troca gênica entre as populações isoladas e de recolonização das áreas onde a espécie desapareceu. Além disso, identificou-se a probabilidade de extirpação de bugios-ruivos no Campo de Instrução de Santa Maria e entorno, área do segundo estudo, maior que 95% nos próximos 100 anos, caso um novo surto de febre amarela silvestre acometa as populações nesse período.
Atualmente, um trabalho de doutorado busca descobrir o que fez com que o vírus andasse cerca de 500 km durante os nove meses de surto da febre amarela em 2008/2009, sendo que, em 2001, a doença se manifestou na fronteira noroeste, mas não se espalhou pelas demais regiões do Estado. “Esperamos entender o papel da pluviosidade, de outros fatores abióticos e da paisagem (estradas e rios, por exemplo) na rápida disseminação da doença durante esse surto”, esclarece Bicca-Marques.
Segundo o professor, os casos humanos que descobrimos são apenas a ponta do iceberg, já que apenas de 5% a 10% das pessoas contraem a forma maligna do vírus, que leva à morte em 50% dos casos. “A maior parte das infecções no ser humano é assintomática, de 40% a 65% dos casos, segundo Pedro F. C. Vasconcelos do Instituto Evandro Chagas”, revela. Além disso, ao contrário dos macacos, as pessoas têm acesso à vacina, a qual deve ser administrada em quem vive nas zonas de risco.
Existem dois tipos de febre amarela. A forma silvestre é transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes. Já o transmissor da forma urbana, que foi erradicada do País em 1942, é o Aedes aegypti, o mesmo da dengue, da zika e da chikungunya. Em 2008 e 2009, a febre amarela silvestre provocou a morte de bugios em áreas do RS. Atualmente, o Estado não tem surto da doença, no entanto, Minas Gerais, São Paulo e Espírito Santo registraram casos em 2017.
Dos macacos das Américas, os bugios são os mais sensíveis à febre amarela e, por isso, a maioria não resiste quando contrai a doença. Quando muitos indivíduos da espécie começam a morrer em uma região, os órgãos de saúde investigam se a causa é febre amarela e lançam uma campanha de vacinação antes que a população humana seja atingida. “Eu garanto que o bugio não tem absolutamente culpa nenhuma na chegada e disseminação do vírus entre as áreas de floresta”, reforça Bicca-Marques.
O inseto que pica as pessoas e transmite vírus é a fêmea do mosquito. Ela se alimenta de sangue para produção de ovos. Se contaminada, suas filhas podem nascer com o vírus. É possível que essa transmissão entre gerações dure até seis meses. O mosquito macho se alimenta de néctar e seiva, entre outras substâncias com açúcar.
Os bugios raramente percorrem distâncias pelo chão maiores do que 200 metros.
A distância máxima de dispersão do mosquito transmissor da febre amarela é de 6 km.
As pessoas possuem imensa capacidade de dispersão e podem ter um papel importante na disseminação do vírus da febre amarela, seja facilitando a proliferação de ovos, larvas e mosquitos adultos, seja como hospedeiras assintomáticas, carregando o vírus na corrente sanguínea, sem nenhum sintoma, e transmitindo através dos mosquitos.