“O acesso à cultura potencializa a aprendizagem e é uma ferramenta muito potente. Ela nos transposta desse lugar que estamos acostumados, seja ele qual for”. A frase de Andreia Mendes – professora de Psicologia na Escola de Ciências da Saúde e da Vida e de Pedagogia na Escola de Humanidades e pesquisadora da PUCRS –, evidencia a importância da cultura, além da arte e do entretenimento, mas também para a educação. Ainda, a área é um dos mercados que mais emprega profissionais – superando os setores automobilístico e calçadista, no Rio Grande do Sul, por exemplo – e gera impacto direto na economia.
“Cultura e educação, não. Cultura é educação”
Ricardo Barberena, professor da Escola de Humanidades, relembra uma frase marcante de Fernanda Montenegro, a dama do teatro. “Durante a entrega do Mérito Cultural, ela negou esses dois campos como complementares, que estão lado a lado. Na verdade, temos que colocar um acento: ‘cultura é educação’”. Segundo Barberena, essa frase guia todas as ações do Instituto de Cultura da PUCRS, do qual é diretor.
Quanto mais se lê, visita museus, ouve músicas, transita no mundo da cultura, maior a potência e a capacidade de significação dentro desse grande enredo de existência que é a vida, afirma o professor. “Estudantes que estão instrumentalizados para trazer a cultura dentro da sua rotina, com diferentes históricos, formam uma força muito importante dentro dos grandes desafios e metodologias da educação. Isso aumenta a capacidade de criar interpretações e validações, de comparar o mundo. Trabalhar com cultura é trabalhar com a alteridade – a desproporção da vida – e ir em relação ao outro: outros hábitos, outra dança, outra forma de apreciar”, destaca.
“Mais eu me sensibilizo, me humanizo, me coloco diante da dor do outro”
Segundo Barbarena um dos papéis da cultura é promover a empatia, na prática. “Para entender o mundo que não é o meu, mas aquele de determinadas dores e apreensões que eu não vivi. Quem consegue pensar nas diferentes manifestações do humano, tem a capacidade de aprender muito maior – no que se trata de conteúdo, de sala de aula”, conta. Essa tecnologia de sensibilização, humanização, sobrevivência, é um “artefato da maquinaria ética e estética que é a obra de arte”.
Segundo algumas definições encontradas em dicionários, de forma muito breve, cultura é o conjunto dos hábitos sociais e religiosos, das manifestações intelectuais e artísticas, que caracteriza uma sociedade. Segundo Andreia, o principal benefício é a chance de ampliação da própria possibilidade. “Da maneira como eu enxergo, da transposição de visão, da diversidade. A cultura traz essa outra visão do que é possível, de outras formas de pensar o enfrentamento, as dificuldades do próximo e do não tão próximo assim, como as pessoas estão se organizando”, destaca.
Para Andreia, as escolas, assim como as universidades, têm que trabalhar com a cultura de uma forma transversal, em todos os conteúdos. “A gente precisa pensar que, quando estamos estudando um conteúdo de matemática, por exemplo, existe um histórico por meio da cultura que pode ser contextualizado ali. Articulando diferentes abordagens, é possível potencializar essa aprendizagem”, explica.
A cultura, como o diferente, é o meio; a tecnologia, como a pessoa acessa, o consumo do conteúdo – comenta Andreia sobre o fenômeno das lives. As transmissões online ganharam lugar de destaque na agenda do público durante a pandemia, como alternativa aos grandes eventos e para evitar aglomerações. Segundo a professora, o acesso à cultura tem que ser livre, não elitizado: “Tem que estar nos espaços públicos, para todas as famílias”.
O Instituto de Cultura da PUCRS, por exemplo, desde o início da quarentena adaptou projetos e criou novos com foco nas plataformas digitais para levar conteúdo qualificado até as casas das pessoas. No Meu Canto, com lives de artistas gaúchos no Instagram; Live de Cabeceira, com entrevista online de escritores; Ateliê da Cultura, oferecendo oficinas gratuitas; e Ensaios de Morar, com produções de poemas em audiovisual, são algumas das iniciativas.
“Por mais que exista uma desvalorização da cultura, em diferentes instâncias, ela sempre volta a ser essa possibilidade de sobrevivência. No Instituto de Cultura, fazemos isso”, diz o diretor.
A indústria criativa emprega mais de 130 mil pessoas no Rio Grande do Sul, segundo o levantamento do Departamento de Economia e Estatística do governo estadual, em 2019. Considerando as contratações formais (de carteira assinada), o setor supera os 111 mil contratados no setor calçadista e os 105 mil nas montadoras automobilísticas.
“A arte existe porque a realidade não basta”
A frase de Ferreira Gullar, pseudônimo de José Ribamar Ferreira – escritor, poeta e crítico de arte –, ilustra um resultado divulgado no relatório de Cultura nas Capitais, da JLeiva Cultura & Esporte: quanto maior o nível de escolaridade, mais as pessoas acessam a cultura. Ao serem questionados sobre suas atividades culturais, o número de entrevistados com ensino superior que demonstraram consumir serviços, ou frequentar espaços culturais, era pelo menos o dobro dos que tinham estudado apenas até o Ensino Fundamental.
Ao olhar para os caminhos das grandes universidades ao redor do mundo, sempre se pensa no ser humano pleno, que trabalha o corpo e a mente, explica Barberena. “Quanto maior a capacidade de trânsito cultural, maior a capacidade de galgar novas instancias dentro do ambiente universitário e educativo. De pensar no conhecimento e combater um dos grandes males do mundo contemporâneo: o analfabetismo afetivo, a falta de empatia, não se sentir abalado diante da dor do outro”, complementa.
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